A Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.875/DF foi proposta pela Sociedade Brasileira de Bioética e questiona a constitucionalidade parcial, formal e material da Lei 14.874, de 28 de maio de 2024, que versa sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Sinep). A lei está em vigor desde 28 de agosto de 2024 e foi regulamentada pelo Decreto 12.651, de 7 de outubro de 2025.
Entre os dispositivos questionados, o art. 33, inciso VI, ganhou centralidade ao prever que o fornecimento gratuito do medicamento experimental pós-ensaio clínico poderá ser interrompido após transcorridos cinco anos de sua disponibilidade comercial no país.
A norma, no entanto, não confere discricionariedade automática. O art. 33 é taxativo e estabelece que qualquer pedido de interrupção do fornecimento, quando aplicável, deve ser previamente justificado e submetido à avaliação autônoma e independente do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Cabe ao CEP verificar se a interrupção proposta, ainda que juridicamente possível, pode implicar riscos, danos ou prejuízos ao participante. O dispositivo consagra um mecanismo de controle técnico e ético que assegura o prévio escrutínio do colegiado responsável pela proteção dos direitos, da segurança e do bem-estar e a dignidade do participante da pesquisa.
A pesquisa clínica, nos termos do art. 2º, inciso XXXIII, da Lei nº 14.874/2024, é o conjunto de procedimentos científicos sistemáticos realizados com pessoas para (a) avaliar ação, segurança e eficácia de medicamentos, produtos, técnicas, procedimentos, dispositivos médicos ou cuidados à saúde, para fins terapêuticos, preventivos ou diagnósticos; (b) verificar a distribuição de fatores de risco, doenças ou agravos na população; e (c) avaliar efeitos de fatores ou estados sobre a saúde.
Já o ensaio clínico, definido no art. 2º, inciso XXI, é a modalidade experimental de pesquisa clínica conduzida com um ou mais seres humanos para avaliar a segurança, o desempenho clínico ou a eficácia de medicamento experimental, dispositivo médico ou terapia avançada.
Essa natureza científica e experimental não se confunde com os objetivos assistenciais do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja finalidade, conforme o art. 196 da Constituição Federal, é assegurar a todas e a todos o direito à saúde, como dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. O art. 5º da Lei 8.080/1990 descreve os objetivos do SUS.
A Lei 14.874/2024 assegura critérios em que o patrocinador continua responsável pelo fornecimento gratuito do medicamento experimental pós-ensaio clínico, mediante avaliação individualizada realizada pelo(a) médico(a) investigador(a) principal e supervisão ética do CEP. Essa avaliação individual configura expressão do dever técnico do médico, nos termos da Lei 12.842/2013 (Lei do Ato Médico). Além disso, as possibilidades legais de interrupção devem estar previstas e destacadas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), negócio jurídico celebrado com o participante da pesquisa.
Grande parte dos participantes de ensaios clínicos é SUS dependente. Ao integrar essas pessoas em ensaios clínicos longitudinais, além de contribuir para o progresso médico-científico do Brasil o SUS é indiretamente desonerado de custos assistenciais, pois o acompanhamento médico, exames, procedimentos e tratamentos — inclusive o medicamento experimental e o comparador — passam a ser integralmente custeados pelo patrocinador.
Isso fomenta o desenvolvimento e progresso científico e tecnológico, a inovação e a capacitação profissional, além de gerar empregos e promover cooperação entre o público e o privado, em consonância com o art. 218 da Constituição Federal, que impõe ao Estado o dever de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a inovação.
Declarar a inconstitucionalidade do art. 33, VI, da Lei 14.874/2024 acarretaria insegurança jurídica e impacto científico e econômico para o Brasil, ao afastar a escolha do país para a condução de ensaios clínicos multicêntricos patrocinados porque atribui à empresa farmacêutica patrocinadora obrigação indeterminada que é do Estado. Reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo seria, portanto, um equívoco técnico, científico e um retrocesso institucional. A Lei 14.874/2024 faz bem para o Brasil.