Inclusão da coparticipação no plano de saúde configura alteração lesiva ao empregado?

  • Categoria do post:JOTA

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor, advogado e consultor trabalhista, Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a  # pergunte ao professor.

Neste episódio de nº 119 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ►  A inclusão da coparticipação no plano de saúde configura alteração lesiva ao empregado?

Resposta ► Com a palavra, o professor Ricardo Calcini.

Decerto que a alteração das condições do contrato de trabalho se norteia por três princípios: pacta sunt servanda, autonomia da vontade e inalterabilidade contratual[1].

Via de regra, o contrato de trabalho não pode ser alterado unilateralmente pelo empregador, em respeito ao princípio da inalterabilidade do contrato de trabalho:

“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente dessa garantia” (art. 468 da CLT).

Em respeito a tal regra, para validar a alteração das condições ajustadas é preciso que, cumulativamente, as partes, de comum acordo, consintam com a alteração e desta alteração não resulte prejuízo direto ou indireto para o empregado. Portanto, a alteração do contrato de trabalho somente será lícita com o mútuo consentimento entre as partes.

Observa-se que o princípio da imodificabilidade/inalterabilidade do contrato de trabalho oferece uma proteção substancial ao empregado, dada sua posição de maior vulnerabilidade na relação laboral. Essa proteção reflete a intervenção estatal, que visa evitar que o empregador, em virtude de seu poder de direção, imponha alterações unilaterais que possam acarretar prejuízos ao empregado.

Portanto, a intervenção estatal é necessária para salvaguardar as condições do contrato de trabalho contra modificações unilaterais do empregador, garantindo assim a manutenção de uma norma de ordem pública que restringe a autonomia das partes contratantes[2]. Aliás, nem mesmo por mútuo consentimento é autorizada que seja feita modificação no contrato de trabalho que, direta ou indiretamente, cause prejuízo ao trabalhador, podendo a cláusula mais benéfica ser restabelecida pelo Poder Judiciário.

Muito embora se possa argumentar a favor da possibilidade de o empregador realizar pequenas alterações no contrato de forma unilateral, ou em circunstâncias especiais, é importante ressaltar que tais mudanças não devem afetar significativamente o acordo de trabalho nem prejudicar o trabalhador. O chamado ius variandi, derivado do poder de direção do empregador, não autoriza alterações substanciais que resultem ou possibilitem a redução dos salários.

Note-se, no entanto, que em conformidade com o princípio da preservação da condição mais benéfica, as mudanças implementadas pelos empregadores devem manter as vantagens contratuais dos funcionários, implicando na manutenção de cláusulas presentes nos contratos individuais ou nos regulamentos empresariais se tornam parte integrante do patrimônio jurídico dos trabalhadores e só podem ser removidas se as cláusulas substitutas forem mais favoráveis[3].

No que tange aos regulamentos empresariais, a jurisprudência inclusive indica que cláusulas revogatórias ou modificativas de vantagens previamente concedidas afetarão apenas os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do referido regulamento. Excetua-se apenas os casos que coexistir dois regulamentos empresariais e seja oportunizado ao empregado o poder de escolha, que terá o efeito jurídico de renunciar às regras do outro sistema, consoante entendimento da Súmula 51 do TST[4].

Logo, se, por um lado, por força do princípio do ius variandi, é direito do empregador, em situações excepcionais, modificar unilateralmente determinadas cláusulas do pacto laboral, lado outro tal prerrogativa não deve acarretar prejuízos diretos ou indiretos para o empregado. Isso é essencial não apenas para evitar a inutilidade da legislação que visa proteger o trabalhador do exercício abusivo do poder diretivo, mas também, e sobretudo, para garantir que tais prerrogativas não ultrapassem os limites da razoabilidade e proporcionalidade.

Eis aqui os ensinamentos de Délio Maranhão[5]:

“Em face do art. 468 da Consolidação, no direito brasileiro, o jus variandi somente poderá ser admitido dentro de limites muito estritos, sob pena de tornar letra morta esta disposição legal, viga-mestra de nossa legislação do trabalho e principal garantia do empregado contra o arbítrio do empregador. A não ser, portanto, nos casos em que a lei, expressamente, o autorize, a alteração das condições de trabalho em virtude de ato do empregador não poderá ser tolerada, salvo a título excepcional, em situação de emergência e em caráter transitório, quando a recusa do empregado em acatar a ordem que lhe é dada, recusa, totalmente, aliás, injustificada, importe absoluta falta de espírito de colaboração; quando, para usarmos a expressão marcante de Barassi, a própria “dignidade do trabalhador” viesse a ser comprometida pelo seu comportamento. Não há critérios preestabelecidos que possam guiar o juiz na apreciação de tais fatos: caber-lhe-á verificar, em cada hipótese, se o empregador ultrapassou os limites normais do jus variandi, segundo o standard jurídico ditado pelas condições de meio e de momento (…). O jus variandi pressupõe, sempre, alteração temporária e que não afete, fundamentalmente a índole da prestação contratual. O respeito à personalidade moral do empregado constitui barreira intransponível ao uso daquele direito.” (MARANHÃO, 1993, p. 221-222 apud LEITE, 2023, p. 281)

A par de todo o exposto, a pergunta que fica é entender se “a inclusão da coparticipação pela empresa no pagamento do novo plano de saúde configura alteração lesiva ao contrato de trabalho do empregado?”. Ora, a depender do entendimento que se tenha sobre o ancance do ius variandi, pode-se concluir que não se permitem alterações in pejus na forma de custeio do plano de saúde que se comprometeu o empregador a fornecer, notadamente se houve o prévio aceite do trabalhador em momento pretérito às novas alterações que vierem a instituir a coparticipação.

Em sentido contrário, há que se ter em mente também que o plano de saúde não é um benefício previsto na legislação trabalhista, e sim decorrente muitas vezes da negociação coletiva, a qual hoje tem inclusive a prerrogativa de prevalecer sobre a norma estatal (Tema 1.046 do STF).

De mais a mais, é fundamental destacar que a alteração na base de custeio do plano de saúde coletivo é por vezes justificada pelo histórico de sinistralidade das vidas asseguradas, o que impacta diretamente no preço da cobertura coletiva de milhares de trabalhadores por não envolver, por certo, os interesses apenas um(a) funcionário(a) individualmente considerado(a).

Enfim, tal polêmica será dirimida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que julgará a temática em caráter vinculativo. O caso em análise envolve uma servidora da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa), contratada em 2009, que tinha acesso a um plano de saúde mediante o pagamento de uma mensalidade fixa, e que cobria todas as despesas médicas, exames, internações, cirurgias, entre outros serviços. No entanto, em 2019, o sistema de custeio do plano foi alterado para coparticipação, no qual a mensalidade passou a cobrir apenas custos relacionados a internações e atendimentos de emergência.

No entendimento da servidora, há o direito à manutenção das condições anteriores, tendo em vista que a mudança in pejus foi unilateral. A Fundação Casa, em sua defesa, sustentou que a contratação fora feita por licitação, por exigência legal, e que a empregada, ao aderir ao novo plano, teria concordado com as novas condições. O pleito, porém, foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau, cuja sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, ao fundamento de que a alteração não decorreu da vontade da empregadora, que, por ser fundação pública estadual, tem de observar o princípio da legalidade e as imposições orçamentárias.

E ao pautar o recurso de revista da servidora, a 6ª Turma do TST decidiu remeter o processo à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) da Corte, para que seja julgado como incidente de recurso repetitivo com a fixação de tese jurídica (IncJulgRREmbRep 1001740-49.2019.5.02.0318).

Assim, a questão jurídica a definida é a seguinte: a inclusão da coparticipação no pagamento do novo plano de saúde, instituído após o devido processo licitatório e oferecido em razão do término do contrato da prestação de serviços de “assistência médica”, mesmo com a possibilidade de redução da fonte de custeio, configura alteração lesiva para os empregados que anteriormente desfrutavam do benefício?

Em breve, a resposta será dada pela Corte Superior Trabalhista, cuja decisão poderá impactar o referido benefício de plano de saúde que é igualmente ofertado por milhares de empresas no setor privado a seus empregados, cujas coberturas invariavelmente oscilam ano a ano.

[1] LEITE, Carlos Henrique B. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 280.

[2] MARTINS, Sergio P. Direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 229.

[3] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 376.

[4] SUM-51 NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-I) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.

[5] MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1993, p. 221-222 apud LEITE, Carlos Henrique B. Curso de direito do trabalho. SP: Saraiva, 2023, p. 281.