‘Guerra dos vídeos’: PT aprende a usar IA e reacende militância

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A “guerra de vídeos” iniciada pelo PT no último fim de semana colocou em evidência o uso de inteligência artificial e da linguagem de redes sociais como instrumentos de batalha ideológica. O episódio dá dicas também sobre a forma e o conteúdo dos materiais que serão preparados para a campanha eleitoral de 2026. A novidade é que a esquerda parece ter acordado para essa nova realidade da comunicação política, em um campo onde a direita tem trafegado com muito mais desenvoltura.

O partido do presidente Lula recorreu à IA para defender a taxação dos super-ricos em um vídeo com estética propositalmente tosca. Nele, brasileiros pobres e de classe média carregam fardos de impostos em um cenário semiárido, enquanto um humanoide rico segura um saquinho de taxa.

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O material provocou respostas do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que utilizaram a mesma ferramenta para tentar mostrar que quem coloca o peso dos tributos nos ombros da população é o governo.

Na última segunda-feira (30), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), produziu um Hoogle, como batizou seus vídeos com linguagem de TikTok, para criticar a polarização social do PT.

A novidade estética salta aos olhos. Mas profissionais envolvidos na produção desses vídeos disseram à coluna que o evento mostra que o conteúdo continua sendo mais relevante do que a forma. O visual precário da peça do PT, longe de ser um erro, foi feito para evitar a confusão com uma deep fake. Mas cumpriu um efeito simbólico e mobilizador.

O vídeo conseguiu reacender a militância petista em torno de uma bandeira nova: o andar de cima precisa pagar mais imposto, a fim de aliviar a barra para os do andar de baixo. O PT ensaia, com isso, uma tentativa de substituir a marca já desgastada do Bolsa Família e da redução da pobreza, que na definição de um marqueteiro petista soa junto à população como “um cheque já descontado”.

“O pulo do gato é o posicionamento político”, afirmou um dos especialistas ouvidos. “A novidade não é o uso da IA, mas o uso da IA para uma causa.”

Freud, Lincoln, Mandela e ChatGPT

Para esses profissionais contratados pelos partidos, a inteligência artificial já faz parte do jogo. Mesmo que a campanha de 2026 ainda não esteja nas ruas, é consenso que a IA será utilizada desde a criação de roteiros, passando por planejamento estratégico, até simulações de entrevistas e debates, como já vem ocorrendo nos materiais produzidos neste ano pré-eleitoral.

“Hoje, não é mais preciso ter cinco jornalistas para treinar um candidato, fazer um media training. Eu simulo a entrevista e o debate dentro de uma IA. Ela já cria perguntas e respostas de forma perfeita”, conta uma das fontes.

Esse profissional diz, por exemplo, utilizar prompts (instruções dadas à IA com determinada finalidade) inspirados em Freud, Jung e Lacan para criar narrativas e dar impacto emocional às mensagens. Em outros casos, ele programa a IA com base em Abraham Lincoln, Cícero e Nelson Mandela, mestres na oratória, para escrever discursos políticos.

Todos afirmam que, apesar da inovação tecnológica, o que determinará o sucesso de uma campanha continuará sendo o contexto político e a narrativa.

“A comunicação depende muito mais do contexto do que da vontade”, resume um marqueteiro. “O uso da IA reduz custos, acelera processos e amplia a capacidade de criação, mas não substitui a clareza do posicionamento político sobre determinado tema nem a coerência da mensagem com a realidade percebida pela população.”

Governo de olho nas plataformas

Ainda no campo da tecnologia, uma frente que preocupa o governo é a influência cada vez maior das redes sociais em processos eleitorais mundo afora. Um dos focos é o papel de grandes plataformas digitais e seus donos — como Elon Musk, proprietário do X — na disseminação de conteúdos e na moderação (ou ausência dela) do debate político.

O Planalto também estuda casos como o da Alemanha, onde autoridades acusaram plataformas de dificultar o combate à desinformação, e o da Indonésia, onde vídeos criados com IA interferiram no debate sobre segurança pública em meio ao processo eleitoral de 2024.

Mas, no caso da recente batalha dos vídeos, governo e marqueteiros petistas se veem como vencedores. Em meio ao debate sobre a taxação dos super-ricos, a narrativa de que o “andar de cima” deve pagar mais colou nas redes, com quase 4 milhões de menções a hashtags negativas ao Congresso. O feito, digno do “deputado tiktoker” Nikolas Ferreira (PL-MG), conferiu ao PT uma rara vitória nas redes, onde o bolsonarismo ainda impera.