Hidrogênio verde: política pública ou decisão política?

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O potencial brasileiro de produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis nos credencia como protagonistas na necessária transição energética global, mas o entusiasmo em torno do hidrogênio – que justifica o desenvolvimento de uma política pública – não pode representar qualquer risco de aumento nos custos finais da energia pagos pelos consumidores brasileiros, sob pena de serem adotadas decisões políticas equivocadas.

Isso porque devemos, em primeiro lugar, distinguir a formulação de política pública da adoção de decisão política, relativamente comum em pautas do setor de energia.

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Enquanto a política pública constitui um conjunto de ações e regras destinado a disciplinar valores sociais e/ou bens públicos para a definição de programas e metas voltadas a assegurar os direitos garantidos na Constituição e promover o interesse público, as decisões políticas, como nos ensina a professora Maria da Graças Rua em publicação da Capes sobre o tema representam “uma escolha dentre um conjunto de possíveis alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos atores envolvidos, expressando – em maior ou menor grau – uma certa adequação entre os fins pretendidos e os meios disponíveis”, de modo que “toda política pública decorre de uma decisão política, mas nem toda decisão política constitui política pública”.

No segmento do hidrogênio, em particular, o principal sinal dessa confusão reside no fato de a proposta de marco legal, apresentada recentemente pela Comissão Especial de Transição Energética e Produção de Hidrogênio do Congresso Nacional, trazer uma série de incentivos tributários e regulatórios para a produção de hidrogênio de baixo carbono como instrumentos da política nacional que se pretende fomentar para o desenvolvimento dessa fonte, avançando, todavia, como verdadeira decisão política. Isso porque institui benefícios tarifários, como o desconto na parcela fio a incidir somente no consumo com recursos provenientes do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC), que ainda requer quantificação, e na obrigatoriedade de inserção do segmento nos leilões de reserva, cujo único eleito a pagar essa conta é o consumidor.

Ora, é inegável a importância de o governo brasileiro atuar em favor do aproveitamento do potencial do hidrogênio do país, contribuindo para que se configure numa alternativa em favor do nosso desenvolvimento econômico e social. Mas é de todo questionável sua forma, porquanto a política pública nacional deve promover benefícios a todos e de maneira alguma ser custeada somente pelos consumidores de energia.

No setor elétrico, infelizmente, essa prática é muito comum, com iniciativas normalmente originárias do legislativo que tendem a beneficiar segmentos específicos. A intenção pode ser nobre, mas os ganhos diretos e setoriais são limitados. Pior, embora em muitos casos significativos, os custos tendem a ser relevados, como se não tivessem importância, sendo alocados sem grande estardalhaço à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) ou a outro encargo setorial. O resultado disso é que o orçamento da CDE é da ordem de R$ 35 bilhões, sendo que a maior parte desse montante é repassada aos consumidores de energia.

No atual cenário, a situação fica ainda mais preocupante diante do desafio fiscal do país. Atualmente, o Ministério da Fazenda está justamente buscando formas de extinguir isenções fiscais para zerar o déficit das contas públicas. Dificilmente haveria espaço, portanto, para um estímulo direto ao segmento por meio da redução de tributos.

Vale observar ainda que, além de pressionar os custos finais da energia dos consumidores, o acréscimo indiscriminado de custos e/ou subsídios advindos de decisões políticas têm provocado grande insatisfação e desequilíbrio no setor elétrico brasileiro.

A proposta relativa ao hidrogênio, por mais bem intencionada que seja, reforça a distorção da alocação de custos e riscos, pressionando a capacidade de os consumidores arcarem com o desenvolvimento setorial, em especial, das fontes renováveis, dado que, mais uma vez, deverão ser chamados a assumir contas bilionárias.

Afinal, para o setor como um todo, de nada adianta um segmento ser beneficiado, uma fonte privilegiada ou uma extensão de subsídios ser concedida sem uma expansão ordenada e simétrica que atenda a todos com custos justos.

Cabe a todos nós combater decisões políticas inadequadas e estimular o desenvolvimento de políticas públicas eficientes e justas. Alternativas para tanto incluem a determinação de que as alterações legais derivem somente do amplo contraditório e sejam amparadas pela imprescindível avaliação de seu impacto regulatório, de modo que possamos ter clareza nos seus efeitos.