A procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), com caráter liminar, contra o art. o art. 216, § 2º, do Código Penal Militar, inserido pela Lei 14.688, de 20 de setembro de 2023, que fixa uma pena inferior para o crime de injúria racial e homotransfóbica em relação à punição prevista na Lei do Racismo. A ADI 7547 é de relatoria do ministro Gilmar Mendes.
A Lei 14.688, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), possuía o objetivo de adequar o Código Penal Militar à Constituição e às disposições do Código Penal e da Lei de Crimes Hediondos, de modo a ”promover uma atualização da legislação penal militar”. ”Quando o projeto que resultou na lei foi proposto, a injúria racial era tipificada apenas pelo Código Penal, que estabelecia pena de 1 a 3 anos de reclusão, exatamente a mesma previsão existente no então projeto que atualizou o Código Penal Militar”, destaca o MPF.
No entanto, enquanto o projeto de lei estava em tramitação, o Supremo equiparou a injúria racial e homotransfóbica ao racismo. Assim, o Congresso Nacional editou a Lei 14.532/23, que tipifica como crime de racismo a injúria racial, sendo prevista como pena 2 a 5 anos de reclusão e multa — antes, a pena era de 1 a 3 anos de reclusão.
‘Inconcebível retrocesso’
Desse modo, o MPF destaca que a lei que atualizou o Código Penal Militar passou a ”promover inconcebível retrocesso” ao prever a pena de 1 a 3 anos para o crime militar de injúria pela utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião e orientação sexual. De acordo com o Ministério Público, na prática houve uma redução da pena no caso de a conduta ser praticada por um militar contra outro no exercício de suas funções ou em locais sujeitos à administração militar.
”A reprovabilidade da conduta de ofender a dignidade humana, que deve ser protegida independentemente de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual, é agravada pela condição de ser praticada por militar contra militar em ambiente castrense regido pela disciplina e hierarquia, e não o contrário”, destacou Elizeta Ramos.
Transgressão ao estatuto constitucional
Na ação, o Ministério Público ressalta que admitir a redução do patamar de reprovabilidade da conduta significa ”evidente transgressão” ao estatuto constitucional punitivo do racismo. Além disso, a procuradora-geral também frisa que a norma viola os arts. 3°, IV; 4°, VIII; e 5°, XLI e XLII, da Constituição Federal.
A ADI ajuizada pelo MPF ainda destaca que a redução penal contraria a Convenção Interamericana contra o Racismo, que estabelece o compromisso dos Estados-partes de: ”prevenir, eliminar, proibir e punir todos os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância”.
Outros pedidos
A ação também requer que seja determinada a imediata suspensão dos efeitos da norma questionada, que reduz a pena para o crime de injúria racial praticado por militar contra outro. Requer, ainda, que sejam colhidas informações da presidência da República e do Congresso Nacional, e que a Advocacia-Geral da União (AGU) seja ouvida.
Além disso, a PGR solicita que o Supremo julgue procedente o pedido para declarar inconstitucionais as expressões ”a raça”, ”a cor”, ”a etnia”, ”a origem” e ”a orientação sexual”, de forma que o tipo de penalidade resultante tenha preceito primário idêntico ao inscrito no art. 140, § 3º, do Código Penal e mesma faixa de pena.
Caso o STF entenda que a declaração de inconstitucionalidade das expressões citadas pela procuradora-geral resultem na criação de um tipo penal não previsto ou desejado pelo legislador, a PGR solicita a declaração de inconstitucionalidade de todo o § 2º do art. 216 do Código Penal Militar, de modo que as condutas nele descritas fiquem contidas pelos tipos inscritos no art. 140, § 3º, do Código Penal, e no art. 2-A da Lei do Racismo, com a redação dada pela Lei 14.532/23.