Vamos lá, responda sim ou não:
Você acredita que homens e mulheres devem ter equidade salarial quando ocupam os mesmos cargos profissionais?
É a favor da igualdade de oportunidades para homens e mulheres?
É a favor de um cenário em que as mulheres sejam livres para trabalhar, votar e escolher a vida que quiserem?
Você se considera feminista?
Se respondeu “sim” a pelo menos duas dessas perguntas, então você é feminista. Esta conclusão pode te surpreender ou até te incomodar. Quando ouve a palavra feminismo, qual é a sua reação? Quando uma mulher do seu convívio se declara feminista, o que pensa sobre ela?
Estas perguntas nos levam a uma reflexão sobre o que é o feminismo e seu impacto na sociedade. O feminismo “entrou na moda” com o movimento MeToo em Hollywood, em 2017. No Google, a procura pelo termo feminismo cresceu 200% entre 2015 e 2017, assim como a busca pela expressão empoderamento feminino. Desde então, não há consenso sobre as opiniões que o tema provoca.
O feminismo defende a igualdade entre homens e mulheres e preconiza a ampliação dos direitos civis, sociais e políticos das mulheres. Uma grande parte das pessoas tem aversão ao seu significado e torce o nariz para qualquer tema relacionado. Se o feminismo é pela igualdade, por que ainda há tanta repulsa por esta palavra? Um dos principais motivos é o preconceito, fruto de variáveis sociais e históricas.
Desde que o movimento feminista surgiu, na primeira onda em meados do século 19, com as sufragistas lutando pelo direito ao voto, havia uma propaganda contra essas mulheres, com cartazes e mensagens ofensivas e pejorativas. Essa prática persiste até hoje, e a violência contra a figura feminina é utilizada para enfraquecer o grupo.
A concepção das diferenças entre os sexos, marcada no corpo, justificava as desigualdades políticas. Essa realidade começou a mudar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com as reivindicações das ondas feministas, principalmente na década de 1960. Foi um período emancipador, iniciando discussões sobre o papel social da mulher, relações familiares, leis trabalhistas e responsabilidades sexuais e reprodutivas.
Diante do progresso, era de se imaginar que o feminismo fosse reverenciado, principalmente pelas mulheres, mas não é o que acontece. O preconceito possui várias facetas, fruto de visões equivocadas. As feministas são estereotipadas como masculinizadas, feias, que não se depilam e odeiam homens. Esses rótulos pejorativos persistem desde o início do século 20, quando elas eram chamadas de solteironas, e artigos especulavam sobre suas preferências sexuais. Um século depois, essa visão ainda existe.
Em pesquisa recente nos EUA e no Reino Unido, constatou-se que apenas 1 a cada 5 mulheres se considera feminista. No Brasil, 38% se declaram feministas. Na contradição dos significados, numa pesquisa global, 8 em cada 10 pessoas acreditam que homens e mulheres devem ser tratados igualmente, mas 25% da população brasileira acredita que o feminismo faz mais mal do que bem. Ou seja, o problema está na palavra feminismo.
Uma análise qualitativa do Reino Unido descobriu que fatores cruciais na rejeição ao rótulo feminista são a associação ao ódio aos homens, lesbianismo e falta de feminilidade. As más línguas que quiseram deturpar o movimento conseguiram fazer isso de maneira eficiente, e o feminismo não soube ter um bom publicitário ou um departamento de relações públicas competente o bastante para desvencilhar-se dessas imagens negativas.
Outro aspecto negativo que reduz a adesão ao feminismo é a apropriação desta bandeira por um lado do espectro político, a esquerda. Por que a pauta feminista tem que ser associada com a esquerda? Isso é inconveniente, pois ao se identificar como feminista, as pessoas automaticamente te colocam numa caixinha. A realidade política está tão polarizada e rígida que não dá para ser liberal e feminista ao mesmo tempo. O feminismo perdeu popularidade com essa rigidez e associação de posicionamento político.
Falar sobre a baixa taxa de participação política das mulheres virou coisa de esquerdista reclamão. Denunciar desigualdade salarial virou “mimimi” de mulher neoliberal. Falar sobre aumento de lucros em empresas com mais mulheres em cargos de decisão é pedir para ser criticada pelas duas torcidas. Dados? O que são dados diante de quem já tem certeza, não é mesmo?
Diante dos fatos apresentados, como é possível melhorar a imagem do feminismo e prosseguir na agenda em prol da mulher e sua liberdade? Primeiramente, como sociedade, precisamos desafiar expectativas estreitas sobre como uma mulher deve agir ou se comportar. Muitos defendem a igualdade salarial e de oportunidades sem se declararem feministas. Mais do que isso, é preciso tornar o movimento mais inclusivo, chamando as mulheres não feministas e, principalmente, os homens, buscando sobretudo reduzir o preconceito de que feministas os odeiam.
A inclusão pode resultar num feminismo mais aberto às experiências e preocupações de grupos diversos de mulheres, afinal, o feminismo possui diversas facetas como todo movimento social. Sem a ampla conscientização dos seus benefícios, a sociedade perde como um todo. Melhorar a sua imagem é fundamental para garantir o desenvolvimento social e econômico dos países. Quando mais mulheres estão incluídas na economia, o PIB dos países cresce. Segundo o Banco Mundial, incluir mais mulheres no mercado de trabalho poderia impulsionar a riqueza do mundo em até 20 pontos percentuais do PIB global.
Mas acreditamos que dados, juntos a uma profunda reflexão, nos tirarão desse Fla-Flu que tem adoecido homens e mulheres. O problema reside na busca por uma compreensão maior do movimento, que exige esforço, estudo e abertura ao diferente. O maior inimigo do feminismo hoje é a preguiça.
Uma pesquisa inglesa recente apontou algo intrigante: na geração Z, há diferentes visões de mundo a depender do gênero. Mulheres de 18 a 30 anos são 30 pontos percentuais mais liberais do que seus pares masculinos. Nos EUA e Europa, mulheres jovens possuem uma visão mais humanitária sobre imigração e pautas raciais. Na Alemanha, os homens mais jovens têm se aproximado do partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha), que é contra imigração.
A agência brasileira Consumoteca descobriu que, para homens da geração Z, o relacionamento online é mais significativo do que a interação face a face. 47% deles acreditam que o espaço digital propicia uma conexão mais autêntica, contra 36% das mulheres. Conclusão: a dificuldade de interpretação sobre igualdade de gênero leva esses jovens a uma rota de fuga, representada por isolamento social e interação com bolhas de internet com discursos de ódio e intolerância.
As garotas demandam melhores condições de existência e relacionamentos, denunciando comportamentos discriminatórios. Mas os dois grupos apresentam desdém em relação ao acolhimento do diferente. Não se espera que uma jovem discuta racionalmente com um Red Pill sobre sua independência, mas a não abertura ao diálogo está fortalecendo misóginos.
Mulheres mais velhas e homens também negam o feminismo por preguiça e discursos machistas internalizados, disfarçados de apoio a outras causas. Muitos empresários se recusam a aceitar dispositivos de igualdade em suas empresas, alegando que isso fere a meritocracia, quando na verdade estão perpetuando desigualdades estruturais.
Além disso, é importante destacar que o patriarcado afeta ambos os gêneros. Homens sofrem com a pressão de corresponder a expectativas irreais de masculinidade, o que contribui para taxas alarmantes de suicídio masculino. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as taxas de suicídio entre homens são significativamente maiores que entre mulheres, refletindo uma crise de saúde mental.
Costumava-se dizer que o maior aliado do machismo era o silêncio. Agora, se passarmos a falar sobre ele, a preguiça pode se tornar nosso novo maior inimigo. Melhorar a imagem do feminismo é indiscutível para garantir o desenvolvimento social e econômico dos países. Quando mais mulheres estão incluídas na economia, todos ganham.