Eram cinco horas da manhã em Belém do Pará. Cidade grande a nordeste da Amazônia brasileira. Eu terminava de colocar a última mochila no pequeno Fusca de cor verde – muito, muito, desbotada. George, já em seu traje de campo, me esperava e me observava serenamente. Vestia uma camisa esverdeada, calça caqui e um colete com alguns bolsos grandes. Um perfeito Indiana Jones. Estava feliz.
O plano era deixarmos Belém rumo a Paragominas, nordeste do Pará. Lá tínhamos nossa estação de pesquisa sobre a floresta que George iria visitar. Pensei: “Ai meu Deus, vou dentro deste Fusca, cheirando a peixe, com uma celebridade da ciência mundial”. Medos a parte, partimos para nossa jornada. O ano era 1996, se não me engano. Todos e tudo dentro daquele minúsculo veículo, lá fomos nós. Seriam cinco horas de viagem num asfalto que parecia a superfície lunar. O menor buraco que encontramos era do tamanho equivalente à metade do Fusca. George, agarrado no “puta merda” do Fusca, se divertia com o zigue-zague que eu fazia, desviando-nos das crateras lunares.
Durante horas, entre um solavanco e outro, seguimos numa conversa, digamos orgânica. George me falava do quanto aquelas experiências amazônicas que estávamos tendo, através da cooperação entre o IPAM Amazônia e o Centro de Pesquisa Woods Hole, nos Estados Unidos, eram “ouro puro”. Sempre usava esta expressão para mostrar admiração por algo. E olha que George era um ourives muito exigente. Poucos recebiam este elogio. Fiquei feliz com a conversa.
A animação dentro de nosso Fusca lunar terminou quando a nave estalar acabou pifando. Do nada. E não estávamos nem na metade da viagem. Nossa sorte foi a quebra acontecer próximo a um posto de gasolina. Não porque poderia haver mecânicos no tal posto. Mas era o abrigo de que precisávamos. Calor intenso e muita poeira. Mesmo com este imprevisto, George seguia feliz. Absorvia tudo. Queria saber da história de cada pessoa que nos abordava para oferecer ajuda. Nossa sorte foi que estávamos viajando num Fusca. Um carro que se fosse uma espécie biológica seria classificado, digamos, de vírus. A coisa mais simples, possível, que a indústria automobilística já produziu.
Depois de um tempo e muita conversa, conseguimos identificar o problema no motor. A mangueira que alimentava o carburador tinha se rompido. Foi aí que o “puro ouro” aconteceu. Sem ter com o que fechar o buraco na mangueira, George arrumou um chiclete na lanchonete do posto. Mascou-o, tirou-o da boca, esperou alguns minutos para secar e ficar grudento, e socou a goma na mangueira. Eureka!
Seguimos viagem com mais conversas produtivas e com George exclamando: “Foi para lidar com este tipo de problema que fiz Ph.D”. Lembro, ainda, que voltamos para Belém, com o chiclete exercendo plenamente seu papel de vedação. Acho que está lá até hoje exercendo seu legado, se é que o carro ainda existe.
George Woodwell, que morreu no mês passado aos 95 anos, deixou, além do chiclete no motor do Fusca, legados preciosos para a ciência mundial. Pioneiro nos estudos sobre ciência climática, ele fundou o Centro de Pesquisa Woods Hole, que em 2020 foi rebatizado para levar seu nome. Mas não só, George marcou profundamente as pessoas que o cercaram e deixou esperança para as próximas gerações.
Vá em paz, meu amigo. Você fará muita falta!