O resultado da cúpula do G20 no Rio de Janeiro, em novembro deste ano, irá refletir a capacidade do Brasil de mobilizar os demais países do grupo para enfrentar alguns dos maiores desafios da humanidade, como a fome, a pobreza, a desigualdade e as mudanças climáticas.
Mas o sucesso do comunicado final do G20 não deveria ser medido levando em conta apenas o que ele apoia, mas também o que ignora. Comunicados de ciclos anteriores tiveram o efeito de impulsionar a cooperação dos países do G20 em matéria de anticorrupção de forma transversal e significativa. O mesmo poderá ser dito sobre este ciclo, sob a presidência do Brasil?
A corrupção impõe uma barreira perversa para o desenvolvimento sustentável por meio de três maneiras principais: 1) por uma mobilização ineficiente e ilegal de recursos, já que verbas perdidas para a corrupção deveriam estar contribuindo para o bem comum; 2) com alocação ineficiente e pouco técnica de recursos públicos, devido à influência indevida na tomada de decisões de políticas públicas; e 3) no momento do gasto público, com risco de corrupção em licitações ou prestação de serviços, o que ficou evidente durante a pandemia da Covid-19 em diferentes países.
A corrupção com a qual nos deparamos hoje, além de transversal, é transnacional. Países do G20 – as maiores economias do mundo – têm o poder e a responsabilidade de avançar agendas de reforma ambiciosas, com impacto global. Compromissos assumidos neste fórum têm maior chance de serem adotados em outros países, além de terem sua difusão facilitada por meio da oferta de assistência técnica – seja pelos próprios governos do G20 ou por organismos internacionais.
Países do G20 têm agora uma oportunidade de ouro de adotar compromissos ambiciosos que avancem as agendas de ciclos anteriores, consolidando o legado da presidência brasileira do G20 na pauta da integridade financeira. Ações concretas de integridade financeira têm o poder de tornar mais difícil que a corrupção aconteça, e mais fácil para as autoridades detectarem e punirem crimes financeiros.
Entre elas, é preciso acabar com a opacidade financeira. Há exatos dez anos, o G20 fez história ao aprovar diretrizes de alto nível sobre beneficiários finais, orientando os países a manter um registro sobre as pessoas, de carne e osso, que detêm, controlam ou recebem dividendos de uma empresa. Alguns países do G20, no entanto, ainda não dispõem de registros, enquanto outros precisam melhorar a qualidade da informação e do acesso a estes dados.
Em segundo lugar, é preciso aprofundar a cooperação para o monitoramento e a regulação dos facilitadores da corrupção (os “enablers”): bancos, advogados e provedores de serviços que facilitam a corrupção. Países do G20 concentram grande parte desta engrenagem da corrupção transnacional. Por fim, é necessário ampliar a cooperação internacional de inteligência financeira, em nível transnacional e especialmente focado na detecção precoce de crimes financeiros.
O reconhecimento de medidas anticorrupção em princípios, declarações e comunicados no âmbito do G20 é o comprometimento público dos governos destes países, um primeiro passo. Para que tenha o impacto desejado no desenho e implementação da agenda de combate às desigualdades e promoção da sustentabilidade, as declarações devem ser seguidas por ações concretas.
Em 2024, a perspectiva de uma declaração ministerial sobre anticorrupção e desenvolvimento sustentável oferece uma oportunidade de destaque para vincular a agenda anticorrupção do G20 com as prioridades mais amplas do G20 do Brasil e o comunicado da cúpula dos líderes. Os dois grupos de trabalho implementados no G20 neste ano – para uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e para uma Mobilização Global contra as Alterações Climáticas – buscam mobilizar fundos para financiar estas pautas. Recomendações técnicas anticorrupção e compartilhamento de melhores práticas beneficiariam ambas as iniciativas, ao garantir que tais fundos sejam utilizados onde são mais necessários.
O mesmo pode ser dito sobre a proposta de imposto de 2% sobre bilionários. A pesquisa do economista Gabriel Zucman estima que tributar os US$ 13 bilhões concentrados nas mãos dos 2.700 multimilionários do mundo poderia mobilizar US$ 250 bilhões adicionais anualmente. Sua implementação depende de mecanismos de transparência financeira e cooperação entre unidades de inteligência financeira. Outros mecanismos anticorrupção ajudam a assegurar que os recursos adicionais arrecadados serão alocados de acordo com o interesse público, ajudando a reduzir a atual lacuna de financiamento para a concretização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Por fim, urge assegurar que os esforços anticorrupção sejam efetivos em recuperar os recursos públicos desviados e em reparar integralmente os danos causados por atos de corrupção. Por isso, os esforços atuais de renegociar acordos de leniência e conceder descontos extravagantes a empresas que confessaram estes atos gera preocupação. As decisões que promovem a impunidade de empresas e de indivíduos já vêm produzindo consequências legais negativas, como a interrupção de investigações em países afetados pela exportação da corrupção brasileira. As prioridades internacionais do Brasil no G20 precisam se refletir na política doméstica.
A corrupção não deve ser tratada de maneira isolada de outras políticas, nem como uma agenda concorrente às demais. Os esforços anticorrupção também não podem ser colocados à margem por contextos políticos polarizados ou sequestrados por grupos políticos mais interessados em desmanchar estruturas de enfrentamento ao crime organizado e à corrupção.
Ao implementar efetivamente os compromissos existentes do G20 sobre a transparência dos beneficiários finais e melhorar a cooperação entre agências de fiscalização e sanção, o G20 pode desferir um golpe contra criminosos e funcionários públicos corruptos e, ao mesmo tempo, apoiar o desenvolvimento sustentável e reduzir a desigualdade. Se não forem feitos esforços genuínos e multifacetados para combater a corrupção de forma mais ampla, medidas inovadoras de redução da desigualdade terão pouco impacto e eficiência.