O Brasil possui cerca de 502 milhões de dispositivos eletrônicos (computador, notebook, tablet e smartphone) atualmente. Isso significa que há 2,4 dispositivos eletrônicos por pessoa, em um país onde um trabalhador médio produz 25% menos do que o trabalhador de nações consideradas mais desenvolvidas, como Estados Unidos e Japão.
Se por um lado o excesso de mídias digitais prejudica a produtividade das empresas, por afetar o desempenho de seus funcionários, por outro, há de se discutir o papel que esses dispositivos têm no auxílio à Justiça, sobretudo à Justiça do Trabalho.
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Isso ocorre pelo sistema de geolocalização presente na esmagadora maioria dos dispositivos. É possível, por meio de satélites que orbitam o globo terrestre, saber com precisão a localização de um indivíduo por meio de seu aparelho celular ou outro dispositivo eletrônico.
A tecnologia funciona da seguinte forma: o dispositivo (celular, carro, tablet etc.) capta sinais de, em média, três ou quatro satélites; em seguida, calcula-se a distância até cada satélite e cruza-se esses dados, obtendo latitude, longitude e altitude do dispositivo. A margem de erro fica entre 5 e 10 metros, com detalhamento de horas e tempo de permanência, o que fornece dados suficientes para questionar a credibilidade de cartões de ponto pouco precisos e de baixa confiabilidade na Justiça do Trabalho.
Partindo do pressuposto de que é extremamente incomum uma pessoa sair de casa sem portar seu celular, a geolocalização ganha validade em diversas esferas do Judiciário. Essa tecnologia se torna ainda mais relevante em locais de difícil acesso, nos quais as empresas enfrentam dificuldade em adotar o Registrador Eletrônico de Ponto (REP). Em atividades como a silvicultura, realizadas em áreas com baixo sinal de telefonia ou acesso limitado à internet, a comprovação da rotina laboral do funcionário torna-se mais complexa e dispendiosa, especialmente quando há litígio.
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9) já julgou procedente a utilização de geolocalização para comprovar os horários de trabalho de uma funcionária doméstica que não possuía registros formais de jornada, entendendo que, apesar de a simples presença do aparelho não comprovar efetivamente o labor, havia indícios relevantes³. Nesse caso, a presunção de veracidade adquire novas formas, pois se reconhece a presença do trabalhador no ambiente laboral por meio da tecnologia.
De maneira semelhante, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) posicionou-se favorável ao uso da prova digital nos processos trabalhistas. A Corte destacou que não há impedimento à sua utilização, desde que observados os parâmetros da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), do Marco Civil da Internet e da Lei de Acesso à Informação.
O TST reforçou, contudo, que o uso da geolocalização só será aceito caso respeite requisitos como o limite da prova, o menor desconforto possível à intimidade do indivíduo e a garantia do contraditório.
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Isso significa que a geolocalização não poderá ser aceita como prova judicial se não houver a possibilidade de apresentação de provas contrárias, como uma testemunha que confirme a presença do trabalhador em outro local. De todo modo, a prova digital, segundo o TST, deve servir apenas para compor o conjunto probatório do ato questionado em juízo, não podendo ser utilizada como meio de rastreamento da vida do indivíduo fora da jornada de trabalho. O que o trabalhador fez ou onde esteve após o expediente segue em completo sigilo.
Superadas as alegações de violação à intimidade, a Justiça do Trabalho continua com a missão de ponderar as provas disponíveis para assegurar o devido processo legal de forma justa às partes. Em um país hiperconectado, nada mais coerente do que se valer desses meios — desde que com cautela e em observância aos direitos fundamentais — para manter o equilíbrio da balança da Justiça, que muitas vezes parece desajustada em relação à realidade.