Passados mais de seis meses da promulgação da Emenda Constitucional 132, em dezembro de 2023, que alicerçou a primeira grande reforma tributária do século, observa-se o avanço nas propostas de regulamentação, especialmente no que diz respeito aos novos tributos sobre operações de consumo – o Imposto e a Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS e CBS, respectivamente).
Enquanto progride a tramitação da regulamentação proposta pelo governo (PLP 68/2024), recém-aprovada pela Câmara dos Deputados, algumas diretrizes sobre o IBS e a CBS já estão se firmando.
Um dos grandes pilares do novo sistema representado pelo IBS e pela CBS (não sendo pertinente a este estudo o novo Imposto Seletivo – IS) é a simplificação da tributação do consumo. Serão eliminados os tributos hoje existentes (ICMS/ISS/PIS/Cofins e, substancialmente, o IPI), concluindo-se por um modelo que, dividido em dois tributos, trará uniformidade quanto às suas principais características (fato gerador, base de cálculo etc.).
Chama atenção outro aspecto dessa reunião da tributação do consumo apenas no IBS/CBS: a abrangência da nova tributação, que passa a abarcar as operações envolvendo direitos em geral, inclusive situações que hoje não são atingidas por todos os tributos vigentes sobre consumo – caso de alienação, locação ou arrendamento de imóveis, hoje alheios à incidência de ICMS, ISS, IPI, e sujeitos apenas à contribuição ao PIS e à Cofins.
De fato, a regulamentação proposta prevê a incidência do IBS e da CBS sobre alienação de bens imóveis e atos translativos ou constitutivos de direitos reais sobre imóveis (atualmente sujeitos ao imposto municipal sobre operações onerosas com imóveis – ITBI), que serão objeto da presente análise, dentre alguns outros fatos geradores.
Nesse contexto, surge a dúvida: com a incidência do IBS e da CBS sobre operações onerosas envolvendo imóveis, o que os contribuintes devem esperar? Como se relacionam IBS, CBS, ITBI? Haverá aumento de carga? É o que se propõe discutir.
Panorama na Constituição Federal
Até a promulgação da EC 132, a Constituição Federal atribuía aos municípios a competência tributária sobre “transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.
A EC 132 incorporou à Constituição a previsão do IBS – de competência compartilhada entre estados, Distrito Federal e municípios; e da CBS – de competência da União.
Pretende-se que os dois tributos sejam substancialmente equivalentes. Na prática, a principal diferença entre ambos é seu sujeito ativo, além das regras quanto à repartição do resultado da arrecadação.
Reforça-se que, após um período de adaptações em 2026, a CBS entrará em vigor a partir de 2027, e o IBS a partir de 2029, ainda que com alíquotas reduzidas e convivendo com ICMS e ISS até 2032.
Portanto, uma primeira conclusão é a de que operações onerosas com imóveis passam a ser tributáveis por todos os entes federativos, por meio do IBS e da CBS, conforme o caso. Muda-se, portanto, o cenário de repartição de competências tributárias na Constituição.
Não se está aqui a questionar eventual bis in idem, visto que já existem diversas “intersecções tributárias” no modelo atual legítimas constitucionalmente. Não obstante, cabe buscar compreender qual será o impacto do novo modelo.
IBS/CBS x ITBI
Primeiramente, importa ressaltar que o campo de incidência do IBS e da CBS é mais abrangente do que o do ITBI, havendo situações em que não se configurará intersecção, conforme esquema simples abaixo:
A incidência dos novos tributos, na atual redação, alcança a alienação, locação e arrendamento de imóvel, desde que não seja “de propriedade de pessoa física sujeita ao regime regular do IBS e da CBS e não seja utilizado de forma preponderante em suas atividades econômicas”. Ou seja, atingirá especialmente pessoas jurídicas e pessoas físicas que explorem economicamente operações com imóveis e de modo habitual, ou em volume que caracterize atividade econômica, (contribuintes, portanto, do IBS/CBS).
Segundo ponto vital é definir se as incidências de IBS/CBS e ITBI serão “cruzadas”, incluindo-se na base de cálculo uns dos outros.
Nesse sentido, acerta o PLP 68 ao dispor que a incidência do IBS e da CBS não altera a base de cálculo do ITBI. Dessa forma, não integrarão a base de cálculo desse tributo.
Já a base de cálculo dos novos tributos para essas operações é o valor da operação de alienação do bem imóvel; ou o valor do ato oneroso translativo ou constitutivo de direitos reais sobre imóveis. Embora não haja referência expressa ao ITBI, entende-se que o imposto não compreende o valor da alienação ou dos atos de transmissão, motivo pelo qual não deverá ser computado na base dos novos tributos.
Isto porque, nas operações com imóveis, a base de cálculo é a específica disposta no artigo 249 do PLP 68. Este expressamente inclui os juros, atualização monetária e os valores dos incisos I a III do artigo 12 (acréscimos decorrentes de ajuste do valor da operação; juros, multas, acréscimos e encargos; e descontos concedidos sob condição), não abarcando eventuais tributos incidentes na operação (como o ITBI).
Dessa forma, no cenário previsto, IBS e CBS não impactam a base de cálculo do ITBI; e vice-versa.
Ainda sobre a base de cálculo, nos casos de alienação, aplica-se o “redutor de ajuste”. A ideia do ajuste é evitar distorções na não cumulatividade dos tributos e garantir que o contribuinte tenha uma espécie de crédito dos estoques de imóveis adquiridos no passado e que não tiveram a incidência do IBS e da CBS. É a mesma razão pela qual garante-se o crédito nas aquisições de pessoas físicas não contribuintes dos tributos.
Além disso, prevê-se um “redutor social”, isto é, uma dedução em montante fixo para imóveis novos e lotes residenciais, que representará uma redução proporcional à base de cálculo mais relevante para imóveis de menor valor (criando-se assim certa progressividade nas operações com imóveis).
Outro ponto essencial à análise é a alíquota pretendida. Prevê-se uma redução de 40% como regra, partindo da alíquota base do IBS/CBS; ou de 60% para as operações de locação, arrendamento e cessão onerosa de imóveis. Considerando a estimativa atual de que a alíquota combinada do IBS e da CBS seja de 26,5%, isso representaria alíquotas efetivas de 15,9% e de 10,6%, respectivamente.
É evidente que não se pode esquecer da possibilidade de tomar créditos das operações de aquisição de bens e serviços. Neste ponto, é essencial que as empresas façam um levantamento das operações de aquisição que são passíveis de gerar créditos, de modo a avaliar o impacto dos novos tributos.
Conclusões
Do contexto acima, nota-se que as operações onerosas com imóveis terão um provável acréscimo de tributação com a instituição do IBS e da CBS, à exceção das operações com imóveis de menor valor, em louvável avanço em prol da disponibilização de moradia popular.
Lembra-se que as operações de venda de imóveis estão também sujeitas à tributação sobre a renda; a alienação de imóveis já atinge patamares bastante elevados de tributação com a conjugação ITBI, PIS, Cofins mais tributos sobre a renda, sendo a partir da reforma acrescida de uma carga de até quase 16% a depender da incidência anterior de PIS/Cofins.
A nova incidência, embora coerente com a materialidade do IBS e da CBS, tributos extremamente abrangentes, gera relevantes fontes de preocupação para o setor imobiliário, devendo ser avaliada com cautela.