ITBI na integralização de imóvel ao capital social: temas controversos

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Dentre as possíveis discussões envolvendo a incidência do ITBI na integralização de imóvel ao capital social, uma nos parece merecer maiores reflexões: ao valor integralmente revertido nas cotas subscritas, deve ser reconhecida a imunidade incondicionada prevista no art. 156, § 2º, I, primeira parte, da Constituição?

Ao analisar o RE 796.376/SC, Tema nº 796 da Repercussão Geral, o STF fixou a seguinte tese: “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Ou seja, a Corte efetivamente se debruçou sobre a extensão da imunidade de ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, no caso em que se integraliza imóvel ao capital social, dividindo-se seu valor entre subscrição de cotas e formação de reserva de capital. Em síntese:

Contudo, o alicerce do racional que levou à fixação dessa tese nos parece necessariamente implicar outra conclusão: a imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, primeira parte, da Constituição é incondicionada. Veja-se:

“Essa distinção é importante, porque tem levado certa parte da doutrina e da jurisprudência a defender a não incidência do ITBI sobre o valor dos bens incorporados que for excedente ao do capital subscrito. Argumentam os defensores desta posição que qualquer incorporação de bens à pessoa jurídica é imune, pois as únicas exceções são aquelas expressamente definidas no final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88. Com essa alegação, propugnam que o intérprete não pode inovar criando outras hipóteses excepcionais.

A esse respeito, o já mencionado professor HARADA esclarece que as ressalvas previstas na segunda parte do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 aplicam-se unicamente à hipótese de incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I. […]

Em todas essas hipóteses, há incorporação do patrimônio imobiliário de uma sociedade para outra, mas sem qualquer relação com a incorporação (integração) referida na primeira parte do citado inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF, que alude à transferência de bens para integralização do capital.

Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I- […] – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão “nesses casos” não alcança o “outro caso” referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art.156 da CF.

A premissa é tão relevante que o Min. Alexandre de Moraes fez questão de reiterá-la adiante em seu voto condutor:

“Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito”.

Ou seja, o STF entendeu que as ressalvas previstas ao final do art. 156, § 2º, I, da CF aplicam-se apenas à sua segunda parte[1]. Por outro lado, a imunidade prevista na primeira parte do art. 156, § 2º, I, da CF[2], é incondicional.

Foi por isso que a Corte fixou a tese de que apenas estão abarcados por essa imunidade os valores dos bens dentro do limite do capital social a ser integralizado. Fossem as ressalvas quanto à atividade preponderante aplicáveis à transmissão de bens imóveis ou direitos incorporados, prevaleceria a imunidade integral dos valores.

Essa interpretação foi recentemente endossada pelo Conselho Especial do TJDFT ao julgar o Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível nº 0705115-03.2021.8.07.0018.

Contudo, a correta interpretação da extensão do Tema nº 796 da Repercussão Geral é controversa entre os Tribunais de Justiça. Prova disso é que o TJSP vem adotando conclusão oposta à do TJDFT (p. ex., AC nº 1001081-51.2023.8.26.0457).

Apesar dessa clara divergência interpretativa, identificamos que os Ministros do STF têm se furtado a analisar o mérito sob a premissa de que haveria ofensa reflexa à Constituição decorrente da necessidade de reanálise de fatos/provas[3].

Parece-nos que esse entendimento adota premissa que merece maior reflexão: não há necessidade de revolver fatos e provas pois, se a isenção é incondicionada, irrelevante a atividade preponderante.

Ou seja, a questão colocada acima está justamente na esfera constitucional:

Além disso, no atual sistema de valorização de precedentes, retratado no art. 927 do CPC, parece salutar que a Suprema Corte assegure a aplicação do racional firmado em precedentes vinculantes, não apenas da tese neles fixada.

Especialmente no contexto em que há demonstrada divergência entre os Tribunais de Justiça na interpretação da extensão do Leading case: inexistindo pacificação da matéria pelo STF, o critério de discriminem para incidência do ITBI nas operações passa a ser a localização geográfica do contribuinte, que determina a competência do órgão julgador.

A nosso ver, ao criar o sistema de uniformização de precedentes centralizado nos Tribunais Superiores, o CPC buscou justamente extinguir essa discricionariedade advinda de divergências entre os tribunais locais, que leva à inexistência de isonomia entre os contribuintes.

Assim, reputamos relevante que a Suprema Corte reconheça ter o obter dictum a mesma relevância jurídica dos demais trechos do acórdão proferido em sede de repercussão geral, pois o efeito vinculante “abrange também as considerações marginais”, sob pena de reduzir “significativamente a contribuição do Tribunal para a preservação e o desenvolvimento da ordem constitucional[4].

Com isso, deve-se aprofundar a análise acerca da imunidade prevista na primeira parte do art. 156, § 2º, I, da Constituição, até para se pacificar a discussão em âmbito nacional, reconhecendo-se sua natureza incondicionada e objetiva que, por consequência, não comporta exceções.

Enquanto essa discussão permanece aberta, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu importante passo com a fixação de novos critérios vinculantes para determinação da base de cálculo nessas operações (Tema nº 1.113):

a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

Ou seja, sendo hipótese de incidência do ITBI, sua base de cálculo é o valor da transação declarado pelo contribuinte que, no caso em análise, corresponde ao valor utilizado para integralização do capital social.

Ainda mais relevante, o STJ determinou que esse valor goza de presunção de veracidade, que só pode ser afastada pelo fisco mediante regular instauração de processo administrativo próprio, com possibilidade de ampla defesa pelo contribuinte.

Assim, ainda que nos pareça salutar uma revisão de posição pelo STF acerca da natureza da imunidade constitucional nessas operações, há sinalização positiva do STJ restringindo o arbítrio do fisco na fixação da base de cálculo para eventual incidência do ITBI.

[1]incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica

[2]transmissão de bens imóveis ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital

[3] Exemplificativamente, foi o que ocorreu no RE nº 1.353.731, no ARE nº 1.341.352, no ARE nº 1.359.917, no ARE nº 1.393.762, no ARE nº 1.430.272, no ARE nº 1.395.947 AgR e no ARE nº 1.414.065 AgR.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.