“Legal Design? Aquilo de fazer contrato em PowerPoint?” – citação real ouvida em uma conversa com outros advogados.
E a resposta é curta: “NÃO”. Legal Design trata da relação que o advogado tem com seu cliente, seja no momento de ouvir suas questões e transmiti-las em um documento; ou numa mediação de conflitos, ao serem apresentados os argumentos das partes; até mesmo no dia a dia da gestão dos escritórios, no acompanhamento processual e gestão dos fluxos.
Em setembro de 2023, em Helsinque, mais uma edição do Legal Design Summit reuniu representantes de pelo menos 50 países em torno dos conceitos e das inovações que o Legal Design tem trazido para o ambiente jurídico. E estavam presentes não apenas advogados, mas também designers, programadores e engenheiros. A visão interdisciplinar foi importante para corroborar com a conclusão de que a atual apresentação de documentos jurídicos é, além de extremamente conservadora, também obsoleta, ineficiente e descoordenada com a acessibilidade e usabilidade. Até mesmo o modo como muitos problemas jurídicos são, hoje, encarados, revela um descompasso com o ritmo e a dinâmica do mundo contemporâneo.
A visão internacional, trazida à tona nesse importante encontro de ideias e de ideais, também demonstrou como o Brasil, em alguns aspectos, mantém-se atrasado. A crítica é simples. Qualquer estagiário, desde seu primeiro dia de trabalho, consegue perceber a ineficiência dos autos de milhares de páginas, do “advoguês” rebuscado e da verdadeira exclusão promovida pelo Direito: muitos operadores buscam manter o conhecimento jurídico hermeticamente fechado, para que apenas os iniciados, ou seja, a casta dos bacharéis, sejam capazes de decifrar.
O evento em Helsinque não ficou limitado à divulgação de maneiras alternativas de formatação de contratos. Diversas foram as apresentações de cases jurídicos complexos resolvidos com técnicas de design thinking, revelando formas de resolução de problemas talvez mais adequadas à realidade dinâmica atual do que as estratégias tradicionais cansativamente utilizadas nas organizações que insistem em manter a “tradição do Corpus Juris Civilis”, calcada em dogmas há tempos erodidos pelos crescentes e incontroláveis riscos globais e pelas relações da modernidade líquida. O mundo contemporâneo traz novos desafios, e estes demandam soluções inovadoras – ou que, pelo menos, consigam se adaptar aos novos ritmos.
Em comum, os casos demonstrados nesses dois dias de palestras possuem o cliente e/ou o usuário do produto ou serviço como foco, em uma busca pela empatia verdadeira, e não apenas a produção mecânica de documentos. Para alcançar esse objetivo, os palestrantes demonstraram técnicas utilizadas. No painel exposto por Dan Riley, fundador da Resol-Vr, houve a demonstração de produção de provas para um acidente automobilístico por meio de realidade virtual, em um ambiente totalmente 3D no qual era possível observar, sob diversas perspectivas – seja da vítima, seja das testemunhas ou do “responsável” – o ambiente e momento do acidente.
Outra importante apresentação, guiada por Ilona Logvinova, da McKinsey & Company, mostrou uma tendência que envolveu diversos setores no último ano: a utilização de inteligência artificial generativa no meio jurídico. Longe do alarmismo de que seria possível substituir o trabalho advocatício humano por tais tecnologias, a IA foi apresentada como uma ferramenta que pode ajudar a transcrever a vontade das partes. Desde a criação de minutas de contratos, até, inclusive, auxílio na correção de peças processuais, como por exemplo, atuando na conferência de citações.
A análise de dados também encontrou espaço nas discussões sobre Legal Design. Quem advoga na atualidade percebe cada vez mais como um banco de dados bem construído é importante para entender melhor a situação de seu cliente, contribuindo desde o acompanhamento processual, até as análises estatísticas sobre decisões judiciais. Não basta, contudo, que esses dados simplesmente se concentrem; precisam ser analisados e seus resultados trazidos de maneira clara e compreensiva por meio de muito trabalho humano (entrevistas de design, sombras organizacionais, mapeamento de serviços, etc.). Um estudo de caso realizado na Austrália, apresentado no painel de Mel Flanagan, fundadora da Nook Studios, trouxe essa questão para o debate e exemplificou como a comunicação, a empatia e a colaboração dos envolvidos constrói impacto e eficiência na análise de dados.
Retomando a frase provocativa que deu abertura a este texto, comumente ouvida pelos corredores de escritórios, empresas, tribunais e universidades: há uma grande confusão no mercado entre Visual Law e Legal Design. Visual Law é uma das ferramentas que o Legal Design oferece. Em termos simples, trata-se da adoção de conteúdo gráfico e informacional para simplificar e formatar elementos de documentos jurídicos; o Legal Design abrange toda a área de estudo, que engloba também o Visual Law, mas que não se limita a ele.
Essa é a principal diferença entre o mercado nacional e o internacional, no que tange ao Legal Design, seu estudo e aplicação. Enquanto no Brasil grande parte do mercado volta as atenções à produção de peças jurídicas com puro agrado estético – os famosos “contratos em PowerPoint” – no âmbito internacional discute-se preocupadamente o modo com que hoje firma-se a relação entre o Direito e seus usuários. A pesquisa é centrada em modos inovadores de acessibilizar a justiça, unindo técnicas de Design, tecnologia e inovação para torná-la mais eficiente para todos aqueles envolvidos em seu sistema. Também, no trabalho de uma das autoras, envolve a aplicação de técnicas de Design para Dispute System Design (desenho de sistemas de resolução de disputas) e de Conflict Management Systems Design (desenho de sistemas de prevenção e gestão de conflitos).
Em se tratando de técnicas de Design, torna-se fundamental que um serviço – e, portanto, uma experiência – antes de tudo seja funcional, isto é, atinja sua finalidade. No que tange aos operadores do Direito, as finalidades de seus serviços são, em suma, atingir o sucesso comunicativo. Em outras palavras, busca-se comunicar ideias, articular teses persuasivas e aplicar de forma eficiente a técnica jurídica.
Apesar da aparente simplicidade desse objetivo, práticas costumeiras e obsoletas e a carência de atenção às reais demandas de clientes (ou dos destinatários dos serviços e documentos) dificultam uma atuação jurídica bem-sucedida em suas finalidades.
Portanto, ao que parece, o Brasil, ou, pelo menos, parte majoritária do mundo jurídico brasileiro, aproveita mal o potencial que o Legal Design promete oferecer àqueles interessados em inovar nas práticas jurídicas. Isso porque o nicho de mercado que se reveste do manto de “Legal Design” no Brasil na verdade diz respeito a apenas uma de suas ferramentas, o referido Visual Law. O Legal Design Summit 2023 foi um colírio para olhos cansados de tantos documentos coloridos em que pouco ou nada se aplicou de Design Thinking, de entrevistas de Design, de sombras organizacionais e/ou de workshops de cocriação e Design Sprints. O Congresso revelou tendências que levam o Legal Design a outro patamar de possibilidades, integrando a área com setores diversos de inovação e ampliando o leque de possíveis soluções para os (cada vez mais) complexos problemas jurídicos atuais e emergentes.
Desta forma, o Legal Design traz a proposta de ser o futuro da inovação no Direito, afirmação ousada, porém que se encaminha nesse sentido mundo afora. Mas, independentemente disso, se o Brasil não ampliar seu entendimento e aplicação – e sua profundidade acadêmica – perderá, seguramente, a chance de acompanhar o cenário global de inovação jurídica. Design no contexto jurídico-regulatório e de compliance não é, afinal, apenas “pintar documento” ou “aplicar maquiagem de quinta categoria”. Design é sobre usabilidade, funcionalidade, acessibilidade, resolução de problemas complexos, cocriação e eficiência.