Por se tratar da forma de atividade rural mais explorada no Brasil, o presente artigo analisará os possíveis impactos da reforma tributária, no âmbito do consumo, conforme os enunciados da PEC 45/2019, para o produtor rural que mantém sua tributação como pessoa física.
Inicialmente, há de se esclarecer que a reforma tributária que tramita atualmente em processo legislativo, objeto do presente artigo, não se refere à tributação da renda (Imposto de Renda) ou das demais contribuições incidentes sobre a atividade rural do produtor pessoa física (Funrural, Senar, RAT, Incra e Salário-Educação).
A potencial reforma tributária, em relação a estes tributos, que compõem a parcela significativa da tributação rural do produtor pessoa física, ainda é incipiente e deverá ser acompanhada, com atenção, no decorrer dos próximos anos.
A reforma tributária, em comento, tem como foco o consumo e o patrimônio, tendo como objeto:
A substituição da contribuição ao PIS e da Cofins (pela CBS); do ICMS e do ISS (pelo IBS), do IPI (pelo IS);
Ampliação na base de incidência do IPVA;
Alteração na alíquota do ITCMD;
Criação de uma Contribuição Estadual e Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (CIDE) sobre importação, produção ou comercialização de bens que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus.
Atualmente, a tributação do consumo e do patrimônio para a atividade rural do produtor rural pessoa física abrange o ICMS, IPVA, ITCMD e as contribuições aos Fundos Estaduais ou Taxas. O produtor rural pessoa física não é tributado pela contribuição ao PIS e da Cofins.
No regime tributário atual, ao que se refere ao ICMS, em função da sua seletividade, a mercadoria é tributada de acordo com sua essencialidade, assim, quanto mais imprescindível for o produto, menor será a alíquota ou a base de cálculo. Tais regramentos, para o agronegócio, estão previstos nos Convênios ICMS 52/1991 e 100/1997, que reduz a base de cálculo para saídas interestaduais de insumos agropecuários, tais como sementes, herbicidas e adubo, dentre outros.
Havendo, ainda, as hipóteses de isenções nas saídas internas de leite cru, pasteurizado ou reidratado ou saídas de gado, coelho e aves para abate, previstas no RICMS/SP. Bem como, o direito ao crédito de ICMS, por meio do sistema e-CredRural, além das hipóteses de diferimento do imposto, indispensáveis para as transações e a logística da produção rural.
No âmbito do ITCMD, os percentuais de alíquota podem atingir o máximo de 8% (consoante a Resolução 9/1992). São cobrados pelo Estado onde se processa o inventário ou onde está localizado o imóvel. Em São Paulo, a alíquota única aplicada é de 4%, mas há outros Estados, como em Santa Catarina, que já aplicam a alíquota de 8%, e, outros que possuem alíquotas progressivas como a do Mato Grosso, e outros com alíquotas diferenciadas para antecipação de legítima e herança, como o Mato Grosso do Sul.
Em relação ao IPVA, suas alíquotas são aplicadas de forma específica por cada Estado e são diferenciadas em função do tipo e da utilização do veículo, não incidindo sobre tratores, aeronaves e máquinas agrícolas. Em 2023, por exemplo, prevaleceu em São Paulo a alíquota de 2% para caminhonetes e 1,5% para caminhões, veículos muito utilizados no agronegócio.
Consoante o texto da PEC 45/2019 aprovado pelo Senado que retornou para a Câmara dos Deputados para nova votação, o ITCMD passa a ser competência do Estado em que o de cujus era domiciliado. Essa mudança poderá fomentar uma mudança de domicílio para locais com percentual de alíquota menor.
Importante observar que a alteração de domicílio deve ser de forma definitiva, caso contrário, poderá estar sujeito a questionamentos por parte das autoridades fiscais. Outra mudança é a progressividade que passará a ser obrigatória, em razão do quinhão ou do legado.
O IPVA passa a incidir sobre veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, excetuados as aeronaves agrícolas, embarcações de pessoa física que pratique pesca industrial, tratores e máquinas agrícolas. Não abarcou as caminhonetes ou os caminhões muito utilizados pelos produtores rurais pessoas físicas. Além disso, o IPVA passará a ter alíquotas diferenciadas em relação ao tipo, valor, utilização e impacto ambiental, o que hoje não é previsto.
O produtor rural pessoa física que obtiver receita anual inferior a R$ 3.600.000,00, atualizada anualmente pelo IPCA, poderá optar por ser contribuinte da CBS e do IBS. Caso não opte por ser contribuinte, o adquirente de seus bens e seus serviços terão direito a um crédito presumido.
Esse crédito presumido tem como objetivo permitir a apropriação de créditos não aproveitados pelo produtor rural não contribuinte e poderá ser revisado anualmente. Importante destacar que o crédito presumido será menor que o crédito ordinário, o que pode forçar o produtor rural pessoa física a optar por ser contribuinte dos novos tributos para obter um melhor preço na venda dos seus produtos ou serviços.
Com isso, o produtor rural pessoa física deverá ter que atender a obrigações acessórias que culminarão em maior burocracia e custos administrativos, o que é contrário ao que ficou estabelecido em relação aos critérios para obrigações acessórias que deveriam visar sua simplificação.
Outro ponto de atenção em relação ao IBS e CBS é a não incidência sobre as exportações, assegurado ao exportador a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos às operações em que seja adquirente de bens. Esse benefício de manutenção do crédito não está expresso em relação às exportações indiretas que são as mais comumente adotadas pelo produtor rural pessoa física. Essa escolha serve para evitar burocracias vinculadas à exportação, ou seja, quando o produtor rural pessoa física exporta, o faz através de uma trading ou terceiro.
Vale destacar que os percentuais de alíquotas tanto da CBS como do IBS não estão determinados na PEC, nem mesmo um limite. Como o produtor rural pessoa física atualmente não está sujeito à contribuição ao PIS e da Cofins, bem como o ICMS incidente, e está envolto em benefícios fiscais, a depender do percentual da alíquota da CBS e do IBS, poderá resultar em um aumento significativo da carga tributária.
O desconhecimento do percentual pode significar acréscimo mesmo com a redução de alíquota de 60% prevista para os alimentos destinados ao consumo humano; produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; insumos agropecuários e aquícolas. Podendo essa redução de 60% ser aumentada para 100% para os produtos hortícolas, frutas e ovos.
Esse aumento não ocorrerá em relação aos produtos constantes da Cesta Básica Nacional de Alimentos, a qual foi criada e considerará a diversidade regional e cultural de alimentação do país e garantirá uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada, em consonância com o direito à alimentação previsto no art. 6º da Constituição Federal.
Os produtos que comporão essa cesta serão definidos em Lei Complementar e terão as alíquotas tanto da CBS como do IBS reduzidas a zero. Além da Cesta Básica Nacional, foi criada a Cesta Básica estendida com outros alimentos, em que se aplicarão também a redução à alíquota zero.
Além disso, a compensação dos créditos pagos na etapa anterior será determinada por Lei Complementar, que pode vincular à verificação do efetivo recolhimento. Essa verificação implica em mais uma ação nova que o produtor rural pessoa física hoje não tem. Ainda em relação ao crédito, caso o produtor rural pessoa física opte em ser contribuinte e acumule créditos, não estão estipulados na PEC a forma e prazo para ressarcimento desses créditos, que ficou a cargo também da Lei Complementar. Nesse mesmo patamar de preocupação, encontra-se a devolução desses tributos a pessoas físicas com objetivo de reduzir as desigualdades de renda.
Essas são as considerações preliminares em relação à CBS e ao IBS, com vigência prevista para 2026, cujo período de transição ocorrerá até 2033.
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Este artigo é parte integrante da série “A reforma tributária por elas”. A série, sob a coordenação de Luiza Leite, faz parte do projeto “Mulheres no Tributário”