Justiça brasileira deve julgar ação sobre aposta feita em site de Gibraltar, decide STJ

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A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou nesta terça-feira (17/6), por unanimidade, o recurso especial da empresa de apostas Eu Lotto, operadora da plataforma Lottoland, sediada em Gibraltar, e manteve a determinação para que a companhia apresente a uma consumidora brasileira o comprovante da aposta feita no site da ré. O bilhete é peça-chave para que a autora sustente ter ganhado o prêmio de US$ 1,8 milhão na loteria norte-americana Powerball.

“Afastar a cláusula de eleição de foro estrangeiro não significa negar validade à autonomia privada nos contratos internacionais; mas, em relações de consumo por adesão, a tutela da parte vulnerável e o acesso à justiça devem prevalecer”, disse o relator do caso, ministro Antonio Carlos Ferreira.

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O relator argumentou que que o artigo 22, II, do Código de Processo Civil garante a competência da Justiça brasileira em relações de consumo quando o consumidor reside no país, e que o artigo 63 permite declarar abusiva a cláusula de eleição de foro em contratos de adesão, caso dificulte o acesso à justiça. “Tais elementos, residência da autora, hipossuficiência e obstáculo econômico-geográfico, justificam o afastamento da cláusula”, afirmou.

O recurso se limita à questão da cláusula de foro e à competência da Justiça brasileira, não discutindo o mérito da alegação da autora sobre a aposta premiada, lembrou o relator.

A ministra Maria Isabel Gallotti afirmou que a controvérsia “diz respeito a direito processual, foro de eleição, e não à lei substantiva aplicável”, ao acompanhar o relator. Para o ministro Raul Araújo, exigir da consumidora litigar em Gibraltar, onde está localizada a empresa, “configuraria verdadeira denegação de justiça”.

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Para empresas de apostas, que frequentemente são sediadas no exterior, o precedente indica que oferecer serviços a clientes brasileiros implica submeter-se à jurisdição nacional e às regras do Código de Defesa do Consumidor.

O caso tramita sob o Resp 2210341.

Entenda a ação contra a Eu Lotto, com sede em Gibraltar

A disputa começou em outubro de 2020, quando uma apostadora fez, pela plataforma da Eu Lotto, uma aposta de números que ela diz ter coincidido com o resultado divulgado dois dias depois. Sem acesso ao bilhete eletrônico, ela ajuizou ação de exibição de documentos na 2ª Vara Cível de Limoeiro do Norte (CE) para obter o comprovante necessário a uma futura demanda indenizatória.

Em primeiro grau, o juízo cearense declarou nula a cláusula que previa foro exclusivo em Gibraltar e fixou a competência brasileira. Também determinou que a empresa apresentasse o bilhete em cinco dias. 

A Eu Lotto, então, recorreu. Em 7 de março de 2023, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) manteve a decisão. “Além de estarmos diante de contrato de adesão, a aplicação da cláusula de foro em Gibraltar inegavelmente resultaria em inviabilidade de acesso ao Judiciário”, afirma a decisão. Embargos de declaração movidos pela bet também foram negados em julho de 2023, e tentativas de recurso especial e extraordinário não foram admitidas pela vice-presidência do TJCE.

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Assim, a Eu Lotto interpôs agravo para destrancar o recurso especial diretamente no STJ. Na sustentação oral, o advogado Witoldo Henrich Junior, que representou a empresa no processo, afirmou que “todas as transações entre jogadores e a Lotto Land são consideradas concluídas em Gibraltar” e que obrigar a casa de apostas a litigar no Brasil minaria a “previsibilidade jurídica” para investidores estrangeiros.

“O Brasil é um lugar difícil para empresariar”, argumentou. “O empresário estrangeiro espera poder trabalhar com o mínimo de previsibilidade jurídica”, reiterou. “Quando a gente começa a tornar essa previsibilidade cada vez mais elástica, os bons serviços vão nos abandonando como país”, disse.

O ministro Raul Araújo rebateu, afirmando que “compartilhamos que se tenha investimentos estrangeiros no país, mas evidentemente quando se trata de investimentos produtivos, aqueles que geram emprego, renda para o trabalhador — e não aqueles que vêm apenas recolher recursos e transferir esses recursos para o estrangeiro, recursos nacionais, como parece ser o caso aqui, de empresa que apenas colhe recursos em apostas, em jogos, junto à população do país”.