A Medida Provisória 1300 foi sancionada na semana passada, sem vetos. Originalmente, a MP abrangia três pilares centrais da modernização do setor elétrico brasileiro: a abertura de mercado, a ampliação da Tarifa Social de Energia Elétrica e a redistribuição mais equilibrada dos encargos setoriais. Contudo, o texto acabou fatiado durante a tramitação no Congresso Nacional.
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O relator optou por manter apenas as disposições relativas à definição aprimorada do consumidor vulnerável e à ampliação da Tarifa Social, deixando os demais temas para serem discutidos em outras frentes legislativas, como a Medida Provisória 1304, que estabelece um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e limita o repasse de subsídios aos consumidores finais, ou ainda no Projeto de Lei 2987, que trata da abertura gradual do mercado de energia.
A ampliação da Tarifa Social de Energia Elétrica representa um avanço significativo na proteção dos consumidores vulneráveis e, em consonância com as melhores práticas internacionais, configura-se como um instrumento essencial da política social voltada à promoção da justiça tarifária e à mitigação da pobreza energética.
No entanto, é fundamental que a agenda de modernização do setor elétrico brasileiro avance também em outras frentes estruturais, incorporando temas como a abertura de mercado e a redistribuição mais equitativa dos custos e encargos setoriais, de modo a garantir eficiência econômica, transparência e sustentabilidade social de longo prazo.
A abertura de mercado é um elemento central da modernização do setor elétrico em países da OCDE e da União Europeia. No Brasil, porém, os consumidores cativos — residenciais e pequenos comércios e serviços — que representam cerca de 60% do consumo total de energia elétrica, permanecem impossibilitados de escolher seu próprio fornecedor.
Uma reserva de mercado injusta e discriminatória, que necessita ser endereçada. Evidencia uma grande divergência que separa o Brasil das melhores práticas internacionais.
A experiência internacional demonstra que a liberalização dos mercados de energia amplia a concorrência, potencializa menores tarifas, aprimora os sinais de preço e incentiva eficiência econômica, investimentos e inovação em serviços. Ao tornar mais transparentes os subsídios cruzados existentes no setor, tipicamente regressivos, não isonômicos e injustificáveis sob o ponto de vista econômico e social, a abertura de mercado também promove justiça tarifária, ao evitar que consumidores cativos continuem subsidiando, de forma implícita, grupos mais privilegiados, como ocorre atualmente com certos modelos de geração distribuída ou com descontos tarifários não sociais aplicados a fontes incentivadas.
É sempre importante trazer números concretos ao debate. De acordo com o portal Subsidiômetro da ANEEL, em 2024 os subsídios implícitos relacionados à micro e minigeração distribuída (MMGD) e às fontes incentivadas alcançaram, respectivamente, R$ 11,6 bilhões e R$ 13 bilhões — montantes que superam, de forma expressiva, os R$ 6,4 bilhões destinados à Tarifa Social de Energia Elétrica, voltada aos consumidores de baixa renda.
Vale ainda o destaque no qual a liberalização do mercado varejista de energia elétrica está diretamente associada a maior transparência e fortalecimento da governança. A abertura contribui para maior clareza na política pública e melhor governança setorial, em linha com diversas recomendações da OCDE sobre eficiência de subsídios, neutralidade concorrencial e qualidade institucional.
Finalmente, cabe destacar um conjunto de medidas estruturantes que devem anteceder a abertura do mercado varejista de energia elétrica, garantindo efetividade, transparência e sustentabilidade regulatória. Entre as ações prioritárias estão:
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- Alocação isonômica dos custos de sobrecontratação involuntária das distribuidoras entre consumidores do ambiente de contratação livre (ACL) e do ambiente de contratação regulada (ACR) (previsto na MP 1300);
- Separação de atividades (unbundling) entre fio (TUSD) e energia (TE) e adoção de tarifas multipartes (previsto na MP 300);
- Portabilidade célere e migração simplificada ao ACL, com prazos, penalidades e mecanismos de disputa claros (endereçado na CP 007/2025 da Aneel);
- Instituição e regras do Supridor de Última Instância (SUI), com tarifas escalonadas, eligibilidade e transição para mecanismos de mercado (previsto na MP 1300 e na CP 196/2025 do Ministério de Minas e Energia);
- Digitalização, Open Energy, comunicação ao consumidor, ferramentas de comparação de preços e cronograma de implementação de medidores inteligentes (endereçado na CP 007/2025 da Aneel e na CP 198/2025 do MME);
- Racionalização de encargos e subsídios cruzados da CDE seguindo recomendações do CMAP e TCU (previsto parcialmente na MP 1300 e na MP 1304).
Como se observa, grande parte dessas medidas vem sendo tratada e debatida de forma gradual e coordenada, por meio de Consultas Públicas, Medidas Provisórias e Tomadas de Subsídios. Isso evidencia uma convergência crescente entre liberalização, transparência e eficiência tarifária, em alinhamento com as melhores práticas.
A sanção do pilar Tarifa Social da Medida Provisória 1300 representa um passo importante, ainda que não definitivo, no processo de modernização do setor elétrico brasileiro. Ao assegurar maior proteção aos consumidores vulneráveis, o Brasil reafirma seu compromisso com justiça tarifária.
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Entretanto, é indispensável que essa agenda avance para a abertura plena do mercado de energia elétrica, uma realidade a todos os consumidores de alta tensão, e que seja acompanhada por um conjunto de medidas estruturantes como a revisão transparente dos subsídios cruzados setoriais, o fortalecimento da governança setorial e a modernização dos mecanismos de sinalização econômica.
Essa agenda consolida o ACL como vetor de inovação, eficiência e empoderamento do consumidor, enquanto os aprimoramentos institucionais e regulatórios fortalecem a sustentabilidade do sistema elétrico e o alinham às melhores práticas internacionais de eficiência e equidade tarifária. Uma agenda positiva, estratégica e inadiável para o Brasil.