Em setembro de 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Agenda 2030 como um abrangente plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade, orientado ao fortalecimento da paz universal em um contexto de ampliação das liberdades fundamentais.[1]
Entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pactuados pela comunidade internacional, destacamos neste texto o ODS 5: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Nele foram estabelecidas metas específicas, como a eliminação das formas de discriminação contra mulheres e meninas e a adoção e o fortalecimento das políticas e da legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero.
Dados divulgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) demonstram que, desde 2020, tramitaram 118 processos judiciais classificados como ações de controle concentrado ou como recursos com repercussão geral reconhecida vinculados ao ODS de igualdade de gênero. Desses processos, 35 ainda aguardam finalização.[2]
Dos diversos temas tratados nas ações submetidas a exame do STF, alguns estão diretamente relacionados às garantias de igualdade material entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Nas ADIs 7.612 e 7.631 e na ADC 92, põe-se em discussão a constitucionalidade da Lei 14.611/2023. Os dispositivos foram regulamentados pelo Decreto nº 11.795/2023 e pela Portaria MTE 3.714/2024, igualmente impugnados
A lei questionada estabelece medidas voltadas a assegurar a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, em vários eixos, como a transparência salarial, a fiscalização, a previsão de canal de denúncias, a promoção de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho, e o fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
Outra importante previsão da lei é a determinação de publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados.
Como demonstra a Advocacia-Geral da União na defesa judicial da constitucionalidade do conjunto normativo impugnado, a legislação é plenamente consentânea com a livre iniciativa, a livre concorrência e a proteção de dados pessoais, revelando-se fundamental para efetivar a garantia de igualdade material de gênero.
Dados apresentados na manifestação demonstram que, apesar de a igualdade salarial de gênero ser um direito previsto no art. 7º, XXX, CF/88, ainda é um problema persistente no Brasil.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)[3], no 4º trimestre de 2023, as mulheres ganhavam 22,3% a menos que os homens. As mulheres em cargos de diretoria ou gerência ganhavam, em média, 29,5% a menos que seus colegas homens.
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O Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2023 (Global Gender Gap Report 2023)[4], elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que analisa continuamente a igualdade de gênero em 102 países desde 2006, destaca que, com a atual velocidade de progresso, seriam necessários 131 anos para se alcançar a paridade entre homens e mulheres no mundo.
A defesa judicial das políticas públicas que visam a acelerar a consecução dos direitos constitucionalmente assegurados às mulheres demonstra como a atuação da advocacia pública é capaz de transformar o compromisso constitucional de igualdade em efetividade normativa.
A importância da advocacia pública na promoção da defesa das mulheres no mercado de trabalho também é evidenciada na sua atuação a partir do julgamento do Tema 1.072 (RE 1.211.446), que versou sobre a concessão de licença-maternidade à mãe não gestante, em casal homoafetivo feminino, em caso de gestação por fertilização in vitro.
Ao reconhecer que a parentalidade e a proteção à maternidade não podem ser submetidas a modelos familiares excludentes, o STF fixou a seguinte tese: “A servidora pública ou a trabalhadora regida pela CLT não gestante em união homoafetiva têm direito ao gozo da licença-maternidade. Caso a companheira tenha usufruído do benefício, fará jus a período de afastamento correspondente ao da licença-paternidade”.
O impacto transformador desse julgamento dependia, contudo, de sua efetiva internalização pela Administração Pública. A Advocacia-Geral da União exerceu importante papel ao emitir parecer jurídico vinculante, aprovado pelo presidente da República, determinando que todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal devem observar e cumprir imediatamente a tese fixada pelo STF.[5]
A desigualdade de gênero há de ser encarada não como uma questão individual, mas como um problema público, a exigir um compromisso institucional de todos os órgãos essenciais à justiça para a sua solução.
Em uma sociedade ainda marcada por profundas desigualdades, a defesa dos direitos das mulheres é a reafirmação de um projeto democrático comprometido com a promoção da justiça social. Ao adotar essa visão, a advocacia pública configura-se como agente indispensável à realização de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no marco da Agenda 2030 e no seu objetivo de alcançar a igualdade de gênero.
[1] Transformando o nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. United Nations. Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://sdgs.un.org/2030agenda .
[2] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/hotsites/agenda-2030/ .
[3] Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2024/mulheres2024.pdf .
[4] Disponível em: https://movimentomulher360.com.br/wp-content/uploads/2023/06/WEF_GGGR_2023.pdf .
[5] Parecer nº JM-09 de 17 de fevereiro de 2025, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 00907/2024/GAB/CGU/AGU, o Parecer nº 00024/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AGU/Pareceres/2023-2026/PRC-JM-09-2025.htm .