Ingressos comprados online: quais taxas podem ser cobradas do consumidor?

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A venda de ingressos online cresceu exponencialmente nas últimas duas décadas. Em 2000, apenas 5% dos ingressos para shows e eventos eram vendidos online. Em 2023, esse número já era de 80%, movimentando cerca de R$ 10 bilhões naquele ano. A mudança no comportamento dos consumidores e a conveniência proporcionada pela internet impulsionaram esse crescimento.

Para arcar com custos operacionais e maximizar as receitas, as empresas de intermediação de venda de ingressos passaram a cobrar diversas taxas (tais como taxa de conveniência, taxa de entrega, taxa de retirada etc.) relacionadas à compra de ingressos pela internet. Atualmente, essas taxas são uma importante fonte de receita para as empresas de intermediação, podendo, em alguns casos, representar até 50% do lucro obtido.

Considerando que as taxas de conveniência e outras taxas podem aumentar o preço final do ingresso em até 30%, o aumento das vendas online trouxe à tona a questão da legalidade de cobrança dessas taxas. Se, por um lado, as empresas argumentam que as taxas são necessárias para cobrir custos operacionais, tais como a manutenção do site e da plataforma de intermediação de venda de ingressos, processamento de pagamentos e atendimento aos clientes, bem como melhorar a experiência do consumidor; os consumidores e entidades de proteção do consumidor, por outro lado, defendem que as cobranças de tais taxas são muitas vezes abusivas e desproporcionais.

No Brasil, a falta de legislação e regulamentação clara sobre a legalidade dessas cobranças resultou em disputas legais e questionamentos envolvendo diversos players do mercado e diferentes autoridades de defesa e proteção do consumidor. Um dos casos de maior repercussão envolveu a aplicação de multa no valor de R$ 1,5 milhão pelo Procon-SP contra uma das maiores plataformas de venda de ingresso em 2017, por entender abusiva a cobrança de taxa de conveniência, em descumprimento ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/2990).

É nesse cenário que se insere a recente decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que julgou a legalidade da cobrança de taxa de conveniência por empresa de intermediação de venda de ingressos. Em particular, a controvérsia consistia em verificar se havia abusividade na cobrança de tal taxa, bem como de demais taxas comumente cobradas do consumidor (tais como taxa de entrega e taxa de retirada), na compra e venda de ingressos para shows e eventos.

O caso recente julgado pelo STJ teve origem no Rio de Janeiro, quando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) ajuizou ação civil pública contra empresa de intermediação de venda de ingressos alegando que os custos da taxa de conveniência eram omitidos dos consumidores e a empresa ofertava ingressos para os eventos e shows que promove, em pontos de venda físicos ou a distância (por meios eletrônicos), e exigia o pagamento de valor adicional agregado aos ingressos, ainda que tais ingressos tivessem sido adquiridos em pontos de venda físicos. O pleito do MPRJ não prosperou nas instâncias inferiores e o caso veio a ser julgado pelo STJ, em sede de recurso especial.

No mérito, a 4ª Turma do STJ iniciou a sua análise com a distinção entre as diferentes taxas que podem ser cobradas do consumidor no momento de compra de um ingresso:

A taxa de conveniência: é aquela cobrada pela simples aquisição de ingresso por meio de empresa de intermediação promotora do evento e diz respeito aos custos de intermediação da venda de tais ingressos;
A taxa de retirada (também denominada de “will call”): é aquela cobrada quando o próprio consumidor compra o ingresso pela internet ou por telefone, mas, ao invés de imprimi-lo em casa, o emite em bilheteria específica colocada à sua disposição; e
A taxa de entrega é aquela cobrada quando a consumidor opta por receber seu ingresso em domicílio, pelos correios ou por outro serviço de entrega (courier).

Quanto à cobrança da taxa de conveniência, a 4ª Turma do STJ citou precedente anterior da 3ª Turma do STJ no sentido de que não há óbice que os custos da intermediação de venda de ingressos sejam transferidos ao consumidor, desde que haja informação prévia acerca do preço total de compra do ingresso, com destaque do valor da taxa. Assim, tratando-se de valor explícito no momento da compra do ingresso, devidamente informado ao consumidor, o STJ entendeu que a cobrança da taxa de intermediação por parte da empresa de intermediação não configura prática abusiva e, portanto, encontra respaldo no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O Superior Tribunal de Justiça ponderou, quanto à cobrança das taxas de entrega e de retirada, que estas se referem a um serviço independente prestado ao consumidor, nos casos em que o consumidor não deseja ou não pode imprimir o ingresso por conta própria. O STJ entendeu que a taxa de entrega gera um custo para a empresa responsável pela venda dos bilhetes, pois implica na contratação de serviço de entrega (via Correios ou courier) e, no mesmo sentido, a retirada pelo consumidor de ingressos em posto físico (will call) também acarreta um custo para a empresa, porque, para colocar o ingresso à disposição do consumidor em bilheteria, a empresa deve arcar com custos de contratação de pessoal, espaço físico e impressoras.

Ao informar adequadamente a respeito da cobrança das taxas e dar ao consumidor a opção, a seu exclusivo critério, de contratar os serviços adicionais (entrega e/ou retirada), ao invés de imprimir seu ingresso por conta própria, o STJ concluiu que a empresa não incorre em prática abusiva, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

A decisão da 4ª Turma do STJ sobre a legalidade da cobrança de taxa de conveniência e outras taxas associadas à venda de ingressos traz clareza e segurança jurídica para consumidores e empresas de intermediação, assegurando que as práticas comerciais sejam equilibradas e justas, atendendo aos interesses de ambas as partes.

Ao considerar legítima a cobrança dos custos de intermediação do consumidor e a validação das taxas de entrega e retirada como custos adicionais desde que previamente informado ao consumidor, o STJ reforça a importância da transparência a adequada informação na relação de consumo, garantindo que o consumidor tenha pleno conhecimento das opções e dos custos envolvidos na operação.

Assim, o consumidor pode tomar decisões conscientes e bem-informadas, enquanto as empresas se beneficiam de uma estrutura jurídica que permite a cobrança de taxas e serviços adicionais, desde que observados os requisitos de transparência, informação e escolha livre previstos no Código de Defesa do Consumidor, prestigiando o equilíbrio do mercado de consumo previsto em seu artigo 4º, inciso III.