Implementação de imposto para bilionários não será tratada no G20, diz Tatiana Rosito

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Em meio ao debate sobre a tributação global de indivíduos super-ricos, a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, embaixadora Tatiana Rosito, afirma que a proposta brasileira no G20 não discute a implementação de imposto, mas busca dificultar a evasão fiscal com mecanismos de cooperação. Segundo a embaixadora, o objetivo é fortalecer a importância da tributação progressiva como forma de combater desigualdades e facilitar a trocas de informação e o monitoramento fiscal no âmbito internacional.

Em entrevista exclusiva ao JOTA, Rosito, que também coordena a Trilha de Finanças do G20, explica que o foco da proposta brasileira é garantir maior integração de dados e dificultar a evasão fiscal de indivíduos de alta renda.

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A implementação de um tributo mínimo global é defendida pelo o economista Gabriel Zucman, diretor do EU Tax Observatory, centro de pesquisa da Escola de Economia de Paris. A pedido da presidência brasileira no G20, Zucman apresentou um relatório propondo um imposto mínimo de 2% ao ano para pessoas possuem riqueza individual a partir de 1 bilhão de dólares americano. O estudo estima que o tributo deve garantir uma arrecadação global de 250 bilhões de dólares.

Entretanto, a embaixadora Tatiana Rosito ressalta que a posição do Brasil não pauta a implementação do imposto, mas propõe instrumentos de cooperação que facilitem a tributação em nível nacional. Ela considera que a experiência internacional com a taxação mínima de multinacionais, estabelecida pela OCDE e G20 em 2021, é um exemplo de cooperação exitosa para a tributação progressiva.

Além disso, Rosito também falou sobre a posição do Brasil em apoio aos países em desenvolvimento, com o aprofundamento da discussão sobre troca da dívida externa de países por investimentos em áreas específicas de desenvolvimento e da transição energética. 

Leia trechos da entrevista:

Um dos temas que mais se destaca na Trilha de Finanças é a discussão sobre tributação de super-ricos. Recentemente, a economista Esther Duflo (vencedora do Nobel) defendeu uma proposta um pouco diferente da apresentada por Gabriel Zucman, com maior foco para as mudanças climáticas, compensando países menos ricos. Como o Brasil se posiciona em relação a essa proposta?

Primeiro, a própria Esther Duflo e o Gabriel Zucman trabalham bastante em conjunto. No que diz respeito às receitas, a proposta dela é a mesma que a do Zucman, a única diferença é que ela foca mais na implementação. O que temos feito na área da tributação do G20 é dar destaque à importância da cooperação internacional, como a troca de informações financeiras de bens imobiliários, por exemplo. E com todos os instrumentos que possam facilitar o monitoramento e dificultar a evasão fiscal dos indivíduos super-ricos. 

Essa troca de informações já ocorre para empresas, agora, é preciso desenvolver mais instrumentos para facilitar a implementação de propostas futuras em nível nacional de taxação de super-ricos. No momento, não estamos tratando da implementação. No G20, não estamos negociando esse instrumento, nem estamos negociando um imposto global, como é a proposta do Zucman. O que fizemos foi trazer essas propostas para o centro do debate, com a possibilidade de usar o sistema internacional para a redução das desigualdades. 

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Se pensarmos em impostos nacionais, há uma facilidade de mudanças de residência para taxação, com indivíduos que podem comprar ou colocar bens em outros lugares, com investimentos distribuídos. Isso cria uma dificuldade para que as administrações tributárias possam medir e saber o que de fato ela pode arrecadar. Daí a importância de trazermos esse tema para o centro do debate.

No momento, o que fizemos foi dizer que é preciso usar a tributação para reduzir as desigualdades e que a cooperação internacional tem um papel fundamental nisso. Precisamos da troca de informações para melhor identificar e taxar, inclusive, indivíduos de alta renda. Isso é o que já fazemos para empresas. Algo que só foi possível porque todas as administrações concordaram com a troca de informações que permite evitar a evasão.

O que propomos, algo que o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad tem falado, é que o mundo precisa discutir, em um dos principais fóruns da cooperação internacional, a tributação progressiva. Houve o crescimento exponencial da renda de muitos indivíduos ao longo das últimas duas décadas, com maior concentração de renda e que seria importante uma taxação mais progressiva. Para fazer isso nacionalmente, é necessário que existam mecanismos de troca de informação. O que está em discussão é um consenso sobre a importância da progressividade e dos mecanismos de cooperação.

O ano de 2024 está sendo marcado por eleições, como nos Estados Unidos, Inglaterra, França, etc. Como a Fazenda avalia a possibilidade de interferência da política doméstica nas negociações do G20?

No G20, trabalhamos com os governos que estão ali representados. É claro que eleições e mudanças de governo podem influenciar as decisões dos países. Por exemplo, estamos trabalhando numa declaração sobre cooperação tributária internacional para a reunião ministerial de julho. Estão representados os países os governos instituídos e com eles negociamos.

Sobre a importância da tributação progressiva, o próprio ministro Haddad se pronunciou nesse mesmo sentido. Entretanto, internamente, a Fazenda tem discutido muito impostos regressivos, como no caso da reforma tributária. Como a senhora explica esse aparente descompasso: internamente se discute impostos regressivos e internacionalmente se fala de tributação progressiva?

Eu acho que é justamente o contrário, estamos discutindo impostos regressivos para aumentar a progressividade. As prioridades que o Brasil estabeleceu no G20 são consonantes com a agenda interna. Além disso, algumas das tributações propostas pela Fazenda, como a taxação dos fundos exclusivos e offshore, abarcam os indivíduos de alta renda. Também participamos de discussões na América Latina, no ano passado, na plataforma de cooperação na área tributária, em que também houve um endosso sobre a progressividade.

Nesse sentido, vejo uma convergência total. Há um acordo de que precisamos trabalhar para uma tributação mais progressiva para corrigir certas distorções no sistema, isso é o que também fazemos na reforma tributária.

Outra proposta da presidência brasileira é o apoio aos países em desenvolvimento, com substituição da dívida externa por investimentos. Gostaria que a senhora detalhasse a ideia. Quais os critérios e contrapartidas serão avaliados para esse tipo de concessão?

Essa troca de dívida por investimentos é o que chamamos no jargão, em inglês, de debt swaps. De forma geral, o Brasil tem propostas em que poderia se falar em troca de dívida por investimentos no desenvolvimento. Poderemos pensar na área da educação, da saúde, em projetos que levem investimentos no setor do clima. Temos alguns exemplos de iniciativas internacionais na troca de dívida por clima, como o caso de uma operação entre o BID e o Equador, com a garantia do banco da re-compra de títulos do Tesouro, com o diferencial entre os preços novos e antigos em um fundo para apoiar a preservação de Galápagos. Também há casos em Belize e em outros países da África. 

O mecanismo de troca de dívida por investimento não é algo novo na cena internacional, mas ganhou força com esses exemplos do clima. Na Trilha de Finanças do G20, estamos revitalizando a discussão em diversos grupos de trabalho, como na área de saúde. Nesse setor, existem experiências muito exitosas de uso dos swaps. Por exemplo, um país doador pode perdoar parte da dívida com a contrapartida de que o Estado devedor invista o recurso em saúde. 

No passado, isso era articulado por algumas instituições específicas, como o Fundo Global na área de saúde e pandemias. A Alemanha, por exemplo, designou parte dos seus recursos de assistência oficial ao desenvolvimento para esse tipo de troca de dívida por investimento em saúde. 

No G20, queremos revisitar as lições positivas e estruturar de forma mais clara esse mecanismo para que outros países possam utilizá-lo. Não se trata de uma solução global para as questões da dívida, é um instrumento adicional que pode ser muito útil, conferindo um incentivo para os países em muitas áreas com alívio na questão da dívida externa. Acreditamos que os debt swaps devem ser visitados e temos muito apoio no desenvolvimento desse tema nas discussões G20 e, mais amplamente, na agenda financeira internacional. 

Recentemente, foi anunciado que há consenso entre as delegações para a reforma dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento. Como essa proposta, defendida pelo Brasil, se articula com a promoção do Desenvolvimento Sustentável e da Transição Climática?

A discussão sobre reforma dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento ganhou muita centralidade pela brecha entre a ambição de recursos para o Desenvolvimento Sustentável estabelecido pelo Acordo de Paris e os recursos que temos hoje. Se há uma década pensávamos que, com alguns bilhões por anos, os países poderiam alcançar os objetivos do acordo sustentável, hoje os investimentos anuais dos países em desenvolvimento são da ordem de 3 a 4 trilhões ao ano para permitir investimentos em diversas áreas para o enfrentamento das emergências.

Há uma agenda de desenvolvimento muito ampla que não se encontra em um bom caminho, com aumentos, nos anos recentes, nas taxas de pobreza e fome no mundo – os primeiros Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 1 e 2. Como dizemos, o mundo não está nos trilhos para alcançar a maior parte dos ODS de 2030. Precisamos de mais recursos em todas as frentes, domésticos e internacionais. Além disso, a emergência climática é vista como um desafio financeiro e da organização dos países. 

No caso dos bancos, se trata de agentes tradicionais que podem prover recursos financeiros como conhecimento e assistência técnica para os desafios tradicionais e também para questões globais, como clima, pandemia e outros. A reforma dos bancos deve alavancar recursos e fazer com que eles operem de forma mais eficiente, com mais velocidade, gerando impacto nas áreas que desejamos, com um alinhamento entre as operações das instituições.

Além disso, precisamos fazer com que os programas e projetos possam atrair mais capital privado. Há uma percepção de que somente as fontes oficiais de recursos domésticas ou internacionais são incapazes de financiar os trilhões que precisamos. Grande parte desses recursos virá do setor privado. Então, como desenhar mecanismos de mitigação de risco que permitam ampliar os recursos públicos e privados para financiar a transição climática. 

No grupo de Finanças Sustentáveis, uma das grandes prioridades é a reforma dos fundos multilaterais do clima. Como, por exemplo, o fundo global do clima, o fundo do meio ambiente e os fundos de adaptação. Nesse sentido, estamos promovendo uma revisão independente, para que os recursos concessionais desses fundos possam ser direcionados de forma mais ágil para a transição climática e os desafios ambientais.

Voltando ao tema da cooperação tributária internacional, a senhora já havia comentado sobre a tributação das multinacionais estabelecida pelo G20 e a OCDE, como a experiência com esse acordo pode servir para avançar as negociações sobre tributação progressiva em 2024?

Ajuda bastante por ser um exemplo de como a cooperação Internacional na área tributária pode chegar a resultados concretos. Foi um esforço de muitos anos do projeto da OCDE chamado de Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), que visa atacar a erosão da base fiscal e a baixa tributação dos lucros pelas possibilidades de evasão. Hoje, esse projeto não abarca apenas uma cooperação com o G20, é uma solução que envolve 140 países.

Depois quase dez nos de negociação, houve um avanço no consenso sobre a tributação mínima, que já está sendo implementada pelos países. Esse foi um exemplo importante porque mostra que a cooperação tributária também pode avançar, por exemplo, na área da taxação de indivíduos de alta renda. É uma negociação que pode começar por princípios e, em alguns anos, chegar a resultados concretos.

Há seis anos, no início das discussões do Pilar 2, ninguém imaginava chegaríamos com um acordo de taxação mínima das multinacionais. O diálogo e a cooperação na área tributária fizeram com que os países entendessem que era mais benéfico um acordo para evitar a guerra fiscal tributária. Muitas vezes falamos em guerra fiscal entre os estados da federação, com redução de impostos para atrair investimentos. Isso também ocorre no âmbito internacional, em que há países com tributação favorecida que praticamente não possuem impostos sobre a renda.

Hoje, essa prática é desincentivada, com a ideia de que se possa eliminar as áreas de tributação favorecida. O que permite que os países possam implementar impostos mínimos, sem que os investimentos sejam atraídos para outras áreas que não cobram impostos.