Lewandowski critica PL de Derrite e diz que equiparar facção a terrorismo é ‘quase lesa-pátria’

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Em entrevista ao JOTA nesta segunda-feira (17/11), o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, fez fortes críticas ao Projeto de Lei Antifacção, previsto para ser votado nesta terça-feira (18/11) pela Câmara dos Deputados. A proposta, elaborada pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP) como substitutivo ao texto encaminhado pelo governo, foi classificada pelo ministro como tecnicamente falha e, em pontos específicos, potencialmente “lesa-pátria”.

Segundo Lewandowski, o governo passou seis meses construindo sua proposta original, ouvindo polícias, magistratura, Ministério Público e especialistas, além de analisar experiências internacionais de combate a organizações criminosas. O texto do Executivo previa alterações sistemáticas e coordenadas na Lei de Organizações Criminosas, no Código Penal, no Código de Processo Penal, na Lei de Execução Penal, na Lei de Crimes Hediondos e na legislação sobre prisão temporária. A ideia, enfatizou, era apresentar “um projeto maduro, com começo, meio e fim”.

Crítica ao novo texto

Lewandowski criticou o fato de o relator ter rejeitado integralmente a proposta do Executivo e apresentado, no lugar, uma versão que, segundo ele, carece de técnica legislativa. “Para começar, esse projeto apresentado pelo Derrite, que tirou o nosso idealmente da pauta e apresentou outro, já peca pela técnica legislativa.”

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Ele afirmou que o substitutivo tenta criar um “marco legal de combate ao crime organizado” sem estrutura jurídica, sem integração com o restante do ordenamento e ignorando os aspectos sistêmicos exigidos pelo tema. Segundo o ministro, o texto amplia penas sem coerência normativa e não aborda questões estruturais, como coordenação federativa, inteligência, cooperação internacional e métodos especiais de investigação.

Um dos pontos mais criticados por Lewandowski é a tentativa do substitutivo de alterar a lei de combate ao terrorismo de forma a aproximar facções criminosas da tipificação de organizações terroristas. Segundo o ministro, essa mudança traria consequências graves para a imagem do país, afetaria a segurança jurídica e poderia abrir espaço para intervenção ou retaliação internacional, além de afastar investimentos estrangeiros.

“Inicialmente, a ideia era fazer modificações na lei de combate ao terrorismo. Isso, felizmente, caiu, porque seria até, diria eu, uma atitude de quase um crime, nessa parte, que escancararíamos as portas do Brasil para uma eventual intervenção estrangeira.”

Lewandowski classificou essa possibilidade como uma medida de caráter “quase de lesa-pátria”, diante dos impactos diplomáticos e econômicos potenciais.

Ele explicou que a simples previsão legal de que o país abriga organizações terroristas poderia provocar reações externas e elevar o risco regulatório do Brasil. “Qual é a empresa estrangeira, ou mesmo governo estrangeiro, que vai investir em um país que reconhecidamente, por lei, tem organizações terroristas?”

Segundo o ministro, tal redação poderia resultar em medidas sancionatórias de organizações internacionais, restrições econômicas e piora na avaliação de risco por parte de empresas e agências de classificação.

Outro eixo de críticas foi a tentativa de deslocamento de competências e recursos da Polícia Federal. Para Lewandowski, o substitutivo compromete a capacidade de ação coordenada da PF. “Estão cerceando os recursos para a Polícia Federal e os demais órgãos de segurança. […] Estão prevendo que vá dinheiro para os fundos estaduais.”

O ministro advertiu ainda que essa redistribuição rompe com a lógica de integração nacional da segurança pública construída nos últimos anos, baseada na ideia de um Sistema Único de Segurança Pública.

Cenário político: poucas chances para o texto do governo

Lewandowski reconheceu que o governo não conta com maioria na Câmara para reverter o substitutivo. “As perspectivas de emplacarmos o projeto alternativo são muito pequenas, muito pequenas.” Por isso, segundo ele, a estratégia do Executivo se resume a duas possibilidades:

  • Rejeitar integralmente o substitutivo, caso prevaleçam as inconstitucionalidades apontadas;
  • Negociar ponto a ponto, tentando “salvar” trechos considerados essenciais.

O ministro foi direto ao comparar os textos. “No nosso eu não mudaria nada. No do deputado Derrite, mudaria tudo.”

Operações e desafios: Carbono Oculto, IA e bets ilegais

Lewandowski citou a operação Carbono Oculto como exemplo de ação bem-sucedida de combate a organizações criminosas infiltradas na economia formal. Ele destacou que a ofensiva levou meses para ser construída e envolveu Ministério Público de São Paulo, Polícia Militar de São Paulo, Receita Federal, órgãos da Fazenda e a Polícia Federal.

“Precisamos investir nisso. Penso que, no futuro, será aplicar inteligência artificial, sistemas de detecção de desvios das reais finalidades.”

O ministro também mencionou o avanço de bets ilegais e fintechs usadas para lavagem de dinheiro. Ele afirmou que a PF está trabalhando para bloquear esses mecanismos:

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“Estamos unindo esforços para evitar que bets e fintechs sejam utilizados como instrumento para lavagem de dinheiro.”

Segundo ele, há projetos em andamento — não detalhados — que incluem a possibilidade de instalar representações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em estados onde essas operações são mais recorrentes.

Ministro reforça críticas após entrevista

Após encerrar a entrevista exclusiva ao JOTA, Lewandowski conversou rapidamente com jornalistas presentes no evento e repetiu, de forma mais concisa, que o PL Antifacção “peca pela técnica legislativa” e que não é possível “criar do nada” um marco legal para o crime organizado.

Ele voltou a afirmar que a equiparação entre facções e terrorismo é uma ideia “quase de lesa-pátria”, reiterando o risco de intervenção ou resposta internacional e a probabilidade de retração de investimentos estrangeiros.

O ministro também avaliou que a correlação de forças na Câmara torna difícil alterar substancialmente o texto. “Ou rejeitamos o projeto no todo ou em emendas ponto a ponto, e também nesse aspecto somos minoritários.”