Laboratório deve pagar pensão e R$ 300 mil a participante de estudo clínico com sequelas

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Por unanimidade, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou nesta terça-feira (18/2) que o laboratório Ache deve indenizar uma participante de pesquisa clínica que desenvolveu doença rara e incapacitante. Na ação, a mulher relata que notou o aparecimento de manchas pelo corpo dez dias após a segunda rodada de testes com o medicamento Drospirenona + Etinilestradiol, formulação conhecida de anticoncepcional oral disponível sob várias marcas no mercado. O estudo deveria verificar a biodisponibilidade e eficácia de um medicamento similar, a ser comercializado pelo laboratório.

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Segundo a participante, que à época tinha 34 anos, foram solicitados exames clínicos que atestaram sua plena saúde antes da participação na pesquisa, o que era critério de ingresso na pesquisa. Logo após o aparecimento dos sintomas, a mulher procurou os responsáveis pelo estudo e recebeu um atendimento inicial. Depois do início da pesquisa, a mulher teve diagnosticada farmacodermia, eritrodermia e pitiríase rubra pilar. Desde então, alegou que conviveu por dez anos com sintomas intermitentes que incluem inchaço em diversas partes do corpo, alteração da cor e da textura da pele, sensação de urticária e lesões cutâneas em diferentes áreas.

Decisões

As duas partes relataram que foi assinado um acordo extrajudicial garantindo tratamento e ajuda de custo à participante meses depois que o evento adverso foi observado. Entretanto, o laboratório encerrou a ajuda de custo dois anos depois do início dos tratamentos, e a participante acionou a Justiça. Em primeira instância, foi realizada perícia e, a partir dela, o tribunal considerou que não havia comprovação de nexo causal entre a condição da mulher e o medicamento administrado durante o estudo clínico.

A decisão, entretanto, foi reformada em segunda instância, uma vez que os desembargadores consideraram a perícia inconclusiva. Dessa forma, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) determinou que a participante tem direito a R$ 300 mil a título de indenização por danos morais e estéticos e a uma pensão vitalícia mensal de cinco salários mínimos.

Laboratório contesta

No recurso ao STJ, o laboratório afirmou que o TJGO inverteu indevidamente o ônus da prova impondo a constituição de prova negativa, cuja produção é impossível ou excessivamente difícil. Em sustentação oral, a advogada Isabela Braga Pompilio, do TozziniFreire Advogados, que representa o laboratório, argumentou também que outras 36 pessoas participaram do estudo e que para nenhuma delas ocorreu efeito adverso semelhante ao observado no caso analisado.

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O laboratório pediu também, caso saísse vencido, a redução dos valores devidos à participante da pesquisa. A advogada sustentou que a mulher tinha renda menor do que os cinco salários mínimos previstos antes da participação no estudo e que, por isso, a manutenção dos valores poderia incorrer em enriquecimento ilícito vedado pela jurisprudência do próprio STJ.

Ministra cita Anvisa

No voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, manteve integralmente a decisão da segunda instância. Segundo ela, não houve equívoco na análise do tribunal de origem, uma vez que a prova técnica se mostrou frágil para confirmar o nexo causal entre o medicamento e a doença. Para a ministra, a decisão do TJGO se baseou nos demais elementos de prova que confirmam a verossimilhança das alegações da autora.

Além disso, a ministra reforçou o que diz a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 9/2015 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regulamenta os ensaios clínicos com medicamentos no Brasil. “O patrocinador é responsável por todas as despesas relacionadas a procedimentos e exames, especialmente aquelas de diagnóstico, tratamento e internação do participante do ensaio clínico para a resolução de eventos adversos”, frisou a ministra.

O voto também reforçou que a resolução da Anvisa define como evento adverso qualquer ocorrência médica adversa em um paciente ou participante do ensaio clínico a quem um produto farmacêutico foi administrado e que não necessariamente tenha uma relação causal com o tratamento. E, se resultar em incapacidade ou invalidez persistente ou significativa, o evento adverso é considerado grave.

O pesquisador, patrocinador e as instituições também são responsáveis pela assistência integral aos participantes quando há complicações e danos decorrentes da atividade de pesquisa, diz o voto, inclusive com direito expresso à indenização. A ministra também considerou que os valores firmados no acórdão de origem não configuram enriquecimento ilícito uma vez que consideram também os custos médicos com os quais a mulher terá que arcar pelo resto da vida.

Para o advogado da participante, Rogério Rodrigues, a decisão do STJ representa um marco em relação às discussões relacionadas à pesquisa clínica. Ele argumenta que, assim como sua cliente, muitas pessoas são convocadas para esses estudos sem que tenham plena consciência dos próprios direitos em casos de efeitos adversos.

O caso foi julgado no REsp 2145132.