Há sucumbência no incidente de desconsideração da personalidade jurídica?

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Em setembro de 2023, foi concluído o julgamento, pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Recurso Especial (REsp) 1.925.959/SP, no qual se discutia o cabimento de honorários advocatícios no Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ).

Alterando entendimento até então consolidado pela própria 3ª Turma do STJ, o saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acompanhado pela maioria, votou pelo cabimento de honorários advocatícios em caso de indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Segundo o relator, embora o IDPJ seja resolvido por decisão interlocutória e o artigo 85, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC) não estabeleça de modo expresso o cabimento de honorários nessa hipótese, o critério a ser observado para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios deve ser o êxito obtido pelo advogado em razão do trabalho desenvolvido e não fatores meramente procedimentais.

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A instauração do IDPJ visa à formação de litisconsórcio, resultando na ampliação subjetiva da lide, para que terceiros que não figuram originalmente no polo passivo da relação jurídica (sócios, administradores ou empresas) passem a responder pelas dívidas da pessoa jurídica executada, mitigando o princípio geral da autonomia patrimonial. Nesse passo, o não acolhimento do IDPJ significa rejeição da pretensão do credor de inclusão de terceiros no polo passivo, situação equivalente à sua exclusão do processo originário pelo reconhecimento de sua ilegitimidade, o que enseja a condenação do autor sucumbente ao pagamento de honorários. Em outras palavras, foi fixado o entendimento de que seria cabível a condenação em honorários sucumbenciais em IDPJ no caso de rejeição dos pedidos nele formulados.

Para tanto, o ministro relator partiu das seguintes premissas: (i) de acordo com a regra geral estabelecida pelo CPC, a mera existência de pretensão resistida seria suficiente para a condenação do vencido em honorários advocatícios sucumbenciais, ainda que em mero incidente processual; (ii) admite-se a prolação de decisões parciais de mérito, bem como relacionadas à legitimidade das partes, de modo que não prevaleceria a ideia de que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais somente seria estabelecida quando da prolação de uma sentença; (iii) o CPC vigente teria se equivocado ao estabelecer que o IDPJ seria um mero incidente processual, uma vez que, na prática, se revela uma verdadeira “demanda incidental” – ou seja, como se procedimento comum fosse, com cognição exauriente –, a qual se resolveria por meio de decisão interlocutória relacionada ao chamamento de terceiros a integrar a lide (muito semelhante à denunciação da lide); e (iv) por uma questão de isonomia, não se vislumbraria fundamentos para, de um lado, permitir a fixação de honorários de sucumbência na hipótese de que a desconsideração seja pleiteada na petição inicial e, de outro, vedar tal condenação no âmbito do IDPJ.

Pontuou-se ainda, que, na hipótese de rejeição do pedido formulado no IDPJ, o advogado do terceiro que não compõe a lide principal faria jus ao recebimento dos honorários advocatícios sucumbenciais, uma vez que (i) é inegável o caráter alimentar da referida verba; e (ii) com a decisão pela não inclusão da parte por ele representada no polo passivo do processo principal, não se teria a devida contraprestação pelos serviços prestados, uma vez que tal patrono muitas vezes não atua no processo originário e merece ser remunerado.

Em voto divergente, a ministra Nancy Andrighi entendeu pelo não cabimento dos honorários, sob o fundamento de que muito embora o pedido de desconsideração da personalidade jurídica – seja por meio de incidente processual, seja na petição inicial – tenha o potencial de ampliar subjetivamente a responsabilização, não busca ampliar objetivamente o litígio. Partindo dessa premissa, a ministra entendeu que a pretensão resistida que justificaria o arbitramento de honorários de sucumbência é única, não se admitindo a incidência de verba honorária em duplicidade – o que privilegiaria o princípio da isonomia, já que o arbitramento dos honorários teria a mesma base de cálculo extraída do mesmo objeto litigioso.

Além disso, o voto vencido também sustenta, em resumo, que (i) muito embora o julgamento do REsp 1.845.536/SC não se trate de um precedente vinculante, não há qualquer nova circunstância fática ou jurídica relevante a justificar a alteração do posicionamento da Terceira Turma do STJ sobre o tema, sob pena de afronta à segurança jurídica; e (ii) ao estruturar o IDPJ como um incidente processual no âmbito do CPC, o legislador pretendeu apenas e tão somente assegurar o contraditório prévio, por circunstâncias meramente procedimentais.

Em outras palavras, a ministra Nancy Andrighi prestigiou em seu voto o entendimento anteriormente firmado pela 3ª Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.845.536/SC, por meio do qual se entendia ser inadmissível a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais no âmbito do IDPJ, uma vez que (i) a decisão de extinção do incidente não estaria presente no rol do artigo 85, §1º do CPC; e (ii) tendo em vista que o IDPJ seria um mero incidente processual decorrente de um processo principal pré-existente, não se poderia admitir a incidência de verba honorária em duplicidade, sob pena de bis in idem.

A decisão de setembro deste ano, objeto deste artigo, é digna de atenção por alterar entendimento até então consolidado pela 3ª Turma – e por consequência, frise-se, seguido por inúmeros tribunais pátrios – de que não seria possível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência no IDPJ.

Contudo, subsiste divergência jurisprudencial sobre o tema.

Nesse sentido, no último dia 3 de outubro foi proferida decisão monocrática no Agravo em Recurso Especial (AREsp) 2.376.215/SP, na qual o ministro relator Antonio Carlos Ferreira, da 4ª Turma do STJ, afastou a verba honorária arbitrada em IDPJ. Na oportunidade, foi aplicado o entendimento anteriormente firmado pela 3ª Turma do STJ, modificado por ocasião do julgamento colegiado do REsp 1.925.959/SP.

Diante do cenário de evidente insegurança jurídica, vislumbramos dois caminhos para dirimir a questão, quais sejam, (i) o estabelecimento de precedente vinculante sobre o tema pelo STJ, no exercício de seu papel de uniformização da jurisprudência, com o aprofundamento que a questão merece em sede de IRDR ou recursos repetitivos; ou (ii) o endereçamento da discussão acerca da (des)necessidade de adequação da lei processual pela via ordinária do processo legislativo constitucional, mediante a participação popular de todos os interessados.

Enquanto isso não ocorre, o REsp 1.925.959/SP tem o potencial de, na prática, desencorajar a distribuição de IDPJs ou pelo menos estimular que uma análise detalhada se os elementos do artigo 50 do Código Civil (CC) estão presentes e se há provas disso, na medida em que expõe os credores ao ônus da sucumbência, que pode chegar a uma condenação em honorários de sucumbência de 20% sobre o valor perseguido (artigo 85, §2º do CPC),  caso seu pleito de incluir terceiros em processo executivo não seja acolhido.

Em outras palavras, os credores terão que muito bem avaliar o caso concreto e quais os fundamentos e provas do IDPJ sob pena de eventual condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais encarecer sobremaneira o processo, impondo a possibilidade de desembolso de valores anteriormente não previstos pelos credores. Vale frisar que, como medida excepcional, o IDPJ já impacta no andamento do feito principal, uma vez que a sua instauração implica suspensão do processo, na forma do §3º, do artigo 133 do CPC, a fim de que seja deliberado o cabimento da responsabilização do sócio (ou empresa) beneficiado injustamente pelo abuso da personalidade jurídica.

Diante disso, é fundamental que a estratégia processual acerca da viabilidade do IDPJ seja traçada de forma ainda mais cuidadosa pelos advogados dos credores, notadamente com a reunião de provas robustas acerca de desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial exigidos por Lei.

Em última análise, caberá aos advogados alertar seus clientes acerca dos riscos econômicos que envolvem a instauração de um IDPJ, como forma de prevenir que os prejuízos já suportados em decorrência da inadimplência sejam majorados na tentativa legítima, e às vezes ilegítima quando não presentes os elementos do artigo 50 do CC, de satisfação do crédito.