Instituições que sustentam mercados: lições aos contratos de integração no agronegócio

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As instituições importam? No agronegócio brasileiro, a resposta está na forma como regras, contratos e incentivos estabelecem a organização produtiva e a coordenação econômica.

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A economia tradicional costumava tratar os mercados como espaços perfeitos, onde os agentes decidem com informação completa e os contratos são plenamente executáveis. No entanto, a realidade é feita de incertezas, racionalidade limitada e custos para negociar, fiscalizar e fazer cumprir acordos. É nesse ponto que a Nova Economia Institucional, corrente teórica que inspira o trabalho de Décio Zylbersztajn no âmbito do Centro de Estudos em Direito, Economia e Organizações da FEA/USP, se torna indispensável para compreender o funcionamento do agronegócio, do direito e da regulação econômica.

O professor Zylbersztajn, em Governança e Coordenação de Sistemas Agroindustriais, aplica ao campo a revolução teórica iniciada por Ronald Coase, Douglass North e Oliver Williamson. O ponto de partida dessa abordagem é muito simples, mas as conclusões são poderosas. As instituições, entendidas como regras formais e informais que organizam as interações, explicam boa parte das diferenças de desempenho entre países, setores e empresas. Quando as instituições são sólidas, os custos de transação diminuem, a cooperação floresce e o investimento de longo prazo se torna viável.

O autor em comento destaca três dimensões que moldam esses custos: incerteza, frequência e especificidade dos ativos. Quanto maior a incerteza e a dependência entre as partes, mais arriscado se torna confiar apenas no mercado; e quanto mais recorrente a transação, mais racional é criar mecanismos estáveis de coordenação. Assim surgem as distintas formas de governança, que vão do mercado puro aos contratos de longo prazo e à integração vertical. Cada arranjo representa uma resposta a um ambiente institucional específico.

No agronegócio brasileiro, essas escolhas são particularmente visíveis. A dependência de fatores naturais, a perecibilidade dos produtos e a presença de múltiplos agentes tornam essencial desenhar instituições que reduzam conflitos e assimetrias de informação. Por isso, cooperativas, parcerias e contratos de fornecimento têm papel tão relevante quanto as empresas integradas. Todos são arranjos institucionais destinados a reduzir o risco de oportunismo e garantir previsibilidade.

Nos capítulos seguintes, o professor Zylbersztajn aprofunda dois eixos que dialogam diretamente com o Direito Econômico. O primeiro é o papel dos contratos e dos direitos de propriedade como instrumentos de coordenação. Um contrato não é apenas um texto jurídico, mas uma estrutura de incentivos e salvaguardas que distribui riscos e responsabilidades entre as partes. Já os direitos de propriedade, quando mal definidos ou instáveis, aumentam a incerteza nos negócios e afastam investimentos.

O segundo eixo é a integração vertical, tratada não como concentração econômica, mas como resposta racional a um ambiente de custos de transação elevados. Quando o mercado é instável, os preços oscilam ou há risco de quebra de contratos, as empresas podem optar por internalizar etapas produtivas para reduzir riscos e garantir o fluxo de suprimentos. Portanto, a integração vertical constitui um arranjo produtivo eficiente para proteger ativos específicos, assegurando a continuidade das relações econômicas produtivas em contextos de incerteza institucional.

Em cadeias agroindustriais complexas, como a avícola, a suinícola ou a de biocombustíveis, essa integração gera ganhos de eficiência, coordenação logística e qualidade padronizada. Ao contrário da imagem de monopólio, trata-se de uma resposta organizacional eficiente porque ao unir elos do sistema produtivo que antes estavam dispersos, a empresa integradora firma internaliza custos contratuais, reduz disputas e melhora o planejamento de longo prazo.

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O professor Zylbersztajn, segundo nosso entendimento, mostra que a decisão entre usar o mercado ou integrar depende menos de vontade empresarial e mais da estrutura institucional vigente. Onde o sistema jurídico é estável, os contratos são exequíveis e as normas são previsíveis, o mercado tende a prevalecer. Já em ambientes de alta incerteza (como é próprio do agronegócio), seja pela instabilidade regulatória, seja pela fragilidade da aplicação do direito, a integração vertical surge como substituto funcional das instituições ausentes. Nesse sentido, esse tipo de arranjo é um mecanismo eficiente de governança, não uma falha de mercado.

Essas reflexões ajudam a repensar o debate contemporâneo sobre regulação e concorrência. Muitas vezes, a integração é vista apenas como ameaça ao livre mercado ou abuso de poder econômico. A perspectiva institucional proposta pelo professor Décio Zylbersztajn convida a olhar além da estrutura e avaliar os incentivos e custos de coordenação que motivam tais arranjos. Em um país onde a insegurança jurídica e a volatilidade regulatória ainda impõem altos custos de transação, compreender a integração como uma resposta eficiente às imperfeições institucionais é um passo fundamental para formular políticas que conciliem liberdade econômica e desenvolvimento socioeconômico.

Nesse sentido, o estudo feito pelo segundo signatário desse artigo sobre a integração avícola promovida pela BRF S.A. no centro-oeste do país é esclarecedor. As evidências econômicas reunidas no estudo sobre a judicialização dos contratos de integração da BRF no Centro-Oeste brasileiro apontam para um setor em contínua expansão, com desempenho consistente ao longo das últimas duas décadas. A análise empírica, construída a partir de dados oficiais do IBGE (Rais, Caged, PNAD e Censos Agropecuários) e de informações anonimizadas fornecidas pela própria empresa, revela que a avicultura regional apresenta crescimento contínuo em produção, emprego e renda. Desde a fusão entre Sadia e Perdigão, em 2011, e a promulgação da Lei nº 13.288/2016 (Lei da Integração), observa-se um fortalecimento institucional e econômico do sistema de integração, que se consolidou como modelo eficiente de coordenação contratual e produtiva. Municípios com unidades da BRF, como Rio Verde, Jataí e Dourados, destacam-se pela expansão de estabelecimentos regulares, aumento da massa salarial real e melhoria do rendimento médio dos trabalhadores, evidenciando efeitos positivos de transbordamento econômico local.

O perfil dos produtores integrados reforça esse diagnóstico de eficiência e maturidade do sistema. A grande maioria é formada por produtores de médio porte, com dois a seis aviários de aproximadamente de 2.400 m² cada, o que demonstra que o integrado típico não é um pequeno agricultor de subsistência, mas um empresário rural que realiza investimentos significativos e assume riscos inerentes à atividade. O faturamento médio anual dos integrados atinge patamares expressivos, inclusive entre os menores, o que contraria a tese de vulnerabilidade econômica apresentada em algumas ações judiciais. Os resultados econométricos indicam ainda a existência de ganhos de escala: à medida que a área utilizada aumenta, o faturamento cresce de forma quase proporcional, evidenciando que a estrutura contratual favorece a produtividade e a eficiência técnica, e não a dependência econômica.

Outra evidência importante é o comportamento positivo e ininterrupto do faturamento real médio desde 2011, ano da fusão que deu origem à BRF. Mesmo quando deflacionado pelo IPCA, o crescimento permanece robusto e estável, o que demonstra que a remuneração dos integrados acompanhou a evolução do setor, independentemente das oscilações inflacionárias. Essa constatação não sustenta a narrativa de desequilíbrio contratual e evidencia que a tentativa de indexar os contratos a índices voláteis como o IGP-M representaria, na prática, a transferência de riscos normais da atividade para a empresa integradora e, em última instância, para os consumidores finais.

Ademais, os dados mostram elevada estabilidade no tempo de relacionamento contratual e alto grau de satisfação dos produtores. O estudo mostra que mais de 90% consideram a integração com a BRF um bom negócio, sentem orgulho de participar do sistema e manifestam intenção de permanecer nele. Essa consistência empírica reforça que o modelo gera benefícios mútuos e previsibilidade nas relações.

A análise dos impactos distributivos amplia a compreensão dos efeitos de eventuais intervenções judiciais. O frango é um alimento essencial à segurança alimentar brasileira e representa parcela significativa da despesa das famílias de baixa renda. A imposição judicial de reajustes automáticos, especialmente com base no IGP-M, pressionaria os custos de produção, elevaria os preços ao consumidor e produziria efeitos regressivos, penalizando desproporcionalmente as famílias mais pobres do país.

As evidências empíricas indicam que o sistema de integração da BRF não apenas é eficiente e estável, mas também socialmente benéfico, ao garantir preços acessíveis, geração de emprego e renda e incentivos corretos à produtividade. Qualquer alteração judicial que distorça esses incentivos acarretaria perdas de bem-estar social e redução da competitividade de toda a cadeia produtiva avícola brasileira.

Por fim, voltamos à questão norteadora deste artigo: As instituições importam? Sim, porque definem os custos de transação, os incentivos à cooperação e a própria viabilidade dos arranjos produtivos.