Do ponto de vista das redes, uma declaração como a de Lula sobre o Holocausto tem efeito para além do usual apenas quando altera o balanço prévio entre apoiadores e críticos ou se mobiliza um dos lados à ação. Levantamento do JOTA nas redes abertas em uma amostra de 70 grupos mostra que o primeiro movimento não aconteceu, mas o segundo, sim.
A divisão direita/esquerda marcou as respostas, dando aos críticos do presidente mais um motivo para se oporem a ele. Os apoiadores, em geral, avaliam que se tratou ou de uma prova de coragem ou de um erro de tom, mas que aponta na direção certa de defesa dos civis palestinos mortos pela resposta militar de Israel ao atentado do Hamas.
O caráter mais consequente do episódio foi o reforço à mobilização para a manifestação pró-Bolsonaro do dia 25 na Paulista. Nessa segunda (19/2), mais de 30% de todos os posts sobre o evento citaram as declarações do presidente. Nos grupos de assuntos gerais, o protesto foi defendido por perfis que ainda não o tinham citado desde a convocação. Uma evidência do efeito simbólico e prático deve ser visível na avenida no próximo domingo, já que a onda de posts pede que os manifestantes levem bandeiras de Israel e usem o azul, além do verde e amarelo.
Entre o público evangélico, as declarações de Lula servem como prova adicional de que campo político alinha-se a suas convicções. Vários posts citam que o tema foi tratado nos cultos de domingo, como evidencia também o vídeo que viralizou em que o ministro André Mendonça fala em uma igreja Presbiteriana sobre a defesa de Israel diante da posição do governo brasileiro.
Este alinhamento é importante à luz da principal dificuldade da organização do evento: o transporte de manifestantes de outras cidades para São Paulo. As igrejas têm estrutura e experiência em excursões religiosas e podem ajudar nesse esforço, sem tanto receio de Alexandre de Moraes quanto outros financiadores, no agro e entre empresários, que ajudaram nos protestos pós-eleitorais.
Para os seguidores mais ideológicos serve de munição para a disputa política maior, em que Israel, especialmente sob Benjamin Netanyahu, forma um eixo conservador, ao qual pertencem a Itália de Giorgia Meloni e a Hungria de Viktor Orbán.
O possível caráter de gafe ou exagero involuntário na fala do presidente, alegado por alguns defensores, é reduzido exatamente por essa clivagem muito clara. No último 9 de fevereiro, dia em que Javier Milei encerrou a visita a Israel em que teve reunião efusiva com Netanyahu, Lula plantou uma oliveira na embaixada palestina em Brasília e participou de jantar com embaixadores de países árabes e outros países muçulmanos.
O presidente argentino foi chamado pelo premiê de “grande amigo do Estado de Israel”. Que Lula tenha sido declarado persona non grata pelo chanceler Israel Katz menos de duas semanas depois é um sinal para a direita e a esquerda de que suas respectivas posições se enrijecem.
Vantagem nas redes e opinião pública
No geral, houve vantagem da direita no total de posts sobre a declaração de Lula, mas não muito diferente da dianteira estrutural que impôs à esquerda nos últimos anos. Em uma amostra de 850 publicações analisadas pelo JOTA (descartando as neutras ou informativas), houve 62% de posts negativos e 38% positivos.
É um claro domínio virtual, mas menor do que no mês que se seguiu ao atentado de 7 de outubro. Mais importante: esse volume digital e a câmara de eco dos comentários da imprensa tem nublado um cenário mais complexo na opinião pública.
Um estudo feito pela AtlasIntel com 5.211 brasileiros maiores de 16 anos, entre os dias 17 e 20 de novembro, pouco mais de um mês após o ataque do Hamas contra civis israelenses, revelou que 45,7% dos entrevistados acreditavam que os ataques de Israel na Faixa de Gaza não eram justificáveis, enquanto 26,9% consideravam serem totalmente justificáveis. Outros 27,4% tinham opiniões mistas a respeito ou estavam indecisos
Quando questionados se os bombardeios de Israel na Faixa de Gaza constituíam terrorismo de Estado e crimes de guerra, 42,7% avaliaram que sim e 36,7% que não.