Este artigo tem por escopo a análise de decisão prolatada nos autos do processo administrativo originado a partir da lavratura do AIIM 4.131.957-6, pela qual a Câmara Superior do TIT, por ampla maioria, negou provimento ao Recurso Especial interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo, mantendo o entendimento apresentado pela então 10ª Câmara Julgadora, no sentido de que a importação, no caso concreto, teria se dado de forma direta, por conta própria do contribuinte paranaense, mantidas em armazém geral em território paulista, sem modificação da titularidade.
O voto condutor, proferido pelo juiz relator Fábio Henrique Bordini Cruz, assim se apresentou:
“(…)
No caso, restou assentado na instância a quo tratar-se de modalidade de importação direta, realizada por conta própria pelo contribuinte autuado, sediado no Estado do Paraná, portanto sem a intermediação de trading company. As mercadorias foram desembaraçadas no Porto de Santos/SP, remetidas a Armazém Geral nesse Estado (em nome da autuada) e posteriormente destinadas a adquirentes paulistas.
(…)
Portanto, é inafastável a conclusão de que o estabelecimento paranaense autuado é o destinatário jurídico e também econômico dos produtos importados.
A Autuada, em termos fenomênicos, não foi o destinatário físico dos produtos, porém, pela documentação acostadas, é como se houvesse sido, uma vez que a permanência dos mesmos em Armazém Geral deu-se em seu nome. Tal permanência ocorreu por razões logísticas e econômicas. Isso não implica em que o Armazém Geral tenha sido o destinatário jurídico ou econômico dos produtos importados.
Alegar que o artigo 11 da Lei Complementar nº 87/96 dá fundamento à cobrança do imposto pelo Fisco paulista demonstra-se desarrazoado, pois não se sustenta diante da documentação fiscal e comercial já citada. A Autuada nunca deixou de ser a proprietária dos produtos importados após o seu desembaraço aduaneiro. Houve, sim, uma circulação dos produtos de Santos/SP a Ponta Grossa/PR, que foi uma circulação ficta. O Armazém Geral paulista apenas os custodiou, vale dizer, teve posse temporária dos mesmos. Pretender o contrário é desconhecer a sistemática do imposto.
E continua:
“(…)
A legislação tributária deve ser interpretada sistematicamente e não de modo literal, como quer a fiscalização. A posse física de mercadoria não se sobrepõe ao instituto da propriedade(…)
(…)
Também o fato de os produtos terem sido posteriormente vendidos a destinatários paulistas, não atrai a sujeição ativa ao Estado de São Paulo, pois assim não estabelecido pela legislação vigente. A título meramente exemplificativo, caso a mercadoria fosse vendida a destinatário em outro Estado, tal circunstância igualmente não alteraria a sujeição ativa, que compete ao Estado onde localizado o efetivo importador, o contribuinte paranaense(…)
(…)”
Por outro lado, o voto vencido, a lavra do I. Juiz Marcelo Amaral Gonçalves de Mendonça (acompanhado por 4 Julgadores), assim se pronunciou:
“(…)
Embora o importador esteja localizado em outro Estado, as mercadorias importadas nunca saíram do Estado de São Paulo.
(…)
Ao proceder desta forma – realizar centenas de operações de importação com desembaraço em Santos/SP e remessa física diretamente a armazém geral localizado no Estado de São Paulo, sem a saída física das mercadorias do território paulista para o estabelecimento importador – e não tributar tais operações tendo como sujeito ativo o Estado de São Paulo – o contribuinte sobrepôs a forma do negócio jurídico ao seu conteúdo para fins de tributação pelo ICMS. Afinal, o contribuinte fez materialmente operações internas, na medida em que as remessas e devoluções interestaduais foram fictas, as mercadorias jamais saíram do estado de São Paulo e, nas posteriores vendas para destinatários paulistas, as notas fiscais foram emitidas a partir do estabelecimento importador paranaense.
Entendo que a decisão do C. Supremo Tribunal Federal no Tema 520 na sistemática da repercussão geral não pode conduzir o julgador a desconsiderar, no caso concreto, o conteúdo do negócio jurídico realizado, sob pena de se deixar a cargo do contribuinte a escolha do sujeito ativo no ICMS-Importação, bastando para tanto possuir estabelecimento no Estado que lhe aprouver e através dele realizar a importação direta da mercadoria, e então proceder ao desembaraço e circulação em outra Unidade da Federação conforme sua conveniência logística, com utilização de filial ou armazém geral.
(…)
Dito de outra forma, há que se distinguir que a validade do critério de circulação ficta somente se revela válido para a hipótese fático-jurídica analisada pelo STF (Tema 520 – operações com estabelecimento da mesma titularidade), não havendo de se estender para o caso em julgamento, como o fez a decisão recorrida, de modo que deve ser considerado o critério de circulação física(…)
(…)”
Frise-se que o acórdão recorrido não afastou a aplicação do art. 11 da LC 87/96 (o que seria vedado por força do art. 28 da Lei Paulista 13.457/09), mas entendeu que, em se tratando de importação direta realizada pela própria autuada, a remessa direta das mercadorias para armazém geral no Estado de São Paulo não descaracteriza o fato de ser a importadora paranaense a efetiva destinatária das mercadorias, equiparando a circulação ficta à física para determinação do sujeito ativo.
Ademais, ao fazer referência à decisão do STF (Tema 520), o mesmo acórdão apenas o fez a título de reforço de fundamentação, ao contrário do entendimento apresentado pelo voto vencido acima transcrito.
Diante do cenário aqui reportado, observa-se que a Câmara Superior do TIT, quando do julgamento do AIIM 4.031.957-6, firmou entendimento, por maioria, no sentido de que, apesar de ter havido a remessa física das mercadorias a armazém geral paulista, sua propriedade não deixa de pertencer à empresa autuada, até que haja sua comercialização a terceiros.
Assim, resta adequada a equiparação da circulação ficta à física, tratando-se de importação indireta, não havendo como ser mantida a acusação fiscal, o que deverá servir de parâmetro para a análise de casos similares.
Autor:
Rodrigo Helfstein – Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT (NEF FGV SP). Especialista e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Advogado
Coordenação:
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