A infraestrutura digital consolidou-se como base da economia contemporânea. Redes de telecomunicações, data centers, cabos submarinos, provedores de serviços em nuvem e sistemas de inteligência artificial sustentam desde serviços públicos até transações financeiras globais. No Brasil, porém, a regulação desse ecossistema se expande de modo fragmentado, refletindo a complexidade técnica do setor e revelando o desafio de coordenar competências entre múltiplos órgãos e leis.
A Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997) é o pilar da regulação dos serviços de telecomunicações. O art. 60 define telecomunicações como “a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, consagrando os princípios da neutralidade da rede (art. 9º), da proteção da privacidade e dos dados pessoais (art. 3º, II e III) e da liberdade de expressão (art. 3º, I).
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Nos últimos anos, o ordenamento jurídico brasileiro tem sido progressivamente ampliado para abarcar as transformações do ecossistema digital. Mais recentemente, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) passou a promover a Política Nacional de Data Centers, formada por iniciativas de fomento à cadeia produtiva e pelo Regime Especial de Tributação para Data Centers (Redata), já instituído pela Medida Provisória 1.318/2025.
No âmbito dessa política, o Ministério das Comunicações formulou tomada de subsídios com foco no eixo de Conectividade e Infraestrutura da Política Nacional de Data Centers. Além disso, o MCom está avançando na formulação da Política Nacional de Cabos Submarinos e planeja implementar uma Política Nacional de Satélites, reforçando a importância do desenvolvimento da infraestrutura digital no país.
A multiplicidade de iniciativas evidencia um padrão de regulação que, embora bem-intencionado, ainda se mostra fragmentado e reativo às transformações tecnológicas. Se, por um lado, essa fragmentação reflete a especialização técnica necessária, por outro, cria desafios significativos de consistência normativa e de observância aos limites de competência regulatória de cada agente.
Isso porque o ecossistema regulatório digital brasileiro caracteriza-se pela pluralidade institucional. A Anatel regula os serviços de telecomunicações e o uso do espectro radioelétrico; a ANPD fiscaliza o cumprimento da legislação de proteção de dados pessoais; o MCTI formula políticas de ciência, tecnologia e inovação; e o Ministério das Comunicações desenvolve políticas públicas de conectividade e inclusão digital. Essa interdependência técnica exige que as normas de diferentes órgãos sejam não apenas compatíveis entre si, mas efetivamente complementares, formando um arcabouço regulatório coeso.
A Lei Geral das Antenas (Lei 13.116/2015), ainda que alvo de críticas, exemplifica bem esse desafio. Ao uniformizar regras de instalação de infraestrutura de telecomunicações, que antes variavam entre municípios quanto aos critérios técnicos, às distâncias mínimas e às exigências burocráticas, a Lei Geral de Antenas conciliou a competência municipal de ordenamento urbano com as necessidades técnicas advindas da regulamentação setorial, criando um marco legal que reduz conflitos normativos e permite coordenação regulatória mais eficiente.
Outro exemplo relevante e mais atual é o PL 2338/2023, que busca instituir o Marco Legal da Inteligência Artificial. O projeto prevê regras de governança e classificação de risco de sistemas de IA, ao mesmo tempo em que articula competências entre diferentes órgãos, podendo servir de modelo para abordagens semelhantes em outras esferas.
Tais casos demonstram que a coordenação regulatória não implica a criação de uma “super agência” ou a alteração das competências constitucionalmente estabelecidas. Trata-se de desenvolver instrumentos que facilitem o diálogo institucional, harmonizem entendimentos técnicos e antecipem conflitos normativos, preservando a autonomia decisória de cada órgão administrativo.
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A atuação regulatória não pode prescindir de um instrumento essencial: a Análise de Impacto Regulatório (AIR), prevista na Lei 13.848/2019 e regulamentada pelo Decreto 10.411/2020. A realização de AIR de maneira coordenada entre agências reguladoras e demais órgãos administrativos permite antecipar conflitos normativos, promover o alinhamento técnico sobre temas transversais e garantir que as regulações setoriais mantenham coerência no sistema de governança da infraestrutura digital.
A consolidação de uma governança digital integrada oferece previsibilidade, eficiência e segurança jurídica, elementos essenciais para o investimento em infraestrutura digital. À medida que redes, dados e algoritmos se tornam cada vez mais relacionados, a coordenação regulatória torna-se condição indispensável para que a fragmentação normativa não comprometa a coerência e a efetividade do sistema regulatório, garantindo que o Brasil traduza seu potencial digital em desenvolvimento sustentável e soberania tecnológica.