Há alguns meses, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 590.186, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a incidência de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de empréstimo entre empresas e pessoas físicas, ou entre pessoas jurídicas que não sejam instituições financeiras. O entendimento exarado pela referida Corte em âmbito de repercussão geral (Tema de Repercussão Geral nº 104) vincula, por conseguinte, todo o Poder Judiciário, encerrando a discussão em torno da matéria.
A prática de empréstimos entre pessoas jurídicas com pessoas físicas e/ou pessoas jurídicas era comumente feita no mercado partindo-se da premissa de que nestes tipos de contrato não haveria propriamente uma concessão de crédito, ainda que fixada a obrigação do mutuante de restituir ao mutuário o que dele recebeu.
O Recurso Extraordinário em comento, por sua vez, discutiu a constitucionalidade do artigo 13 da Lei 9.779/99[1], que prevê a incidência do IOF nas relações particulares, sob o argumento de que tal modificação teria alargado a base de cálculo do imposto para alcançar o mútuo (empréstimo de coisas), desvirtuando a função regulatória do IOF, de modo que sua incidência deveria estar restrita a operações do mercado financeiro.
No caso específico do leading case, a discussão versou sobre a exigência de IOF nos contratos de mútuo entre empresas de um mesmo grupo empresarial. Da parte do contribuinte, alegou-se que o mencionado artigo 13, a despeito de não haver criado novo imposto, aumentou seu alcance subjetivo, possibilitando a tributação de transações efetuadas por pessoas jurídicas não pertencentes ao sistema financeiro. E tal, na linha argumentativa no recurso, afrontaria o artigo 153, V da Constituição Federal[2], bem como o artigo 63 do Código Tributário Nacional[3]. Em outros termos, não haveria como ser aplicado o IOF aos contratos de mútuo, na medida em que a ocorrência do fato gerador do imposto seria a “concessão de crédito” e, no caso do contrato de mútuo, não haveria tal concessão sem a intervenção de uma instituição financeira.
No decorrer do processo, a Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT), foi admitida na condição de amicus curiae e trouxe à discussão ainda outras ponderações, que se podem assim resumir:
O IOF surgiu na EC 18/65 à Constituição de 1946 como instrumento da União para o exercício da competência privativa de dispor sobre política cambial e monetária, competência mantida sob a atual Constituição Federal[4];
a incidência sobre operações entre empresas não financeiras – ou que exerçam atividades análogas, como o factoring – extrapolaria a função regulatória do imposto, sendo que “é apenas a função regulatória/extrafiscal do IOF que justifica […] a mitigação do princípio da legalidade (art. 153, §1º) e a não incidência das anterioridades constitucionais (art. 150, §1º)”; e,
o IOF não poderia incidir sobre contratos de conta corrente entre empresas de um mesmo grupo econômico, mediante a reunião de seus caixas individuais em um caixa único, ao qual todas têm acesso para o pagamento de gastos e realização de investimentos.
No julgamento, o ministro relator Cristiano Zanin proferiu voto mencionando que o Plenário do STF já teve a oportunidade de analisar questão análoga ao caso, quando do julgamento da ADI 1.763/DF-MC, de relatoria do ministro Sepúlveda Pertence, a qual definiu que “o âmbito constitucional de incidência possível do IOF sobre operações de crédito não se restringe às praticadas por instituições financeiras […]”.
Buscando rebater considerações traçadas pela ABAT, alegou que não merece prosperar o argumento de que o IOF teria apenas caráter extrafiscal, e para tanto citou o RE 583.712 (Tema de Repercussão Geral nº 102), no qual fixou-se não haver de se falar em exclusividade da função regulatória do IOF. E, sobre a argumentação de que o IOF não poderia incidir sobre contratos de conta corrente entre empresas de um mesmo grupo econômico, ponderou o relator que tal ponto não foi analisado, pois seu exame seria de competência das instâncias ordinárias, à luz das cláusulas contratuais e das provas.
Em suma, a decisão proferida pelo STF, reconhecendo a constitucionalidade da incidência do IOF em operações de empréstimo entre empresas e pessoas físicas ou jurídicas não vinculadas ao sistema financeiro representa mais um marco significativo no âmbito tributário.
A ampliação do alcance do IOF para além das operações típicas do mercado financeiro, nesse sentido, impõe um ônus adicional às empresas e pessoas envolvidas em transações de mútuo, afetando diretamente suas atividades comerciais e financeiras.
Diante dessa conjuntura, e considerando que, notadamente ao longo dos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal vem enfrentando volume cada vez maior de matérias sensíveis e impactantes aos contribuintes, é fundamental que estejam todos atentos às definições e mudanças nos entendimentos na seara tributária, sendo recomendável, inclusive, a busca de assessoria especializada para mitigar os impactos fiscais e adotar estratégias de planejamento tributário adequadas às novas exigências legais.
[1] Art. 13. As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras.
[2] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[…]
V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
[3] Art. 63. O impôsto, de competência da União, sôbre operações de crédito, câmbio e seguro, e sôbre operações relativas a títulos e valôres mobiliários tem como fato gerador:
[4] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
VI – sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;