Inovações na modelagem de concessões no saneamento

  • Categoria do post:JOTA

No artigo anterior, abordamos algumas inovações introduzidas no modelo do futuro contrato de concessão da Sabesp a respeito da regulação por menus. Neste texto, abordaremos um tema igualmente importante e que também entrou em cena no modelo proposto para a privatização: a regulação tarifária.

No dia 15 de fevereiro deste ano, o Governo de São Paulo anunciou a abertura de consulta pública para discutir a minuta do contrato de concessão da Sabesp, que entrará em vigor com o processo de desestatização da companhia. O modelo apresentado introduz inovações no âmbito das concessões no setor de saneamento, em especial no que tange ao modelo regulatório, podendo contribuir para o desenvolvimento de projetos futuros no setor.

De início, cumpre esclarecer que a desestatização da Sabesp deverá ocorrer mediante o modelo de follow-on, com a oferta pública de ações para alienação do controle acionário. Assim, o estado continuará com parte de sua participação acionária e deverá aportar o montante mínimo correspondente a 30% do valor líquido obtido com a privatização no Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (FAUSP), cujos recursos serão destinados a ações no setor de saneamento básico, principalmente voltadas à modicidade das tarifas.

Quanto ao modelo regulatório, um ponto de destaque da minuta do contrato de concessão é a previsão de reajuste tarifário e revisão tarifária periódica com abordagem backward looking, isto é, com incorporação do valor dos investimentos na tarifa após a sua realização. Nesse sentido, no processo de definição das tarifas para o ciclo tarifário subsequente, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) deverá considerar os valores necessários para remunerar os custos da concessionária e os investimentos realizados calculados com base no período referencial de 12 meses, considerando janeiro a dezembro do ano anterior à revisão tarifária periódica. Trata-se, portanto, de uma consideração dos custos e investimentos ex post, o que gera incentivos para que a Sabesp realize os tão almejados investimentos necessários à universalização.

Parte igualmente relevante do modelo é a previsão de uma sofisticada estrutura remuneratória com duas principais componentes: (i) as tarifas de equilíbrio, que correspondem ao valor da remuneração necessária para garantir a receita requerida – isto é, a receita calculada ex post como devida à Sabesp pela realização dos investimentos e prestação dos serviços em determinado ciclo; e (ii) as tarifas de aplicação, que são aquelas cobradas efetivamente dos usuários.

Na prática, o valor de cada uma das duas componentes poderá divergir caso haja uma diferença entre o faturamento efetivo com as tarifas de aplicação e o que deveria ter sido arrecadado, considerando a necessidade de remuneração do capital empregado, manifestada pelas tarifas de equilíbrio. Tais diferenças deverão ser apuradas pela Sabesp e apresentadas em conta gráfica para verificação, fiscalização e homologação da Arsesp.

O saldo eventualmente existente na conta gráfica será capitalizado pelo Custo Médio Ponderado de Capital (WACC) e, quando positivo, será utilizado para assegurar a remuneração devida à Sabesp quando a tarifa de aplicação for menor que a tarifa de equilíbrio. Subsidiariamente, caso os recursos da conta gráfica não cubram a diferença entre as componentes tarifárias, os recursos do FAUSP poderão ser utilizados para complementar as tarifas cobradas diretamente dos usuários.

Destaca-se, ainda na estrutura tarifária, que a minuta do contrato de concessão prevê o auferimento de receitas complementares e adicionais pela Sabesp. Parcelas das duas últimas deverão ser revertidas à modicidade tarifária, conforme regras que variam de acordo com o ciclo tarifário vigente e a natureza da receita auferida. O compartilhamento dessas receitas, em particular das adicionais, deve ser tal que não retire o incentivo para que a Sabesp desenvolva novos negócios acessórios aos serviços públicos de saneamento básico.

Se, por um lado, há incentivos positivos para que a Sabesp cumpra suas obrigações e realize seus investimentos como visto anteriormente, a modelagem prevê, por outro lado, mecanismos de desincentivo ao descumprimento das obrigações contratuais – mais especificamente os indicadores de qualidade e metas de cobertura e perdas.

Como em outros contratos, inclusive de outros setores, em caso de descumprimento das metas contratuais, há a possibilidade de redução das tarifas de aplicação no processo de reajuste anual, por meio da aplicação do Fator U, caso os indicadores de cobertura fiquem abaixo das metas de universalização, e do Fator Q, caso os índices de qualidade fiquem abaixo das metas estabelecidas contratualmente.

Em relação especificamente às metas de cobertura, destaca-se que seu cumprimento será avaliado de forma escalonada: (i) nos dois primeiros anos do contrato, as metas de cobertura serão avaliadas por recorte territorial da URAE-1 (urbano formal e informal conjuntamente com o rural); (ii) para 2027, por município sem recorte territorial; e (iii) a partir de 2028, por recorte territorial (urbano formal, informal e rural) de cada município.

Por fim, ressalta-se que, após a realização da Consulta Pública, encerrada em 15 de março, foi estabelecido que, apesar da previsão contratual de investimentos obrigatórios, a Sabesp deve priorizar o atendimento da meta de cobertura em cada município, incluindo as áreas rurais e urbanas informais. Também constitui ponto de destaque incluído após o procedimento participativo a previsão de apresentação pela Sabesp, em até 180 dias após a conclusão da privatização, de plano de contingência para eventos climáticos extremos, o qual deve conter tanto medidas e protocolos preventivos como corretivos.

Observa-se que o modelo regulatório e tarifário proposto para a desestatização da Sabesp introduz uma série de novidades quanto à estrutura regulatória e tarifária no setor de saneamento. Sua implementação prática deverá ser acompanhada com atenção, podendo pautar a modelagem de novas concessões no setor.