No cenário mundial, os temas voltados à sustentabilidade têm estado cada vez mais em alta, muito se tem falado em descarbonização, nas reduções das emissões de gases de efeito estufa, novas fontes renováveis de energia, e a 28 Conferência do Clima da ONU (COP 28) intensificou os debates quanto aos compromissos dos Países na eliminação dos combustíveis fósseis da matriz energética.
Em paralelo, os desenvolvedores de projetos geração de energia de fontes renováveis enfrentam gargalos regulatórios setoriais, limitações no escoamento de energia pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), ao passo que os encargos de uso da rede e transmissão aumentam na contramão dos incentivos fiscais de infraestrutura – agora com a fim dos benefícios do REIDI pela EC 132/23 –, sem falar em todos os necessários entraves de caráter ambiental. De fato, os bastidores da implantação de projetos de energias renováveis não são para amadores, e todas as partes envolvidas precisam caminhar, cronologicamente, de forma harmônica.
A infraestrutura é o carro chefe no CAPEX de um projeto de energia renovável, a maior parte dos recursos captados são direcionados à efetiva construção do parque, o que demanda um processo de contratação da construtora bastante refinado – e sem prejuízo das normas internas de compliance – embora haja liberdade nos procedimentos de concorrência nas cotações de empresas privadas, nem sempre o menor preço será a melhor escolha.
Geralmente, os projetos para a construção de empreendimentos de energia são executados por intermédio de contratos complexos de engenharia, tendo-se como referência os modelos de contratos sugeridos pela Federação Internacional de Ingénieurs Conseils (FIDIC), isso considerando uma aceitação a nível mundial desses modelos de contratação.
Dentre os tipos de modelos existentes, o “silver book” traz o EPC/Turnkey (Engineering, Procurement and Construction Contract) como a estrutura contratual voltada à execução de projetos. Nessa modalidade de contratação, o construtor contratado figura como o fiel responsável pelo desenvolvimento da engenharia, da compra dos equipamentos e materiais de construção e implantação efetiva do projeto. Percebe-se, nesse sentido, que a alocação de riscos é voltada ao construtor, que assumirá a obrigação de fornecer uma “engenharia integrativa”, ou seja, atendendo às especificações gerais que eventualmente são fornecidas pelo dono da obra, devendo integrar toda a compra de equipamentos com o desenvolvimento da construção.
Em detrimento dessa alocação de riscos, o EPC/Turnkey passou a ser o mais utilizado e aceito pelas instituições financeiras, quando da estruturação dos project finances no setor elétrico. Isso considerando que as instituições financeiras precisam mapear os riscos nos projetos investidos, e este formato de contratação exige que os riscos estejam muito bem delimitados pela distribuição de responsabilidade contratual.
Nesse tom, é característica natural do EPC-Turnkey que o empreiteiro contratado assuma todos os custos do empreendimento, independente das quantidades e dos preços unitários envolvidos no serviço, sendo o pagamento realizado no formato “lump sum price”, ou seja, um preço global fixo, em que se observa um cronograma de desembolso de acordo com aos marcos de execução do projeto.
Para que a formação do preço do contrato seja eficiente, o empreiteiro necessariamente precisa ter experiência e familiaridade na execução de empreendimentos de parques de energia renovável, uma vez que a execução dos serviços e a quantificação dos materiais deve ser precificada com certa precisão, atrelado ainda aos riscos que se assume em decorrência do tipo de contratação, podendo citar os riscos geológicos, na ocasião de o projeto exigir a realização de fundações, por exemplo.
Em projetos de energia, uma boa alocação de riscos envolve conhecer o solo e os tipos de rocha da área em que o projeto será implantado, realizando campanhas de sondagens antes do início das atividades a fim de entender as eventuais resistências de penetração; estudar as condições climáticas da área e a influência sobre os acessos; entender o comportamento dos preços de insumos no mercado; realizar o detalhamento de especificações técnicas; bem como uma seleção cuidadosa de fornecedores, subcontratados e mão de obra.
No entanto, há razoável espaço para negociações de reequilíbrio econômico, sobretudo quando as condições comerciais do contrato são alteradas por fatos alheios à vontade do contratado, mas que tais fatos não podem se confundir com a margem de erro no orçamento do projeto. Aqui vale incluir ainda as alterações promovidas pela lei de liberdade econômica (lei n. 13.874/19), dando maior autonomia à vontade das partes nas contratações eminentemente privadas, o que implica na plena possibilidade de renúncia, inclusive, do reequilíbrio econômico pela suficiência do preço contratual, não se aplicando, por exemplo, os artigos 413 ou 620 do Código Civil.
E é neste cenário que se formam a maioria das disputas, e independente da instalação ou não de um Comitê de Prevenção e Solução de Disputas (“dispute board”), as partes estão livres para discutir as eventuais controvérsias pelo foro e/ou jurisdição dispostos no contrato, mas sempre tendo em vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
A arbitragem é comumente utilizada como método de resolução de conflitos no âmbito das disputas de infraestrutura, principalmente em razão da possibilidade de escolha da composição dos membros do tribunal, o que garante maior qualificação e experiência dos árbitros em assuntos tão complexos quanto os que envolvem os contratos de EPC/turnkey.
Para os contratos de construção de empreendimentos de energias renováveis, de maneira geral, verificam-se temas que discutem (i) aplicações de multas moratórias e atrasos de cronogramas; (ii) resolução contratual e declaração de quitação das obrigações; (iii) alocação de riscos e limitação de responsabilidade; (iv) reequilíbrio econômico e recomposição do preço; (v) ressarcimento de custos extras.
Todos esses assuntos demandam uma instrução probatória articulada, o que implica na necessária e anterior gestão contratual, de forma efetiva e documentada. E neste contexto, documentar a gestão contratual faz referência à utilização dos instrumentos de comunicação e registros dispostos no contrato de EPC, para informar a evolução dos trabalhos de forma clara e precisa.
No setor elétrico, as disputas arbitrais precisam ser avaliadas de forma estratégica, sobretudo em razão das interfaces regulatórias e ambientais que envolvem o projeto, incluindo ainda as obrigações perante os offtakers. Dessa forma, independente da fase em que se instalou a situação de conflito, o empreendimento precisa estar concluído e pronto para entrar em operação, em concordância com os marcos previstos na outorga emitida pela entidade reguladora.
Em análise previa ao início do procedimento, o primeiro passo é identificar o montante que envolve a disputa, quantificando todos os possíveis pleitos e a matriz de riscos. Entender o valor da arbitragem requer análises técnicas de engenharia, sobretudo quanto à aplicação de multas contratuais e, quando for aplicável, uma eventual apuração dos lucros cessantes.
Válido acrescentar que os contratos de EPC/turnkey, embora a transferência dos riscos esteja direcionada à contratada, é comum estabelecer um limite para a assunção de responsabilidades, e este teto costuma estar relacionado com o valor global do contrato.
Existem instrumentos e serviços que ajudam na preparação da atividade probatória, tal como a elaboração de um Early Case Assessment (ECA), que poderá subsidiar um histórico técnico do contrato, identificando matriz de risco dos pedidos, bem como a viabilidade e probabilidade dos pleitos a serem questionados.
Tendo em vista o mapeamento da matriz de riscos do litígio e o detalhamento dos pedidos, faz-se possível o uso de estratégias procedimentais para a otimização do curso da arbitragem, o que pode implicar no direcionamento do julgamento dos pedidos pela Corte, para fins de economia processual. Nesse sentido, a Intenational Chamber of Commerce (ICC), publicou algumas orientações no ICC COMISSION REPORT – Construction Industry Arbitrations Recommended Tools and Techiniques for Effective Management 2019 Uptade, na intenção de possibilitar a eficiência na gestão de procedimentos arbitrais que envolvem pedidos complexos, sobretudo na área de construção.
Tal gerenciamento está ligado à possibilidade de a Corte realizar uma espécie de bifurcação do procedimento arbitral, a fim de proferir sentenças parciais sobre pedidos que podem ser decididos separadamente, de forma autônoma e independente, sem considerar toda a matéria em litígio. A depender da materialidade dos pedidos apresentados na arbitragem, este mecanismo pode otimizar, por exemplo, resultados mais céleres aos pleitos relacionados com obrigações de fazer.
Ademais, um procedimento arbitral estratégico, envolve, inclusive, a melhor escolha dos árbitros que integrarão o colegiado de julgadores, avaliando expertises, linhas de pesquisas, posicionamentos, eventuais padrões de julgamentos.
Em síntese, os conflitos em matéria de construção no âmbito do setor elétrico são de alta complexidade, e o gerenciamento eficiente e documentado dos contratos de EPC se mostram indispensáveis à expectativa de um resultado favorável em sede de arbitragem, bem como o procedimento arbitral precisa ser pensado de maneira holística, considerando o cumprimento obrigações reflexas à construção projeto e à operação comercial do empreendimento.