Fim de disputa pela desoneração coroa ano de incertezas na área tributária

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O Brasil fecha o ano de 2023 parecendo uma máquina de produzir improvisos, ao menos na área tributária. Há pelo menos quatro exemplos capazes de sustentar essa ideia, e eles expõem a participação dos Três Poderes nessa triste linha de produção.

O primeiro envolve o Supremo Tribunal Federal (STF) e os governos estaduais. No final de novembro, a corte decidiu que os estados podem fazer a cobrança do Difal do ICMS a contar de 2022. A decisão deu vitória aos governadores e contrariou o pedido de três entidades representantes de contribuintes, que esperavam que o recolhimento fosse validado apenas a partir de 2023.

O difal é um sistema de divisão do ICMS entre estados de origem e de destino de um produto. O problema é que o difal foi criado sob bases jurídicas frágeis, e três ações sustentavam que deveria respeitar as anterioridades nonagesimal e anual para começar a produzir efeitos. Como a lei de regulamentação é de 5 de janeiro de 2022, está claro que o difal só deveria entrar em vigor em 2023.

O STF, porém, entendeu que o único prazo para recolhimento válido é o de 90 dias após a sanção. Assim, uma conta de cerca de R$ 14 bilhões caiu no colo do setor produtivo antes de o Natal chegar.

O segundo exemplo envolve o STF e governo federal. O ano se encerra sem a corte terminar o julgamento a respeito da retroatividade dos efeitos da mudança de paradigma que promoveu a quebra da coisa julgada em matéria tributária. Em fevereiro, o plenário estabeleceu que não há mais sentença definitiva em questões tributárias: um contribuinte que tenha obtido decisão com trânsito em julgado sustando o recolhimento de um tributo perde automaticamente seu direito se, em algum momento posterior, o STF considerar o imposto constitucional.

Desde lá, os ministros debatem quando a nova regra passa a valer. A maioria entende que a cobrança será retroativa. Ou seja, empresas antes autorizadas pela Justiça a não pagar determinado imposto passam a dever valores supostamente acumulados por anos. A ala minoritária defende a modulação, com efeitos assegurados somente a partir de fevereiro. Um pedido de vista adiou a conclusão do caso, prolongando incertezas para 2024.

Mesmo a maior mudança já promovida no sistema arrecadatório brasileiro, a reforma tributária, conseguiu produzir uma “surpresa” no fim do ano. É o terceiro exemplo da máquina de improvisos e envolve Congresso, governo federal, estados e Assembleias Legislativas.

Após meses de debates e votações no Congresso, governadores “descobriram” que a forma de rateio do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá tributos estaduais e municipais, beneficia algumas unidades da federação em razão de terem alíquotas maiores de ICMS. Em vez de trabalhar pela mudança da reforma no parlamento, em busca de um cálculo mais justo e equilibrado, governadores se lançaram em uma corrida para aumentar alíquotas, atropelando a sociedade e o setor produtivo nos últimos dias do ano.

Para coroar a lista de gambiarras e remendos, é preciso citar a novela da desoneração da folha de pagamento, uma política importante para 17 setores que empregam muita mão de obra. A desoneração passou a vigorar em 2012 com o objetivo de impulsionar segmentos com grande necessidade de contratação. A regra permite às empresas substituírem a contribuição previdenciária por tributo que incide sobre a receita bruta. Isso reduz a carga sobre as companhias, incentiva a geração de empregos e aquece a economia.

Desde lá, essa política vem sendo renovada periodicamente sem um debate amplo a respeito de suas vantagens, extensão ideal e regras definitivas. No início do ano, houve um ensaio de tratar a desoneração dentro da reforma tributária, mas chega-se novamente ao período de festas sob afogadilho. Ao menos, a mais recente decisão, que encerra essa queda de braço, é positiva. O Congresso derrubou na última quinta-feira (14) o veto presidencial à prorrogação dessa política, que seguirá vigorando até 2027.

Curiosamente, em maio, escrevi um artigo tratando desse tema. “Não será surpresa se, na correria de fim de ano, a regra seja novamente renovada de forma precária, como dois anos atrás, prolongando a insegurança que afeta planos empresariais de expansão”, diz um trecho do texto. Como estamos em época de renovar esperanças e expectativas, espero não precisar repetir essa mesma frase no final de 2027.