Impactos da reforma do contencioso tributário na modulação de efeitos

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O contencioso tributário, atualmente, é um instrumento muito utilizado pelos contribuintes, especialmente no que diz respeito à recuperação de tributos pagos indevidamente, gerando um elevado índice de ajuizamento de ações judiciais. Como consequência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) frequentemente se manifestam sobre essas questões em sede de recursos repetitivos e de repercussão geral, respectivamente, para uniformizar o entendimento, conforme disposto no artigo 1.036 do CPC.

Isto é, quando o tema é relevante para os contribuintes e impacta diretamente a gestão e arrecadação tributária, os tribunais superiores se manifestam por meio de mecanismos que garantem a uniformização dos entendimentos. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), em questões de natureza infraconstitucional, alguns recursos são selecionados como “representativos de controvérsia” e julgados sob o regime de recurso repetitivo. O entendimento consolidado nesses julgamentos vincula todas as ações judiciais relacionadas ao tema, assegurando aplicação uniforme da decisão.

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De maneira similar, o Supremo Tribunal Federal (STF) adota o instituto da repercussão geral para tratar de questões constitucionais. Nesse procedimento, é escolhido um “leading case” cuja decisão, ao ser proferida, também vincula todas as ações judiciais conexas, promovendo tratamento uniforme e previsibilidade nas demandas relacionadas à matéria.

Nos referidos julgamentos, os tribunais superiores, ao proferirem seus entendimentos, podem aplicar a chamada “modulação de efeitos”, instrumento previsto no artigo 927, §3º, do Código de Processo Civil. A modulação consiste na limitação temporal dos efeitos da decisão, geralmente adotada em situações que envolvem jurisprudência consolidada favorável ao contribuinte e julgamento vinculante em sentido contrário, ou vice-versa, buscando minimizar os impactos decorrentes da mudança no entendimento jurídico sobre o tema.

Um exemplo emblemático é o julgamento do Tema 69 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, em que foi decidido que os contribuintes que poderiam recuperar os 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação (prazo quinquenal), eram aqueles que tivessem feito o ajuizamento até o dia do início do julgamento, de modo que, os que o fizessem após o início do julgamento, poderiam recuperar o montante indevidamente pago àquele título apenas a partir dessa data.

Com o tempo, verificou-se um aumento significativo de litígios ajuizados às vésperas de julgamentos relevantes, com o objetivo de assegurar o direito à prescrição quinquenal. Importa destacar que os contribuintes, ao ajuizarem tais ações, limitaram-se a adaptar suas condutas aos parâmetros estabelecidos pelas próprias Cortes Superiores, que, ao deixarem de definir critérios claros sobre os limites da modulação, criaram um cenário de incerteza jurídica, dificultando a elaboração de estratégias que permitissem aos contribuintes atuar de forma segura e dentro das condições impostas, ou, ao menos, garantir a preservação de seus direitos.

Contudo, em resposta a essa distorção originada pelas próprias Cortes e com o intuito de conter a vitória dos contribuintes em multiplicidade de demandas, os tribunais superiores passaram a adotar critérios mais rigorosos e, em certos casos, cumulativos, o que resultou em uma maior restrição e, em algumas situações, na inviabilização da recuperação de valores por contribuintes que não cumprissem, de forma estrita, as condições estabelecidas.

A título exemplificativo, no julgamento do Tema 1.079, em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condicionou o direito à recuperação de valores ao cumprimento de dois requisitos cumulativos: o ajuizamento da ação antes do início do julgamento vinculante e a existência de decisão favorável ao contribuinte no processo.

Diante do cenário exposto, o crescimento exponencial do contencioso tributário e os descompassos decorrentes impulsionaram o surgimento de iniciativas voltadas à reforma do sistema, entre as quais se destaca o Projeto de Lei Complementar nº 125/2022. Apresentado em 2022, o referido projeto visa estabelecer normas gerais que regem os direitos, garantias e deveres dos contribuintes, com a promessa de promover maior previsibilidade e uniformidade nas relações tributárias.

Uma das previsões mais relevantes do projeto diz respeito à modulação dos efeitos, que, por meio do artigo 18, estabelece:

“Após a afetação do tema ao rito dos recursos repetitivos ou ao regime da repercussão geral, será suspenso o julgamento da questão de direito material controvertida submetida ao contencioso administrativo ou judicial, bem como serão extintas, sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, enquanto não houver o trânsito do precedente qualificado, novas ações judiciais que forem propostas envolvendo o mesmo assunto.”

Tal disposição representa uma mudança substancial na dinâmica do contencioso tributário, ao impor restrições significativas à propositura de novas ações judiciais que envolvam matérias pendentes de julgamento em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal ou em regime de recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça. Enquanto o objetivo declarado é evitar a proliferação de litígios sobre temas já submetidos a análise superior e promover maior segurança jurídica, os impactos práticos sobre os contribuintes podem ser severos.

Isso porque, o não ajuizamento da ação judicial previamente a submissão da matéria às Cortes Superiores, pode gerar a suspensão dos julgamentos e a extinção de processos, sem resolução de mérito, por suposta ausência de interesse processual, criando barreiras que impedem os contribuintes de reivindicar valores que lhes são de direito, especialmente em situações em que a legislação discutida foi declarada ilegal ou inconstitucional, comprometendo a segurança jurídica e inviabilizando a defesa de direitos.

Ademais, a exigência de que as discussões sejam iniciadas antes da afetação do tema aos ritos repetitivos ou de repercussão geral pode acarretar um efeito oposto ao desejado, incentivando os contribuintes a ajuizarem ações preventivamente em relação a toda e qualquer controvérsia tributária, para evitar prejuízos decorrentes de possíveis limitações processuais futuras, o que não apenas sobrecarrega o sistema judicial, mas também eleva os custos e a complexidade para os contribuintes.

Ainda, a proposta de modulação de efeitos nos moldes do artigo 18, levanta preocupações quanto à possibilidade de tratamento desigual entre contribuintes. Uma vez que, aqueles que ajuizaram ações antes da afetação do tema podem ser beneficiados, enquanto os que não o fizeram, por razões alheias à sua vontade, podem ser severamente prejudicados. Essa diferenciação compromete os princípios da isonomia e da ampla defesa, que são pilares fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.

É inegável que o Projeto de Lei Complementar nº 125/2022 reflete a busca por soluções que mitiguem os efeitos do crescimento desenfreado do contencioso tributário e promovam maior uniformidade nas decisões. Contudo, é imprescindível que as propostas legislativas garantam um equilíbrio adequado entre a necessidade de eficiência do sistema e a proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes. Neste sentido, cabe uma reflexão aprofundada sobre os impactos do artigo 18 e a eventual necessidade de ajustes para que seus objetivos sejam alcançados sem sacrificar garantias constitucionais.

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Em que pese todos os apontamentos críticos ao Projeto de Lei Complementar nº 125/2022, é fato que este já se encontra em tramitação no Congresso Nacional, aguardando análise pelas comissões competentes antes de ser submetido à deliberação no plenário. Em dezembro de 2024, o Senado aprovou um requerimento de urgência para a votação do PLP 125/2022, sinalizando que a matéria deve ser apreciada nas sessões deliberativas subsequentes, o que reforça a iminência de reformas significativas no contencioso tributário brasileiro.

Diante desse cenário, é indispensável que os contribuintes adotem uma postura estratégica e bem fundamentada para lidar com as mudanças legislativas trazidas pelo Projeto de Lei Complementar nº 125/2022 e outros projetos que visam reformular o contencioso tributário. Como forma de proteção, recomenda-se que as discussões tributárias sejam iniciadas em fases preliminares, antes que os temas sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, mitigando os riscos de modulação de efeitos que possam restringir direitos. Tal posicionamento é determinante para resguardar direitos, assegurar a recuperação de valores devidos e evitar entraves processuais que poderiam comprometer a defesa.

Antecipar-se às mudanças é a única maneira de se preparar adequadamente para o novo cenário jurídico-tributário que se aproxima com força e impacto iminente.