Imagine uma rodovia do futuro: sensores monitoram a velocidade média dos veículos em tempo real; sistemas automatizados reagem instantaneamente a cenários de acidentes, acionando equipes de emergência e reorganizando o tráfego; a iluminação se ajusta automaticamente conforme as condições climáticas e a visibilidade. Isso não é mais ficção científica, mas a realidade tecnológica que poderá estar à disposição dos usuários nos próximos anos.
Contudo, a implementação dessa “rodovia inteligente” revela um desafio regulatório complexo que transcende as competências tradicionais de uma agência.
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Enquanto a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) regula os aspectos relacionados ao transporte e à infraestrutura rodoviária, os sistemas de energia que alimentam essa tecnologia estão sob a jurisdição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Simultaneamente, as redes de comunicação que conectam sensores, câmeras e sistemas de processamento de dados são reguladas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Outros órgãos, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e autoridades ambientais, também podem ter papéis específicos dependendo das tecnologias implementadas.
Cada agência reguladora desenvolveu ao longo dos anos suas próprias metodologias, incentivos e abordagens específicas para seus setores. Essas diferenças não são meramente técnicas, mas refletem constituições institucionais distintas.
Enquanto algumas agências adotam abordagens mais prescritivas, outras privilegiam a autorregulação e incentivos de mercado. Os prazos para análise de projetos variam significativamente, assim como os critérios de avaliação de riscos e os mecanismos de precificação. Para empresas que desenvolvem soluções tecnológicas integradas, inovar neste ambiente regulatório diverso representa um obstáculo considerável.
Um exemplo emblemático pode ser observado na regulação conjunta sobre compartilhamento de postes entre Anatel e Aneel. Embora ambas as agências reconheçam os benefícios da infraestrutura compartilhada para reduzir custos e impactos urbanos, seus incentivos nem sempre estão alinhados.
A Aneel tradicionalmente prioriza a confiabilidade do sistema elétrico e pode demonstrar cautela em relação a um compartilhamento que potencialmente comprometa a estabilidade da rede. Por outro lado, a Anatel busca acelerar a expansão das redes de telecomunicações e vê no compartilhamento uma oportunidade de reduzir barreiras à entrada e custos de implantação. Essas diferenças de prioridades resultaram em um processo regulatório longo e complexo, com múltiplas consultas públicas e ajustes normativos.
O avanço tecnológico das infraestruturas exige uma evolução correspondente dos marcos regulatórios. Tecnologias convergentes demandam regulação convergente. Nesse sentido, faz-se necessária a discussão sobre a constituição de um órgão independente que tenha, ao menos, a competência para mediar conflitos e propor mecanismos eficazes de coordenação intersetorial. Tudo isso sem interferir na independência das próprias agências.
A experiência regulatória recente conta com um exemplo na constituição de órgão especializado para a resolução de eventuais conflitos de atribuições entre agências. Em março de 2001, a Resolução Conjunta 2 estabeleceu a Comissão de Resolução de Conflitos das Agências Reguladoras nos Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, atuante principalmente nos conflitos relacionados ao compartilhamento de infraestrutura. Essa comissão foi extinta pelo Decreto 9.759/2019, mas posteriormente reinstalada em 2020, após a sanção da Lei das Agências Reguladoras e a Consulta Pública 26/2020 da Aneel.
Uma regulação conjunta eficiente requer o estabelecimento de protocolos claros de cooperação entre as agências. Isso inclui prazos harmonizados para análise de projetos, critérios técnicos compatíveis e processos de consulta pública coordenados. Sandboxes regulatórios setoriais podem ser transformados em ambientes de teste integrados, permitindo que inovações sejam avaliadas sob múltiplas perspectivas simultaneamente.
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Além disso, é fundamental desenvolver uma cultura de diálogo entre os reguladores. Isso pode ser facilitado por estruturas formais, como comitês intersetoriais permanentes, mas também requer investimento em capacitação técnica cruzada e intercâmbio de profissionais entre as agências.
A regulação intersetorial não é apenas uma necessidade técnica, mas um imperativo competitivo. Países que conseguirem desenvolver marcos regulatórios ágeis e integrados terão vantagens significativas na atração de investimentos e no desenvolvimento de ecossistemas de inovação. A infraestrutura inteligente do futuro será construída não apenas com sensores e algoritmos, mas com uma arquitetura regulatória que permita que a tecnologia floresça dentro de padrões apropriados de segurança e qualidade.