Não podemos falar de democracia sem eleições livres e justas e não podemos falar de eleições livres e justas sem a liberdade de imprensa e de expressão. Esta última é um dos valores fundamentais de uma democracia. Nos últimos tempos, o valor da liberdade de expressão ganhou grande destaque após as polêmicas entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e Elon Musk. Essa situação é mais um exemplo de como o debate público brasileiro apresenta um cenário preocupante de polarização, o que atrapalha um ambiente de diálogo e troca livre de ideias, especialmente em um contexto de eleições municipais.
A polarização por si só não é um problema, afinal, o dissenso faz parte de uma democracia. O problema é quando a polarização se torna “tóxica” — termo utilizado pelo V-DEM para evidenciar a escalada da polarização nos últimos anos.
Este fenômeno age como um elemento que se retroalimenta da falta de qualificação do debate público, ao mesmo tempo que o deixa mais pobre, o que acaba beneficiando grupos extremistas de diferentes espectros ideológicos, promovendo debates inflamados e, assim, gerando danos à defesa da democracia como um todo.
Esse ambiente é ainda mais preocupante no contexto de eleições, em que a habilidade de dialogar com o outro e a liberdade de se expressar sem medo de se sentir reprimido são vitais para que o processo de escolha dos governantes ocorra de maneira livre e justa.
Sendo a liberdade de expressão um valor tão importante, em 2023, o Instituto Sivis realizou uma pesquisa para entender as percepções sobre este tema entre a população e o Congresso. Os resultados nos mostram que embora esse valor receba grande importância tanto pela população quanto pelo Congresso, percebe-se que não há um entendimento em comum sobre ele em termos conceituais e legais.
Os dados mostram que a população está dividida sobre o que é ou não garantido por lei. A título de exemplo, quando perguntado se acreditavam que era proibido “questionar o sistema eleitoral atual, baseado no voto em urnas eletrônicas”, 42% dos brasileiros responderam que é proibido, enquanto 38,10% responderam que não é proibido. Já entre congressistas verifica-se que 61% dos parlamentares afirmaram que não é proibido. Para fins de esclarecimento, relembramos que o Código Eleitoral impede a obstrução de pleitos eleitorais, no entanto, o diálogo sobre o sistema utilizado nas eleições é legítimo.
Além disso, os dados da pesquisa mostram resultados preocupantes sobre a percepção de autocensura da população. Conforme o relatório, mais de 40% da população respondeu que, pelo menos “às vezes”, se não “frequentemente” ou “sempre”, deixou de expressar sua opinião em uma conversa sobre temas políticos, por medo de como os outros poderiam reagir — seja em família (44,5%), com amigos (44,6%) ou com colegas de trabalho (42,4%). Esse dado é particularmente preocupante para o contexto das eleições municipais, à medida que evidencia sinais de um ambiente com uma grande falta de diálogo decorrente do medo de se expressar. O valor da liberdade de expressão pouco consolidado afeta diretamente a circulação de ideias da população e de candidatos. Nesse sentido, o fortalecimento desse valor, através de um livre debate, pesquisas e conhecimento, é essencial para que o exercício do voto possa ser realizado de forma consciente e bem-informada.
A polarização tóxica que vivemos atualmente representa uma ameaça real à democracia, alimentando extremos e prejudicando a qualidade do debate público. É necessário buscar um equilíbrio entre a diversidade de opiniões e o respeito mútuo, a fim de fortalecer os valores democráticos e evitar o avanço de agendas antidemocráticas. É fundamental que a sociedade e as instituições se engajem na promoção de um debate público saudável e plural, especialmente em períodos eleitorais. O entendimento e respeito mútuo das diferentes opiniões são essenciais para a construção de uma democracia forte e resiliente.