Legal Design e a cruzada contra o juridiquês

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Quem atua na área jurídica está acostumado com a velocidade em que o Direito muda. Inovações legislativas, alterações de entendimentos promovidas pelos tribunais e novas formulações doutrinárias exigem dos profissionais uma constante atualização.

De uns tempos para cá, um novo conceito passou a fazer parte do mundo jurídico, um conceito que propõe mudar a forma pela qual tanto os profissionais quanto as instituições expressam suas demandas e decisões: o Legal Design.

A promessa do Legal Design é combater o chamado juridiquês, a linguagem utilizada por aqueles que atuam na área do Direito e que, para os leigos – grande parte da sociedade – significa quase uma outra língua, demandando, muitas vezes, a consulta a um dicionário para compreender o que está contido em uma petição, sentença ou acórdão.

Entendendo que, em última análise, um dos objetivos do Direito é pacificar os conflitos intersubjetivos de interesses que ocorrem na sociedade, a compreensão daquilo que é formulado junto ao Poder Judiciário e exarado por parte do Estado-Juiz é fundamental para que esse objetivo seja alcançado e, consequentemente, a sociedade assimile aquele conteúdo.

O Legal Design vai ao encontro disso, simplificando essa relação e tornando mais eficiente a prestação jurisdicional e os serviços jurídicos.

Criado por Margaret Hagan, diretora do The Legal Design Lab da Stanford Law School, nos Estados Unidos, o Legal Design foi definido em seu livro Law by Design[1], de 2017, como a aplicação do design centrado no ser humano ao mundo do direito, para tornar os sistemas e serviços jurídicos mais utilizáveis e satisfatórios.

Trata-se, portanto, de um conceito que faz uso de metodologias e ferramentas baseadas na experiência do usuário (UX) e design visando o desenvolvimento de soluções – produtos jurídicos, serviços e processos – para o setor jurídico.

Importante destacar que o foco do Legal Design é o ser humano, ou seja, as pessoas que farão uso daquelas soluções desenvolvidas para facilitar o dia a dia dos usuários.

Aplicando princípios de design, do design thinking[2] e da tecnologia ao mundo jurídico, o Legal Design, portanto, visa melhorar a forma como as informações legais são apresentadas e compreendidas, além de propor produtos jurídicos que facilitem a utilização pelo usuário.

Ao não se limitar apenas à apresentação visual, o Legal Design se concentra também na experiência do usuário em sua interação com o sistema jurídico, simplificando a linguagem utilizada, desenvolvendo sistemas e interfaces amigáveis, criando gráficos e ilustrações para apresentar de forma clara e concisa informações jurídicas etc.

Esse foco nas necessidades, desejos e limitações dos usuários permite que sejam desenvolvidas metodologias inovadoras, aprimorando processos e melhorando a comunicação e o processo de tomada de decisões.

Aqui cabe uma diferenciação entre Legal Design e Visual Law, uma das subáreas do Legal Design que faz uso de aspectos visuais em documentos jurídicos visando tornar a informação mais clara, simples e compreensível, entregando esses documentos em formatos acessíveis, interativos e empáticos para facilitar a compreensão pelos destinatários.

A aplicação do Visual Law pode ser dar em petições, contratos, pareceres, e-mails, despachos, sentenças e comunicados, que podem incluir imagens, gráficos, infográficos, fluxogramas, divisão em tópicos e textos em linguagem simples e acessível, a chamada plain language.

Dessa forma, o Visual Law é capaz de simplificar a transmissão das informações, tornar mais agradável a leitura de documentos jurídicos e facilitar a compreensão e retenção das informações.

O Visual Law, portanto, foca na utilização de elementos visuais para tornar a informação mais clara, compreensível e acessível, enquanto o Legal Design, conceito mais amplo, faz uso de princípios do design e da tecnologia para criar soluções e produtos jurídicos mais eficientes, intuitivos, de fácil utilização e visualmente mais atraentes e amigáveis aos usuários.

Dentre os aspectos importantes do Legal Design, podemos destacar a acessibilidade, a compreensão aprimorada, a eficiência e agilidade, a inovação, a clareza e transparência e o empoderamento do usuário.

Segundo esclarece Alessandro Oliveri[3], os princípios que orientam o Legal Design são os seguintes: clareza, empatia, feedback, teste com usuários, consistência e design atraente.

Sob essa perspectiva, o Legal Design pode ser aplicado em uma variedade de situações, dentre as quais: elaboração e divulgação de documentos legais, sites e aplicativos jurídicos, educação jurídica, resolução de conflitos, realização de mediação e arbitragem online, acesso a serviços jurídicos, ferramentas de autoatendimento, desenvolvimento de chatbots jurídicos, prestação de assistência jurídica online, serviços de assinatura digital, realização de audiências online e comunicação entre advogados e clientes.

A utilização de inteligência artificial (IA) se apresenta nesse contexto com infinitas possibilidades, podendo ser implementada na pesquisa de jurisprudência, jurimetria, gestão do conhecimento, filtragem de informações e dados, monitoramento de tramitação processual e elaboração de peças jurídicas, agilizando processos e proporcionando eficiência tanto na prestação do serviço advocatício quanto na prestação jurisdicional do Estado.

Apesar de todos os benefícios que o Legal Design oferece ao mundo jurídico, com potencial para transformá-lo ainda mais, existem obstáculos para uma maior utilização de todas as suas possibilidades.

O principal desafio é a resistência cultural, ainda mais em uma área como a jurídica, tão apegada às formas tradicionais, aos cultos cerimonialistas, às comunicações complexas cheias de jargões jurídicos e às apresentações prolixas e muitas vezes incompreensíveis.

O juridiquês, caracterizado pelo uso excessivo de terminologia técnica, expressões latinas, frases lingas e complexas e construções gramaticais que tornam a leitura e a compreensão de documentos jurídicos uma missão difícil e intimidadora, afasta os leigos do Poder Judiciário e prejudica o acesso à informação.

Assim, o Legal Design surge como uma importante solução para tornar o direito claro e compreensível para as pessoas e superar os obstáculos de acesso a esse conhecimento e às informações, eliminando a complexidade desnecessária, facilitando a comunicação entre advogado e cliente, permitindo que as decisões judiciais sejam melhor compreendidas e democratizando o acesso à justiça.

[1] https://lawbydesign.co

[2] Metodologia desenvolvida por David Kelley nos anos 1990 para solucionar problemas complexos de forma criativa.

[3] Legal Design e Visual Law: simplificando o direito com recursos visuais. Disponível em https://pt.venngage.com/blog/legal-design/. Acessado em 22 de novembro de 2023.