Interposição fraudulenta nas importações

  • Categoria do post:JOTA

Na coluna de hoje vamos abordar de forma sucinta a interposição fraudulenta de terceiros em operações de importação de bens, a pena de perdimento aplicável, ou sua conversão em multa correspondente a 100% do valor aduaneiro do bem importado, nas hipóteses de revenda, não localização, ou consumo, além da multa de 10% sobre o valor da operação, destinada a quem ceda o nome para a importação.

A interposição fraudulenta, como vem tipificada na Lei 10.637/2002, tem como objetivo assegurar a regularidade e lisura do controle aduaneiro no comércio exterior. A norma visa garantir a correta identificação dos envolvidos nas operações de importação e exportação.

Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Tal elemento de identificação é indispensável para a efetividade da legislação tributária, pois a ocultação do verdadeiro adquirente da mercadoria importada compromete não apenas a arrecadação tributária, mas também os efeitos extrafiscais da tributação aduaneira, ensejando danos concretos ao erário.

A fraude com terceiros pode ser identificada a partir de um conjunto de indícios, ainda que a norma não apresente um rol taxativo, com a constatação da infração podendo ser inferida pela análise objetiva da estrutura e das circunstâncias envolvidas na operação de importação.

Entre os elementos caracterizadores frequentemente considerados pela autoridade aduaneira, destacam-se: a) inexistência de estrutura física mínima da empresa; b) inexistência de movimentação financeira compatível com o porte das operações, especialmente quando os recursos aplicados provêm de terceiros sem a devida formalização contratual; c) desconhecimento, pela empresa ostensiva, das operações sob seu nome; d) ausência de contrato válido e registrado nos termos exigidos pela IN RFB 1.861/18, nos casos de operações por conta e ordem ou por encomenda; entre outros.

A importação direta ocorre quando uma empresa realiza a operação de importação em nome próprio, para uso e consumo, ou venda no mercado interno, sempre que não haja destinatário predeterminado. Nesse regime, todos os custos recaem sobre o importador, havendo presunção de operação por conta e ordem de terceiros quando os recursos não forem próprios do adquirente (art. 27 da Lei 10.637/02).

Já nas importações por encomenda ou a conta e ordem de terceiros, uma empresa age como mandatária do real adquirente importador, exigindo registro de ambos junto à Aduana, bem como da respectiva contratação. A capacidade econômico-financeira para a operação de importação deve ser aferida no real adquirente, arcando esse com todos os custos, de forma que a prestadora do serviço de importação (trading company) cobrará pelos seus serviços, apenas.

Aliado ao exposto, nas importações por encomenda, o encomendante é previamente conhecido e determinado, sendo aquele a quem as mercadorias serão destinadas.

Nas hipóteses acima, sempre será do real adquirente o ônus de provar a condição econômica, recaindo sobre o mesmo os custos da operação, com câmbio fechado em nome do mesmo.

O dano ao Erário, caso não houvesse controle aduaneiro, poderia derivar na redução ilegal de tributos incidentes sobre as operações de importação, bem como sobre os demais tributos devidos pelas empresas. Operações com partes relacionadas são um bom exemplo da necessidade de controle em relação às partes envolvidas em determinada operação de importação, evitando-se eventual manipulação de valores via redução indevida de base de cálculo, ou até mesmo superfaturamento.

A tipificação da conduta contida na interposição fraudulenta implica na quebra do comando legal contido no artigo 23, inciso V, parágrafos 1º e 3° do Decreto-Lei 1.455/76.[1]

O tipo infracional exige a constatação da ocorrência de “ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação”, ao ponto em que demanda que essa ocultação tenha ocorrido mediante o emprego de “fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros”.

Logo, o tipo exige ao menos duas partes que agem em conluio, com intenção de causar dano ao Erário: importador ostensivo e oculto. Ambos devem interagir de forma a simular o adquirente real da operação, de modo que o conluio mediante negócio simulado em relação à pessoa contratante e o negócio pretendido (com o real adquirente) devem causar prejuízo ao Erário, com aplicação da pena de perdimento de bens.

Por outro lado, caso o bem importado não seja localizado, ou tiver sido consumido, ou revendido, o perdimento será revertido em multa equivalente a 100% do valor aduaneiro da mercadoria importada.

Enquanto o real adquirente será punido com a pena de perdimento, ou sua conversão em multa, o importador que emprestou o seu nome para a operação será multado no importe de 10% do valor aduaneiro da operação, nos termos do artigo 33 e seu parágrafo único, da Lei 11.488/07.[2]

Dada a estrita legalidade e tipicidade da multa, havendo a aplicação da pena de perdimento, ou sua conversão em multa substitutiva, o importador ostensivo ficará sujeito apenas à multa que lhe é específica, contida nesse artigo 33.

Não ocorre, no caso, nem identidade de sujeito passivo, nem tampouco duplicidade de multa a um mesmo fato. Uma se aplica dada a interposição fraudulenta, cominada em desfavor do real adquirente, e outra pesa sobre o importador que cedeu o nome para a operação, essa limitada aos 10% da operação.

Assim, a aplicação de responsabilidade conjunta do real adquirente e importador que empresta o nome não pode ter como fundamento legal o artigo 95 do Decreto-Lei 37/66, dada a existência de penalidade específica ao importador dito ostensivo. Referida norma se destina, apenas, aos casos em que a responsabilidade do agente não tenha dispositivo específico diante do princípio da especialidade da sanção. Esse princípio possui a lógica de que o legislador, ao criar uma norma especial, pretendeu disciplinar de forma diferenciada e mais precisa certas condutas ou situações, afastando o tratamento geral.

Nessa longarina, a interposição fraudulenta nas importações é um modus operandi que afronta as normas aduaneiras e até mesmo tributárias. A pena de perdimento aplicável, conversível para a multa de 100% sobre o valor aduaneiro, destina-se exclusivamente ao proprietário e real adquirente do bem, sendo o importador que cede o nome submetido à pena de 10% sobre o valor aduaneiro da operação, apenas e sem corresponsabilidade sobre eventual conversão do perdimento em multa.


[1] Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: […]

V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002) […]

[2] Art. 33.  A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas no acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Parágrafo único.  À hipótese prevista no caput deste artigo não se aplica o disposto no art. 81 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.