A discussão sobre a tributação federal de incentivos fiscais relacionados ao ICMS já vem sendo travada há muito tempo entre os contribuintes brasileiros e as autoridades fiscais federais.
E, neste cenário, parece-nos que empresas exportadoras – que, em razão da imunidade tributária prevista constitucionalmente, acumulam montantes relevantes de créditos de ICMS sobre as operações anteriores à efetiva exportação – podem estar diante de uma oportunidade de discutir o direito a não incluir tais créditos de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Já desde 2017 a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.517.492/PR (EREsp 1.517.492/PR), o entendimento de que os créditos presumidos de ICMS não devem compor as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, na medida em que permitir tal tributação seria convalidar a possibilidade de a União Federal neutralizar (esvaziar) benefícios fiscais concedidos pelos Estados, que ficou conhecida como a “Tese do Pacto Federativo”.
Tal entendimento foi reiterado pela jurisprudência do STJ mesmo após a entrada em vigor da Lei Complementar 160/17, inclusive com o afastamento da necessidade de atendimento aos requisitos previstos no artigo 30 da Lei 12.973/2014 (notadamente quanto ao registro das reservas de incentivos fiscais) para a não inclusão dos créditos presumidos de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Desde então, os contribuintes passaram a se valer de tal entendimento do STJ para pleitear o direito a não mais incluir nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL não apenas créditos presumidos, mas diversos outros tipos de incentivos fiscais de ICMS, tais como, isenções, desonerações, reduções de base de cálculo, etc.
Foi com base nesse cenário que, em 26 de abril de 2023, a 1ª Seção do STJ, no Tema 1.182, julgou a possibilidade de “excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como, redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL”, dado que a 1ª Turma do STJ entendia que a tese do Pacto Federativo era extensível aos demais incentivos (ditos negativos), enquanto a 2ª Turma adotava entendimento contrário e aplicava tal tese exclusivamente para os créditos presumidos.
Assim, a partir do julgamento do Tema 1.182, em linhas gerais, foi decidido que: (i) os incentivos formatados como “créditos presumidos” não devem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL, independentemente da constituição de reserva de incentivos prevista no artigo 30 da Lei 12.973/14; e (ii) as outras espécies de incentivos fiscais (ditos “negativos”, tais como, redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros) poderão ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que atendidos os requisitos do artigo 30 da Lei 12.973/14.
Durante a sessão de julgamento do Tema 1.182, houve expresso debate entre os ministros do STJ, inclusive, sobre a exclusão do termo “imunidade” do rol de incentivos fiscais de ICMS abrangidos pela tese fixada, reconhecendo-se que a imunidade sequer poderia ser considerada como um “benefício fiscal” e que qualquer discussão sobre imunidade tributária seria de competência do Supremo Tribunal Federal (STF), e não do STJ. Na ocasião, o STJ excluiu expressamente do alcance da tese fixada por meio do Tema 1.182 os créditos presumidos de ICMS e a imunidade tributária.
Assim, considerando que as empresas exportadoras acumulam créditos de ICMS em razão da imunidade desse imposto sobre as operações de exportação, seria possível defender que os valores de tais créditos não devem ser considerados como renda, lucro ou acréscimo patrimonial para fins de incidência do IRPJ e da CSLL. Ademais, eventual tributação do IRPJ e da CSLL sobre tais créditos de ICMS caracterizaria uma interferência da União Federal em política fiscal prevista constitucionalmente e arcada pelos Estados.
Justamente por envolver questões de natureza constitucional, a referida discussão sobre a exclusão dos créditos acumulados de ICMS em operações de exportação deverá ser julgada ao final pelo STF, até mesmo em linha com o que ficou decidido pelo STJ ao delimitar o alcance do Tema 1.182 (i.e., excluindo as hipóteses de imunidade tributária).
De toda forma, entendemos que as empresas exportadoras poderão, com base nos argumentos de ordem constitucional mencionados acima (e também com amparo no entendimento firmado pelo STJ no EREsp 1.517.492/PR), buscar tutela jurisdicional que reconheça o direito de não incluir, nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, os montantes de créditos de ICMS apropriados nas operações anteriores às que destinem mercadorias ao exterior – a exemplo de precedentes favoráveis já obtidos por outras empresas exportadoras em discussões similares.
Importante destacar que essa discussão tem tido novos capítulos em ritmo acelerado, tal como a recente decisão (AREsp 2.388.499) na qual a 2ª Turma do STJ indicou a possibilidade de o Tribunal voltar a analisar se a exclusão da expressão econômica dos créditos de presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e CSLL dependeria, ou não, da constituição de reserva de incentivos fiscais. Também recentemente, o STJ sinalizou que poderá voltar a analisar a discussão acerca do Pacto Federativo pela sistemática (vinculativa) dos recursos repetitivos nos REsp 2.091.208/RS, 2.091.200/SC e 2.091.206/PR.
Além disso, impossível não mencionar as mudanças legislativas trazidas pela Lei 14.789/2023 – que determinou que, independentemente da classificação como subvenção para custeio ou investimento, a expressão econômica dos incentivos fiscais passará a ser tributada pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, com a possibilidade de apuração de crédito fiscal relativo ao valor subvencionado, equivalente apenas à alíquota do IRPJ incidente sobre a subvenção.
Apesar do tratamento fiscal mais gravoso, a nosso ver, as novas regras trazidas pela Lei 14.789/2023 não deveriam alcançar os créditos de ICMS apropriados nas operações anteriores às que destinem mercadorias ao exterior, seja em razão do caráter constitucional desses créditos, seja mesmo por não serem estes entendidos como uma subvenção.
Assim, o cenário descrito acima sugere que o referido tema – de natureza constitucional – deve ser avaliado pelas empresas exportadoras com alguma urgência, seja para resguardar o período de 5 anos anteriores ao ajuizamento de possível ação para a devolução/compensação dos montantes de IRPJ e CSLL recolhidos a maior em razão da inclusão, em suas bases de cálculo, dos créditos de ICMS apropriados nas operações anteriores às que destinem mercadorias ao exterior e mantidos em razão da mencionada imunidade tributária, seja para a sua exclusão com relação às operações futuras.