Está em trâmite no Senado o Projeto de Lei Complementar 125/2022, que estabelece normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres dos contribuintes, e, dentre outras disposições, traz normas com o intuito de desestimular a prática de atos e negócios jurídicos tidos por contrários à lei, realizados através de planejamentos tributários.
É importante lembrarmos que o planejamento tributário mediante a redução da carga tributária antes da ocorrência do fato gerador é lícito, sendo denominado elisão fiscal. De outro lado, quando há a prática de atos ilícitos, tais como fraude, sonegação, simulação, concomitante ou posterior à incidência tributária, visando esquivar-se ao pagamento de tributos de forma abusiva, temos a chamada evasão fiscal.
Mas a dificuldade de se analisar os planejamentos tributários encontra-se quando estamos no limbo entre a elisão e a evasão fiscal, isto é, quando trazemos à baila a discussão quanto à necessidade (ou não) de verificação da presença do propósito negocial e da sua oponibilidade (ou não) ao fisco. Assim, quando o negócio jurídico é realizado com aparente legalidade, mas a sua causa ou motivação é artificial, com único intuito de se obter vantagens econômicas, temos o que alguns definem por elusão fiscal, que seria uma terceira categorização de planejamento tributário.
O citado PLP 125/22, visando combater os planejamentos tributários agressivos, realizados por meio de evasão ou elusão fiscal, dispõe que quando comprovado mediante processo administrativo definitivo, que o contribuinte praticou atos abusivos, este será considerado devedor contumaz.
Dentre as práticas tidas por abusivas pelo PLP 125/22 registre-se a falsificação de documentos, a simulação ou dissimulação de atos e negócios jurídicos com intuito de promover fraudes, a constituição de quadro societário ou indicação de representação legal por interposta pessoa e a realização de operações societárias sem propósito negocial, com intuito de fraude ou com propósito de burlar a fiscalização ou afastar a cobrança de débitos fiscais.
As consequências de o contribuinte ser considerado devedor contumaz, caso o PLP 125 entre em vigor tal nesses termos, são bastante duras, ficando este impedido de gozar de benefícios fiscais federais, estaduais e municipais, de realizar o parcelamento de débitos, de ter a remissão ou anistia de dívidas, de utilizar-se de créditos de prejuízo fiscal ou de base negativa da CSLL e, ainda, de propor recuperação judicial ou de nela prosseguir, motivando a convolação da recuperação judicial em falência, com a baixa da sua inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) de ofício, assim como dos terceiros beneficiários.
Ainda, em algumas hipóteses, a declaração do contribuinte como devedor contumaz poderá se dar por presunção, como é o caso, por exemplo, da utilização de países ou dependências cuja legislação não permita acesso às informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, a sua titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.
O PLP 125 prevê o contraditório através de um procedimento administrativo, mas dispõe que este dependerá de regulamentação infralegal pelos órgãos das Fazendas federal, estadual e municipal, podendo ser aplicado, subsidiariamente, o rito da Lei 9.430/99 (no âmbito federal).
Ainda, o projeto dispõe que as restrições impostas ao devedor contumaz e aos terceiros beneficiários a ele relacionados cessarão com o pagamento integral das dívidas, o que vem ao encontro do posicionamento atual do STF de que o pagamento ou parcelamento das dívidas tributárias impede o ajuizamento da ação penal. Todavia, isso deixa claro que o intuito precípuo é a arrecadação e não necessariamente a mudança de postura dos contribuintes que praticam planejamentos tributários agressivos.
Alguns tributaristas têm visto estes dispositivos com uma certa apreensão. Primeiro pela ausência de regramento claro quanto ao procedimento administrativo a ser adotado para a declaração do devedor como contumaz, o que ficará na dependência lei ordinária futura. Em segundo, em relação às hipóteses configuradoras da elusão fiscal, em especial quanto à análise do propósito negocial e do abuso do direito e das formas nas operações societárias, pois estas são questões subjetivas e controvertidas, que deveriam ser melhor delineadas pelo nosso ordenamento jurídico, haja vista que as consequências são graves e, por vezes, determinantes para a manutenção ou não da atividade empresarial.
Recentemente, o STF teve a oportunidade de analisar o tema, ao concluir o julgamento da ADI 2.446, na qual se questionava a validade da norma contida no parágrafo único do art. 116 do CTN, ao permitir às autoridades fiscais desconsiderar atos praticados com finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, entendendo a Corte pela constitucionalidade dessa norma.
Todavia, o voto condutor da ministra relatora Cármen Lúcia, na citada ADI 2.446, tratou da norma sob o prisma de combate à evasão, deixando evidente que o pano de fundo de sua análise era a dicotomia entre elisão e evasão fiscal, não se aprofundando no debate atual quanto às hipóteses da elusão fiscal, ou seja, quanto à oponibilidade ao fisco dos negócios jurídicos com intuito eminentemente econômico e da ausência do propósito negocial.
Parcela da doutrina defende que devido à ausência de previsão expressa em lei contrariamente ao planejamento tributário realizado com intuito exclusivamente econômico, este poderia ser oponível ao fisco. Contudo, há quem defenda que o abuso das formas jurídicas é inoponível ao fisco, por comprometer o ordenamento jurídico como um todo.
A corrente que defende que a ausência de propósito negocial configuraria o planejamento como abusivo, e, portanto, ilícito, se apoia no princípio da capacidade contributiva e no dever fundamental de pagar tributos, com vistas aos aspectos morais, sociais e concorrenciais.
No panorama internacional muito se discute sobre os planejamentos tributários realizados de forma fraudulenta ou com intuito exclusivamente econômico e seus impactos na sociedade. Estima-se que, anualmente, os planejamentos tributários agressivos realizados por multinacionais sejam responsáveis por uma perda tributária de US$ 100 bilhões a US$ 240 bilhões.
Com base nestes estudos, os países do G20, em conjunto com a OCDE, criaram o Projeto BEPS (Base Erosion Profit Shifting) com intuito de combater a evasão fiscal e os planejamentos tributários agressivos realizados por meio de transferência artificial de lucros para países com baixa tributação. Logo, tendo o Brasil interesse em integrar a OCDE, é necessária sua adequação ao panorama mundial para acolhimento das recomendações expostas no âmbito do BEPS.
Desta forma, é patente a necessidade de regulamentação do parágrafo único do art. 116 do CTN, de modo a repelir a prática de atos e negócios jurídicos abusivos, mas é importante que o PLP 125/22 seja claro quanto às hipóteses de elusão fiscal e sua oponibilidade ou não ao fisco, bem como quanto ao direito ao contraditório do contribuinte no processo de declaração de sua contumácia, para que esta norma seja eficaz no combate aos planejamentos tributários abusivos.