A acromegalia é uma doença rara que ocorre por um aumento excessivo do hormônio do crescimento, o GH, e do IGF-1 geralmente devido a um tumor benigno na hipófise. Hoje, estima-se que cerca de 4 mil brasileiros fazem tratamento contra a condição – porém, os sintomas da doença persistem em até metade dos casos, demandando tratamentos mais avançados, ainda indisponíveis no SUS.
Essa situação tem chances de mudar em breve. Em março, houve a apreciação inicial pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) de medicamentos de segunda linha destinados ao tratamento de pacientes com acromegalia – o pamoato de pasireotida e o pegvisomanto, sendo que o primeiro foi avaliado pela primeira vez.
A Conitec, que assessora o Ministério da Saúde, é responsável por analisar eficácia, segurança e custo-efetividade de tecnologias já existentes ou incluídas no SUS. Ela avaliou os novos tratamentos medicamentosos de segunda linha para a acromegalia, emitindo um primeiro parecer desfavorável.
Agora, o resultado passa por consulta pública, aberta até 29 de abril, a partir de quando os tratamentos são reavaliados – e não é incomum que, após esse período, um parecer antes desfavorável mude de direção na avaliação final, e uma tecnologia seja incorporada pelo sistema de saúde.
Embora o colegiado tenha sido contrário à inclusão dos medicamentos, houve uma ressalva frente à importância dessas medicações para pacientes refratários à terapia primária. Com isso, abriu caminho para a possibilidade de revisar seu entendimento inicial.
Limitações no tratamento da acromegalia
A acromegalia é uma doença crônica causada pela produção excessiva de GH e de uma proteína chamada IGF-1, produzida pelo fígado em resposta ao GH. A disfunção está associada, na maioria dos casos, à presença de um tumor benigno na hipófise, como é chamada a glândula localizada na base do cérebro – primordial para o controle do sistema endócrino.
Crescimento de mãos, pés, lábios, língua, bem como dores articulares e suor excessivo são algumas das manifestações da condição. Além disso, diabetes, cardiopatias e hipertensão arterial também são comorbidades que têm maior risco de desenvolvimento em pacientes com acromegalia.
Ainda, como reconheceu a Conitec em seus relatórios sobre o tratamento da doença, “a acromegalia está ligada a uma redução da expectativa de vida em até dez anos e afeta bastante a qualidade de vida, dada a diversidade de manifestações e complicações que pode gerar”.
Associados à perda de autonomia em atividades cotidianas, existem ainda sintomas psicológicos, como a fadiga crônica, a ansiedade e a depressão. “Ou seja, a acromegalia pode gerar um grande sofrimento físico e mental e impactar significativamente na qualidade de vida, na medida em que atravessa as diversas dimensões da vida da pessoa”, conclui o relatório da Conitec.
Etapas do tratamento
O tratamento primário para a condição é essencialmente dividido em abordagem cirúrgica, para a retirada do tumor, e o uso de uma classe de medicamentos chamada análogos de somatostatina.
Esses fármacos atuam em receptores do tumor, de forma a auxiliar no controle dos sintomas causados pela produção hormonal excessiva, que acontece na acromegalia. A lanreotida e a octreotida são as duas medicações de primeira escolha geralmente utilizadas para o controle da doença.
Elas são disponibilizadas pelo SUS e estão presentes nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), o documento oficial que reúne informações sobre diagnóstico, tratamento e prevenção da acromegalia.
Estudos apontam que entre 30% e 50% dos pacientes não respondem ao tratamento com os fármacos de primeira linha, no caso a lanreotida e a octreotida. Dessa forma, é bastante comum prosseguir para opções de segunda ou terceira linha para o manejo da condição.
O PCDT da acromegalia, publicado em 2019, ainda considera como opção a radioterapia. Em geral, é considerada quando não há controle por meio da intervenção cirúrgica e resistência ao tratamento medicamentoso. No entanto, os efeitos adversos e a disponibilidade da terapia podem dificultar sua escolha para a acromegalia.
Já o uso da cabergolina, um agonista de dopamina, é indicada como tratamento secundário para os pacientes com intolerância aos análogos da somatostatina. “Alguns pacientes podem responder à cabergolina, principalmente aqueles que não têm um IGF-1 tão alto”, explica a endocrinologista Vania dos Santos Nunes Nogueira, professora da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Os ligantes do receptor da somatostatina de primeira geração são, na maioria das vezes, a primeira opção para aquele paciente que não atingiu a cura com a cirurgia. Porém, parte dos pacientes não vai responder e, por isso, precisamos de outras classes de medicação para o melhor controle da acromegalia”, acrescenta Nogueira.
Novos horizontes com o pamoato de pasireotida
O pamoato de pasireotida é uma das medicações consideradas de segunda linha de tratamento para a acromegalia. Assim como a lanreotida e a octreotida, o fármaco também se liga aos receptores de somatostatina.
Quando adere a esses receptores, há a redução tanto da produção do GH, o hormônio do crescimento, quanto do IGF-1, além da possibilidade de diminuição do tamanho do tumor hipofisário. Com esse foco na causa da doença, há um controle na sintomatologia, principalmente no crescimento dos tecidos, que resulta principalmente no aumento das mãos e dos pés.
Existem cinco tipos de ligantes da somatostatina. Os análogos de primeira geração, como a lanreotida e a octreotida, têm uma ligação forte para o receptor 2. Já o pamoato de pasireotida é um ligante universal, com ligação aos cinco subtipos de receptores da somatostatina. Inclusive, ele tem uma afinidade ao receptor 5 que os análogos de primeira geração não têm.
Os receptores de somatostatina são importantes tanto para controlar tanto os níveis hormonais altos que se dão com a acromegalia quanto o volume tumoral. “O maior diferencial do pasireotida é que, como ele tem um espectro de ação maior, é indicado para o percentual significativo de pacientes que não controlam a doença com medicamentos de primeira linha. O pasireotida consegue atender em torno de metade desses pacientes”, afirma a endocrinologista Mônica Gadelha, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Outro medicamento em apreciação pela Conitec é o pegvisomanto. Embora também seja visto como um tratamento de segunda linha, tem um mecanismo de ação diferente do pamoato de pasireotida. Os dois medicamentos atuam na acromegalia, cada um de uma forma distinta.
“O pegvisomanto é uma medicação de ação periférica, que antagoniza a ação do hormônio de crescimento no fígado. Ao antagonizar essa ação, há a diminuição de produção de IGF-1 pelo órgão. Além de diminuir os níveis de IGF-1, o pamoato de pasireotida tem uma ação tumoral, até mesmo de redução do tumor”, diferencia Nogueira, da Unesp.
Dessa maneira, há a possibilidade de atingir pacientes refratários aos tratamentos iniciais, mas também tornar a escolha medicamentosa mais adequada às necessidades de cada indivíduo. Por conta das especificidades de cada tecnologia em avaliação, a Conitec sinalizou querer entender melhor a indicação de cada uma das medicações a partir de estudos científicos.
O parecer da Conitec e a consulta pública
O pamoato de pasireotida foi avaliado pelo colegiado da Conitec durante a 127° reunião ordinária, no dia 7 de março. Ao longo da apreciação, foram apresentadas evidências científicas referentes às medicações, além da participação de pacientes que relataram a experiência com o medicamento.
Como principais argumentos para o parecer desfavorável à inclusão dos fármacos ao SUS, o Comitê de Medicamentos da Conitec pontuou a necessidade de apresentação de mais dados sobre a indicação de cada um dos remédios. Além disso, argumentou sobre o custo-efetividade das medicações.
Em relação ao pegvisomanto, o colegiado questiona a custo-efetividade por conta da dosagem máxima utilizada nos estudos. Já o pamoato de pasireotida inclui uma proposta de importação direta que poderia ter impactos positivos no preço do medicamento, o que poderia manter o impacto orçamentário dentro do limiar de custo-efetividade
Entre as reservas da Conitec quanto à incorporação, há ainda uma indicação mais restrita do pamoato de pasireotida para pacientes com acromegalia que apresentam diabetes mellitus descompensado como comorbidade, uma vez que poderia haver hiperglicemia como reação adversa à medicação.
Contudo, o manejo de alterações metabólicas integra a rotina dos pacientes com acromegalia, uma vez que o diabetes é uma das condições que podem estar associadas à doença de base . Dessa maneira, os efeitos adversos podem ser minimizados com acompanhamento frequente de um especialista, no caso, o endocrinologista.
“É uma hiperglicemia, na maioria das vezes, de leve a moderada. Os médicos devem informar o paciente que isso pode acontecer e educá-lo para que melhore o estilo de vida e a dieta. Monitoramos a glicemia dele e podemos intervir com medicação assim que a glicose começar a subir. Na maioria dos pacientes, a hiperglicemia que acontece é manejável”, explica Gadelha, professora da UFRJ.
Em seu relatório, a Conitec reconhece que “a pasireotida aumentou as chances de obtenção da resposta terapêutica, repercutiu positivamente nas medidas de qualidade de vida e na redução do tamanho do tumor”.
Já sobre os efeitos adversos, afirma que o tratamento “foi relacionado a uma maior ocorrência de aumento dos níveis glicêmicos; embora não tenha sido verificada diferença entre o grupo que usou a pasireotida e o grupo controle em relação à ocorrência de eventos adversos graves”.
Experiências reais
Os pacientes que participaram da reunião no Plenário da Conitec expressaram a importância do tratamento de segunda linha, após terem obtido o acesso tanto ao pamoato de pasireotida quanto ao pegvisomanto via judicialização.
Uma mulher de 31 anos, moradora do Rio de Janeiro, contou que recebeu o diagnóstico da doença há dez anos, quando foi detectado um tumor na hipófise. Ela passou por cirurgia de retirada e, em seguida, o tratamento com lanreotida, mas não houve efeitos significativos sobre os níveis de GH e IGF-1.
Ela passou então por sessões de radiocirurgia, quando, sem melhorias na doença, enfrentou o crescimento de mãos e pés, mudanças no formato da mandíbula, aumento do nariz, inchaço, alargamento do tórax, além de dores de cabeça, insônia e impactos severos em suas atividades sociais e cotidianas.
Em 2020, após indicação médica e por meio de decisão judicial, ela começou a usar o pamoato de pasireotida. Desde então, observou melhora do sono e das dores. Também foi constatada queda nos níveis do GH e do IGF-1 e, após seis meses de uso, a diminuição do tumor. Não houve alterações nos níveis de glicose no sangue – para o controle, foi feito um monitoramento diário nos primeiros seis meses de administração do medicamento.
“O problema da judicialização é que você tem uma ação individual para um paciente. E quando falamos de sistema único de saúde, estamos falando do sistema como todo. O ideal seria que as medicações que realmente são eficazes e custo-efetivas sejam incorporadas aos SUS. A judicialização acaba sendo mais cara para o pagador, onera o sistema de saúde”, reflete Nogueira. “Na minha opinião, há exceções, mas não deve ser a maneira principal de adquirir um novo medicamento para o sistema de saúde”, finaliza.
O que vem pela frente
Após a recomendação do Plenário, o relatório foi encaminhado à consulta pública. Com o prazo de 20 dias, que se encerra em 29 de abril, a população pode opinar sobre a incorporação dessas tecnologias no SUS. As consultas estão disponíveis na plataforma Participa + Brasil.
Caso o relatório seja aprovado, será encaminhado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) e a decisão é publicada no Diário Oficial da União, com um prazo máximo de 180 dias para a oferta do medicamento no SUS.