Impactos da reforma tributária no setor de saneamento básico

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A versão da Proposta de Emenda à Constituição para a reforma tributária dos tributos sobre o consumo (PEC 45/2019) que foi promulgada pelo Congresso Nacional traz mudanças em relação ao texto votado pelo Senado Federal, dentre eles, a redução dos setores que se beneficiariam de um regime específico de tributação a ser especificado por lei complementar. Uma emenda aprovada no Senado ao projeto original da Câmara havia incluído os serviços de saneamento no regime que prevê alíquota menor dos dois tributos sobre o consumo que serão criados (CBS e IBS). No entanto, a emenda foi rejeitada no relatório final da Câmara, tendo ficado de fora do texto final que foi aprovado e promulgado no dia 20.

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Dentre outros setores que foram retirados do regime especial, os serviços públicos de saneamento básico atualmente são tributados em patamares abaixo das alíquotas previstas para a regra geral aprovadas com a reforma. Atualmente, o setor tem uma tributação peculiar na qual incide a cobrança de PIS/Cofins não cumulativo, com uma alíquota de 9,25%, estando isento dos atuais ICMS e ISS. Com a expectativa de um novo IVA entre 25% e 27%, a carga tributária aumentaria significativamente.

Considera-se ausente de controvérsias o direito de operadores privados detentores do direito de exploração dos serviços por meio de contratos de concessão e PPPs terem uma compensação pelos impactos de aumento da carga tributária. Isso se dá em função do artigo 9º, §3º, da Lei de Concessões (Lei Federal 8.987/1995), que indica que “ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso”. Mesmo que o direito de prestadores públicos a uma compensação não tenha o mesmo fundamento normativo, não é raro que as normas regulatórias a que são submetidos e as disposições dos próprios contratos de programa contenham uma abertura para que a prestação seja realinhada diante do novo cenário.

De toda sorte, não é pelo fato de a legislação mencionar apenas a “revisão da tarifa” como forma de reequilíbrio que a mitigação dos impactos da reforma tributária nos serviços de saneamento ser dará necessariamente por uma majoração tarifária. Em verdade, não apenas em relação aos desequilíbrios decorrentes de alteração na legislação tributária, mas, no geral, a legislação de concessões e PPPs ignora todos os demais modos pelos quais é possível levar os contratos à condição de equilíbrio econômico e financeiro existente antes da ocorrência do evento que os desequilibraram, tais como a extensão de prazo, a redução ou reprogramação de investimentos, o pagamento direto pelo contratante ou abatimento de eventual pagamento de outorga, ou mesmo a redução do nível de serviço ou quaisquer formas admitidas em direito para o pagamento de uma dívida contratual, que é a natureza jurídica do desequilíbrio econômico-financeiro de um contrato de concessão ou PPP.

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O receio do setor é que as entidades contratantes e agências reguladoras responsáveis por decidir os futuros pleitos de reequilíbrio não promovam essa compensação de forma efetiva. Em particular, que não promovam o reequilíbrio de forma tempestiva e completa (ou seja, sob o aspecto econômico e também sob o aspecto financeiro), tendo como principal efeito uma redução drástica da disponibilidade de caixa do prestador dos serviços. Essa piora dos níveis de liquidez tem como consequência a redução da capacidade de investimento, o que é absolutamente contrário à lógica do Novo Marco Legal do Saneamento e à realidade de um setor que sofre criticamente com níveis de subinvestimento e está em busca de reverter esse quadro até 2033, com a imposição de metas ousadas de atendimento dos serviços de água e esgoto.

Uma das soluções possíveis para que sejam contornadas as consequências deletérias da reforma tributária no setor – seja o “tarifaço”, seja o reequilíbrio inefetivo (incompleto ou intempestivo) – é a adoção de mecanismos de reequilíbrio provisórios e precários, que deverão incidir enquanto se discute o cálculo do montante final a ser reequilibrado e a forma de reequillíbrio. Eles podem consistir no abatimento de valores devidos pelo particular ao poder público (como pagamento de outorga ou outras taxas setoriais), apropriação pelo particular de parcela das receitas acessórias que seria originalmente do ente público ou, nos projetos em que a empresa estatal é mantida nos serviços upstream, é também possível que as condições desse fornecimento de água pela estatal ao particular concessionário estabelecidas em contrato coligado ao de concessão ou PPP sejam utilizadas para realizar essa compensação provisória e precária. Em caso de diferença entre o montante reequilibrado a título provisório e o obtido na decisão final de julgamento dos pleitos, devem ser feitos os ajustes correspondentes. Esses mecanismos têm também como efeito atenuar o acúmulo desse saldo de desequilíbrio a ser compensado.

Esses reequilíbrios provisórios e precários são medidas adequadas para preservação de todos os interesses dos contratos de concessão e PPP: tanto do particular, que tem o direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro garantido de forma efetiva, mas igualmente dos usuários que não são impactados com uma majoração tarifária relevante e também do poder público, que não sofre com a deterioração da qualidade dos serviços prestados no caso de reequilíbrios inefetivos.