O Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu de forma unânime, em março de 2024, mês em que se celebra internacionalmente o dia da mulher, que a mãe não gestante em união homoafetiva tem direito à licença-maternidade – tendo sua companheira direito a licença por período equivalente ao da licença paternidade (RE 1.211.446 – Tema 1.072).
Recentemente, o STF também julgou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) em que se alega morosidade legislativa na regulamentação da licença-paternidade (ADO 20/DF). Isso porque o artigo 10, §1º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), desde 1988, prevê licença-paternidade de cinco dias até que sobrevenha lei para regulamentar a licença-paternidade prevista no artigo 7º, XIX, da Constituição, regulamentação esta que continua pendente há mais de 35 anos.
No final de 2023, o STF julgou procedente a ADO 20/DF e estabeleceu o prazo de 18 meses (que se encerra em julho de 2025), para o Congresso Nacional regulamentar a licença-paternidade. Caso contrário, o STF estará autorizado “a deliberar sobre as condições concretas necessárias ao gozo do direito fundamental à licença paternidade”.
Há muito em comum nos dois julgamentos. Ambos buscam privilegiar o convívio familiar e desenvolvimento da criança. Decisões como essas são importantes mecanismos para promoção de um ambiente mais igualitário entre mulheres e homens, mostrando um movimento intencional para diminuir os impactos da maternidade na carreira das mulheres, objetivando maior equidade de tratamento entre gêneros.
Compartilhamento de obrigações familiares para ambos os sexos
Impossível negar que as medidas sociais e legislativas pela promoção da igualdade material entre mulheres e homens vêm ganhando cada vez mais espaço e notoriedade. Há pouco tempo, empresas com 100 ou mais empregados tiveram que publicar em seus canais oficiais de comunicação, sob pena de multa, o Relatório de Transparência Salarial elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em cumprimento com as exigências da Lei 14.611/2023, Decreto 11.795/2023 e Portaria 3.174/2023. Um dos critérios considerados para verificação de ambientes de apoio à diversidade nas empresas são ações que promovam o compartilhamento de obrigações familiares para ambos os sexos.
Muito embora sejam inegáveis os avanços jurisprudenciais, legislativos, sociais e culturais em torno do tema, também não há dúvidas de que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que se atinja a plena igualdade entre mulheres e homens no contexto da parentalidade.
O Programa Empresa Cidadã[1], que amplia a licença-maternidade de 120 para 180 dias e a licença-paternidade de cinco para 20 dias, não chega nem perto de resolver o problema da disparidade entre os períodos da licença-maternidade e licença-paternidade. Atualmente, políticas de iniciativa privada se mostram ferramentas muito mais eficientes para essa finalidade, especialmente quando as empresas enxergam a importância e urgência de se equiparar (ou ao menos aproximar) os períodos de duração das licenças maternidade e paternidade.
A realidade é que, atualmente, já não se justifica a existência de conceitos e regulamentações distintas para a licença-maternidade e licença-paternidade. Nesse aspecto, a igualdade entre mulheres e homens só se atingirá quando as distinções entre os dois tipos de licença forem extintas, criando-se e regulamentando-se o instituto único da licença parental, cujas regras se aplicarão igualmente para homens, mulheres, pais biológicos, adotivos, mães gestantes, mãe não gestantes, mães solos, casais hetero e homoafetivos, enfim, representando o retrato da sociedade brasileira.
Licença parental em outros países
No cenário global, é possível notar que alguns países estão mais avançados que o Brasil na caminhada pela equalização de direitos parentais para mulheres e homens.
A Convenção 183 da Organização Internacional do Trabalho (não ratificada pelo Brasil) traz contornos acerca da possibilidade de concessão de licença parental para um ou ambos os pais após as respectivas licenças maternidade e/ou paternidade, cabendo a cada país signatário internalizar o instituto e estabelece as especificidades de concessão, pagamento e tempo.
A legislação europeia prevê uma licença-maternidade mínima de 14 semanas, das quais apenas duas semanas são obrigatórias, sendo o mesmo período obrigatório para a licença paternidade[2].
Em países membros da União Europeia, a licença parental é uma realidade, embora ainda longe de ser um assunto resolvido. Muitos desses países concedem aos responsáveis legais (independentemente do gênero) um período de licença parental posterior às licenças maternidade/paternidade. Entretanto, de acordo com o The Economist[3], a Espanha é o único país que possui o mesmo período de licença parental para pais e mães: 16 semanas para cada.
No Brasil, há projetos de lei pendentes sobre o tema. É o caso do PL 1974/2021, assinado pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que contempla diferentes estruturas familiares, sejam elas sanguíneas ou adotivas, e estabelece afastamento de 180 dias para os responsáveis legais do jovem ou recém-nascido (até dois responsáveis para uma mesma criança ou adolescente), sem prejuízo do emprego e do salário, este último garantido pela Previdência Social enquanto perdurar a licença parental.
Evidente que a barreira orçamentária do INSS tende a dificultar a aprovação de projetos que prevejam licenças parentais longas e integralmente custeadas pelo Estado. O Projeto de Lei atualmente aguarda parecer da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF).
Conforme mencionado acima, o Congresso Nacional tem até julho de 2025 para aprovar uma lei que regulamente a licença paternidade, caso contrário o próprio STF decidirá sobre a matéria. A sociedade aguarda, ansiosa e otimista, a extensão da licença paternidade, quiçá sua paridade com a licença-maternidade.
Enquanto isso não acontece, cabe à inciativa privada, especialmente às grandes empregadoras do país, exercer a função social do negócio e contribuir como catalizadoras de mudanças para uma sociedade mais justa e igualitária, através da implementação de ações efetivas em prol da efetiva paridade entre mulheres e homens no âmbito da parentalidade.
Independentemente de leis, normas ou decisões vinculantes sobre o tema, não há como se cogitar outro caminho, seja sob a perspectiva de avanço social e responsabilidade ética, seja em razão do papel coercitivo exercido pelo livre mercado, já que medidas de responsabilidade social têm sido determinantes para captação de clientes, parceiros comerciais e investidores, bem como para atração e retenção de profissionais.
[1] Programa Empresa Cidadã, instituído pela Lei nº 11.770/2008 e regulamentado pelo Decreto nº 7.052/2009
[2] Disponível em https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/ATAG/2022/698892/EPRS_ATA(2022)698892_EN.pdf. Acesso em 08/04/2024.
[3] The Economist – Europe is giving more parental leave to its workers. Disponível em https://www.economist.com/europe/2024/03/21/europe-is-giving-more-parental-leave-to-its-workers. Acesso em 08/04/2024.