IAs podem autenticar obras de arte?

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Recentemente, o site ARTnews publicou uma matéria sobre o uso de inteligência artificial na autenticação de obras de arte. Nela, representantes de empresas de tecnologias como Art Recognition, Vasarik e Hephaestus Analytical falam do papel que as novas tecnologias podem desempenhar no combate a um antigo e persistente problema: a falsificação de obras de arte.

No entanto, algo curioso chama a atenção na matéria. Nela, Carina Popovici, CEO e cofundadora da Art Recognition, acusa os métodos de autenticação de serem ultrapassados, caros e subjetivos. Entretanto, ela leva em conta apenas a parte que diz respeito à opinião do expert e parece se esquecer de que, nos moldes atuais, autenticar uma obra de arte vai muito além de apenas saber reconhecer e identificar o estilo e as pinceladas de determinado artista.

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Atualmente, todo procedimento sério de autenticação precisa estar assentado não em uma, mas em três bases: profunda pesquisa documental da obra em questão; o uso de exames físicos e químicos; a opinião de um connoisseur sobre o estilo – condição que traz um problema técnico sobre o uso de IAs nos moldes atuais. 

Caso uma ferramenta de inteligência artificial fique responsável por identificar os traços estilísticos de um artista, como ficaria o papel do connoisseur (o especialista em um artista ou estilo, cuja opinião em processos de autenticação é indispensável)? 

Ou seja, na prática, se considerarmos o uso de IA sob a ótica do modelo atual de atribuição e autenticação, seria o mesmo que incluir mais um procedimento, elevando ainda mais os custos de uma perícia. Sem contar o fato de que o mesmo procedimento teria que ser feito, em caráter inegociável, também por um especialista humano. Outra questão que fica é: se as opiniões entre o parecer de um expert humano e de uma IA entram em conflito, como resolver? Quem deve prevalecer?

Em 2023, a tecnologia produzida pela mesma Art Recognition esteve envolvida em polêmica em torno da atribuição de uma pintura. Enquanto um modelo de IA, desenvolvido por Hassan Ugail, da Universidade de Bradford, assegurava indubitavelmente que a obra conhecida como Brécy Tondo teria sido pintada por Rafael, a ferramenta produzida pela Art Recognition avaliou, com 87% de certeza, que a obra analisada não havia sido feita pelas mãos de Rafael. 

Assim, se IAs altamente treinadas não conseguem entrar em consenso entre si sobre uma autoria, dá para imaginar o tamanho do problema quando confrontadas com a opinião humana.

Ponto de partida

Quem conhece as engrenagens e os bastidores do mercado de arte sabe o quão opaco ele pode ser. Quesitos como a falta de informações (transações privadas e sigilosas) e os aspectos quase indecifráveis da precificação de obras, fazem com que qualquer elemento novo adicionado à equação seja visto com grande e justificada cautela.

Não à toa, quando chamada a opinar sobre o caso para a matéria da ARTnews, a Sotheby’s preferiu não se manifestar. Já a Christie’s, por meio de representante, afirmou que a IA pode ser uma aliada, mas que “nenhuma ferramenta digital jamais substituirá a experiência apaixonada ou os relacionamentos próximos e confiáveis ​​que a Christie’s tem orgulho de compartilhar com nossos clientes”.

Martin Kemp, historiador da arte e sumidade quando o assunto é Leonardo da Vinci, tem razão ao afirmar que a IA pode ser “mais uma arma para o nosso arsenal”, que se junta a outras como exames químicos de pigmentos, raio-x, grafoscopia etc. Ao mesmo tempo, ele chama a atenção para a dificuldade que inteligências artificiais podem encontrar ao tentar identificar obras de artistas como Leonardo e Ticiano, que apresentam variações técnicas consideráveis em suas carreiras. 

Isso não significa que elas não possam desempenhar importante papel no auxílio aos experts envolvidos na autenticação. Um dos possíveis usos para ferramentas de inteligência artificial inclui, por exemplo, a análise comparativa inicial entre obras em fase de due dilligence. Ou seja, servindo como ponto de partida, não de chegada.

Entre utopia e distopia

Nos tribunais brasileiros, não é segredo que processos envolvendo obras de arte ainda representam largo desafio. Não só porque existe descompasso entre as demandas cada vez mais complexas do mercado de arte em relação ao Direito e a falta de expertise de juízes, promotores e advogados, mas também porque continua a imperar uma mentalidade ultrapassada, que se apoia em procedimentos arcaicos. 

Nesse contexto, resta claro que a utilização de IAs em processo de autenticação de obras de arte, quando alinhadas com as exigências e necessidades atuais, pode sim trazer benefícios. Mas é preciso cuidado para que elas não sejam vistas como panaceia capaz de curar os males de todo um vasto e ainda incompreendido mercado.

Portanto, acreditar que qualquer IA possa assumir sozinha a responsabilidade de uma autenticação, como Popovici sugere em palestra ao TEDxNuremberg, em 2022, é uma perspectiva no mínimo ingênua e utópica. Ou, pior ainda, distópica – depende do ponto de vista.