Juiz manda Prefeitura de SP mudar nomes de ruas que homenageiam membros da Ditadura Militar

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O juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, determinou liminarmente nesta quinta-feira (12/12) que o município de São Paulo apresente, no prazo máximo de 60 dias, um cronograma para implementar política pública para a modificação de nomes de ruas e logradouros que fazem conexão com a Ditadura Militar entre 1964-1985.

Para o magistrado, ao se considerar que há mais de dez anos o poder público municipal é omisso quanto ao início de renomeação desses espaços públicos em cumprimento ao direito à memória política que se associa ao regime democrático e à dignidade da pessoa humana, justifica-se a tutela de urgência solicitada.

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Pires elencou 11 exemplos de “casos sensíveis” na capital paulista que exigem o cumprimento da formação de uma consciência crítica sobre a essencialidade da democracia e a defesa intransigente da dignidade da pessoa humana. Dentre os exemplos listados, estão:

Crematório Municipal de Vila Alpina; pois segundo a petição inicial, homenageia diretor do Serviço Funerário do Município de São Paulo que dá nome ao crematório e que, segundo depoimentos colhidos, corpos exumados foram clandestinamente enterrados na vala de Perus no mesmo período de atuação do diretor no Departamento de Cemitérios da cidade;
Centro Desportivo situado na rua Servidão de São Marcos, zona sul da capital, atribuído a general chefe do Centro de Informações do Exército (CIE), de novembro de 1969 a março de 1974, que liderou a Operação Marajoara da qual resultou no extermínio da Guerrilha do Araguaia;
Marginal Tietê – zona norte/centro: afirma-se na petição inicial que o marechal do Exército, e ex-presidente do país de 1964-1967, foi uma das lideranças do golpe de Estado de 1964 que instalou a ditadura militar e criou o Serviço Nacional de Informações (SNI), fundamentou perseguições políticas, torturas e execuções durante o período;
Ponte das Bandeiras – zona norte/centro: em 2017 a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a mudança do nome da Ponte das Bandeiras em homenagem ao ex-senador e ex-diretor do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão da repressão política durante a Ditadura Militar;
Rua Alberi Vieira dos Santos – zona norte: trata-se, conforme se afirma na petição inicial, de ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, colaborador do Centro de Informações do Exército (CIE), com participação no massacre do Parque Nacional do Iguaçu e na armação de emboscadas e chacinas de resistentes, detenções ilegais, execuções, desaparecimento forçado de pessoas e ocultação de cadáveres;
Rua Dr. Mario Santalucia – zona norte: os autores explicam que foi médico legista do Instituto Médico Legal e teve participação em caso de emissão de laudo necroscópico fraudulento;
Praça Augusto Rademaker Grunewald – zona sul: vicepresidente durante a ditadura entre 1969-74, governo Médici, o período mais intenso de repressão, censura e cassação de direitos civis e políticos;
Rua Délio Jardim de Matos – zona sul: integrou o gabinete militar da Presidência da República do governo Castelo Branco e foi um dos principais articuladores do movimento que promoveu o golpe de Estado de 1964;
Avenida General Enio Pimentel da Silveira – zona sul: segundo consta na petição inicial, serviu no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do I Exército de abril de 1972 a junho de 1974. Teve participação comprovada em casos de tortura, execução e desaparecimento forçado;
Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior – zona oeste: afirmam os autores, trata-se de Delegado de Polícia com participação em casos de tortura e ocultação de cadáveres, e
Rua Trinta e Um de Março – zona sul: dia do golpe civilmilitar.

A ação civil pública foi ajuizada pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Defensoria Pública da União (DPU). Nela, afirmam que a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a Lei 15.717/2013, que altera o artigo 5º da Lei 14.454/2007, que dispõe ser possível a alteração de denominação de vias e logradouros públicos no caso de se tratar de denominação referente à autoridade que tenha cometido crime de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos.

Afirmam também que foi editado o Decreto Municipal 57.146/2016, que institui o ‘Programa Ruas de Memória’, e que possui como objetivo a realização de ações visando a mudança progressiva das denominações de logradouros e equipamentos públicos municipais titulados em homenagem a pessoas, datas ou fatos associados a graves violações aos direitos humanos.

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Entretanto, ponderam que passados mais de dez anos da alteração da lei e mais de cinco anos da edição do Decreto, a cidade de São Paulo permanece repleta de vias, logradouros e equipamentos cujos nomes guardam estrita conexão com a ditadura empresarial-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Como referência, o Instituto Vladimir Herzog e a DPU mencionam o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que recomenda a alteração de nomes de ruas, equipamentos, edifícios e instituições públicas que glorifiquem responsáveis por violações graves aos direitos humanos.

Além disso, ressaltam que o antigo programa da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, com os esforços da Comissão da Verdade, mapeou 38 logradouros que homenageiam pessoas vinculadas à ditadura militar, das quais 22 possuem envolvimento direto com a repressão. Afirmaram, ainda, que foram identificados 17 equipamentos municipais, incluindo 12 escolas e 5 ginásios que também perpetuam tais homenagens.

‘Direito à memória política’

Ao julgar o pedido, juiz Luis Manuel Fonseca Pires destacou que é preciso reconhecer que há ampla e sólida fundamentação jurídica a impor o reconhecimento do direito à memória política associado à democracia e ao Estado de Direito. “O preâmbulo da Constituição Federal de 1988 afirma ser o Brasil um Estado Democrático, e o art. 1º a inaugurar o texto assegura que um dos seus fundamentos é a dignidade da pessoa humana”, disse o magistrado.

Também afirma que as normas municipais mencionadas anteriormente dão continuidade à vinculação do direito à memória com a dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de Direito, e exigir o seu cumprimento efetivo significa apenas o cumprimento do princípio da legalidade.

Contudo, o magistrado observou que, apesar da ampla estrutura jurídica que lhe dá legitimidade, o direito à memória política de fato apresenta pouca ressonância nas políticas públicas. “Vale lembrar, para exemplificar, a notória pesquisa nacional realizada em 2019 na qual cerca de 90% dos cidadãos brasileiros afirmaram desconhecer o que foi o ‘Ato Institucional 5 (AI-5)’, símbolo maior da ditadura que dominou o país por 21 anos, de 1964 a 1985”, ressaltou Pires.

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Desse modo, ponderou que o direito à memória política assegura a conscientização da sociedade dos momentos que o poder lhe foi subtraído, as vezes e os meios pelos quais a opressão ascendeu. “Daí a importância de entender que há um direito à memória política a ser respeitado e promovido pelo Estado que deve fomentar políticas públicas para a formação de uma consciência crítica sobre a essencialidade da democracia e a defesa intransigente da dignidade da pessoa humana”, concluiu o juiz.

A ação civil pública tramita com o número 1097680-66.2024.8.26.0053 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).