Quando falamos em gestão de conhecimento no ambiente corporativo, logo pensamos no mapeamento de atividades dos colaboradores e utilização de metodologias para estruturação de procedimentos, políticas, e normas de trabalho, além da forma de realizar sua organização, armazenamento e compartilhamento.
Esse seria o caminho racional e natural das organizações, principalmente as de grande porte, para traduzir e formalizar os conhecimentos técnicos de seus colaboradores em algo tangível, visando a mitigação de riscos de descontinuidade ou interrupção das atividades do negócio, independente de quem as executa.
Nesta seara, grandes organizações geralmente possuem áreas específicas de metodologia de processos, controles internos, dentre outras, que suportam, de forma técnica e objetiva, a produzir o framework, desenhar workflows, e materializar o “quando fazer”, “como fazer”, e “quem deve fazer”, com o objetivo de formalizar e publicizar internamente o conhecimento (e controle) de determinadas atividades.
A aplicabilidade de tais metodologias e formalizações faz sentido e adere às exigências cada vez mais rigorosas por boas práticas de governança, controles de riscos e conformidade, também chamadas de GRC (Governance, Risk and Compliance), demandadas tanto por stakeholders internos como externos.
Por outro lado, o próprio termo “gestão” do conhecimento significa que é fundamental gerir, ou seja, atuar ativamente e continuamente para assegurar a eficiência, atualização, e melhoria dos processos mapeados. Em outras palavras, nem tudo que está mapeado e formalizado será plenamente eficiente se não refletir, de forma atualizada, as práticas executadas pela organização e seus colaboradores. Assim, é importante revisitar tais procedimentos e políticas, quando presentes, de tempos em tempos, e, até mesmo, incluir prazo de vigência destes, de forma que possam ser revisitados com periodicidade objetiva.
Mas será que a metodologia de mapeamento de atividades e formalização de procedimentos e políticas é suficiente para a gestão do conhecimento? Como ficam as soft skills vs. hard skills? E as organizações de pequeno e médio porte que não possuem áreas específicas de metodologia e processos ou controles internos?
Quando falamos em soft skills podemos nos remeter a capacidade de solução de problemas, facilidade de diálogo, comunicação, colaboração e criatividade. Obviamente, as soft skills possuem um caráter comportamental e personalíssimo, que, conectadas ao conhecimento técnico ou atividade específica, se tornam um desafio na questão da materialização em termos de procedimentos, processos ou algo tangível.
Independentemente do tamanho da organização, uma boa prática para aliar a gestão de conhecimento técnico e tangível (hard skills) às soft skills, é fomentar a possibilidade de job rotations entre funções do mesmo time. Assim, haverá mais chances de outros colaboradores adquirirem o conhecimento técnico e operacional com quem já domina determinados temas, com a oportunidade adicional de absorver e replicar habilidades que contribuem e são eficientes para a execução de determinada atividade, formando equipes mais homogêneas. Além disso, os job rotations podem ter outro efeito positivo no sentido de aumentar o engajamento dos colaboradores, com a possibilidade de vivenciarem outras experiências e adquirem mais conhecimento.
Outra boa prática é estimular os colaboradores a fazerem apresentações de cases de sucesso aos demais membros do time ou mesmo da organização, ainda que sejam pequenas vitórias do dia a dia. Assim, além da liderança demonstrar e proporcionar um espaço para reconhecimento de metas, objetivos ou mesmo conclusões de temas relevantes por parte de seus colaboradores, haverá o compartilhamento das ações feitas, como foram feitas e o resultado alcançado, que, por fim, traduzem em disseminação de conhecimento para o time.
Adicionalmente, as newsletters podem ser uma opção interessante para gestão de conhecimento. As newsletters já são amplamente utilizadas por escritórios de advocacia, seja com o intuito informativo, mas também comercial junto aos clientes e aqueles que pretendem angariar como tal. É perfeitamente possível adaptar as newsletters para o ambiente corporativo.
Além de possibilitar a criação de um banco de dados sobre determinados temas, as organizações poderão disseminar o conhecimento de forma mais ampla e para mais stakeholders, não se limitando apenas ao Jurídico. Algumas organizações reproduzem as newsletters em formatos alternativos, como, por exemplo, informativos gerenciados pela área de comunicação interna da empresa, via intranet, ou mesmo periódicos internos da organização. Outro efeito positivo desta prática é a contribuição para fortalecimento da cultura de aprendizado e gestão do conhecimento.
Para pequenas e médias empresas, a recomendação é reduzir a complexidade na definição de gestão do conhecimento, utilizando-se de práticas simples e funcionais. O primeiro passo é definir um líder de projeto ou um grupo de pessoas para ser responsável pelo tema e engajar os demais colaboradores a contribuírem com o projeto.
Antes de executar qualquer medida, planeje a estrutura de gestão de conhecimento que a organização ou sua área deseja implementar. Por exemplo, defina quais atividades deseja mapear prioritariamente. Comece pelas atividades core do Jurídico, aquelas que são fundamentais para a entrega das tarefas de rotina e que estejam alinhadas às demandas dos stakeholders.
Na sequência, defina como pretende mapear as atividades e onde pretende armazená-las. No processo de mapeamento a dica é realizar entrevistas com os executores das atividades. Se for o caso, solicite que eles demonstrem como as executam de forma empírica. Importante o entrevistador fazer perguntas que o direcione a entender o passo a passo da atividade de determinado colaborador, do início ao fim, considerando como e por que a atividade é iniciada, além de compreender como ela termina e qual o destino a partir de seu término. Após a entrevista, repasse junto ao colaborador o fluxograma e confirme se há alguma inconsistência ou ajuste a ser feito. Nesta fase, é possível também identificar, de imediato, possibilidades de melhoria nos processos de execução das atividades.
Na fase de armazenamento, utilize pastas compartilhadas e forneça acesso de visualização a todos os colaboradores que sejam partes interessadas na atividade mapeada.
Dê vida aos processos mapeados, fazendo que o conhecimento seja disseminado aos demais colaboradores. Realize treinamentos, workshops, e até mesmo café da manhã com apresentações sobre determinado tema. Crie grupos, nos canais de chat da sua empresa, específicos sobre gestão do conhecimento. Eleja o tema do mês para falar a respeito. Utilize as ferramentas que a organização dispõe e as ideias que despertam maior interesse e engajamento dos colaboradores. Para situações de recursos escassos e budgets reduzidos, a criatividade é aliada da efetividade.
A gestão do conhecimento implementada e executada de forma bem-sucedida permitirá a organização e seus colaboradores a desfrutarem de inúmeros benefícios, tais como:
Aprimoramento das práticas de governança e controles internos;
Mapeamento de processos e atividades;
Documentação e formação de repositório de procedimentos;
Mitigação de riscos de perda de conhecimento de atividades core da organização e seus departamentos;
Acessibilidade e transferência de conhecimento aos colaboradores;
Melhoria na transparência e comunicação interna;
Oportunidades de melhorias e inovação de processos a partir de procedimentos já mapeados;
Aumento da performance dos colaboradores e mitigação de erros na execução das atividades;
Estímulo à sustentação da cultura de aprendizado e gestão do conhecimento como valores da organização;
Estímulo ao engajamento dos colaboradores;
Possibilidade de aprimoramento de questões comportamentais;
Encorajamento de atualização técnica dos colaboradores sobre temas relevantes que podem impactar o business da organização.
Se por um lado a gestão do conhecimento propicia inúmeros benefícios às organizações, por outro lado existem grandes desafios de sua manutenção. Talvez o maior desafio seja cultivar e manter o interesse sobre a relevância do tema junto à organização e seus colaboradores, para que ele não caia em desuso após sua implementação. Para tanto, é necessário refletir sobre gestão de conhecimento como algo contínuo, que requer atualizações e estímulos dos líderes e gestores para criação de um ambiente de aprendizado de forma sustentável. Assim, é igualmente importante possuir uma agenda – no mínimo – anual para discutir o tema, engajando os colaboradores a contribuir e serem agentes ativos em sua manutenção.
Não há receita pronta para a gestão de conhecimento. Trata-se de um tema dinâmico e que requer diligência da organização e seus líderes na sua implementação e manutenção, dado os desafios que podem surgir. Porém, existem inúmeras oportunidades para transformar a gestão de conhecimento em valor e cultura organizacional, e não apenas algo meramente formal, documental e restrito individualmente aos colaboradores.
*
A opinião do autor não reflete necessariamente a opinião institucional da empresa a qual ele está vinculado atualmente, tampouco do CLOC e CLOC Brasil enquanto organizações.