Os alertas da ciência já são muito claros e o aquecimento do planeta é uma realidade global. É de amplo conhecimento que a mudança do clima são as transformações a longo prazo nos padrões de temperatura do planeta, principalmente causadas por atividades humanas, e que podem levar a uma maior ocorrência de desastres climáticos.
Os oceanos, além de cobrirem 71% da superfície do planeta, têm papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico e na regulação do sistema climático. Isso se deve à sua capacidade de absorver parte das emissões de gás carbônico para atmosfera, minimizando assim o efeito estufa e o aquecimento global.
Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!
Por outro lado, os oceanos não estão isentos de serem impactados pela mudança do clima global. Segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima – IPCC, os principais impactos projetados para os oceanos são a acidificação, aumento do nível médio do mar e aquecimento das águas, efeitos que podem acarretar um desequilíbrio em cascata no ecossistema marinho e costeiro, representar uma ameaça à biodiversidade marinha e até mesmo à existência humana em determinados territórios do planeta.
Esses impactos são suportados de forma diferente pelos Estados. No que tange às populações costeiras e insulares, o aumento do nível do mar pode levar, nas próximas décadas, à erosão, perda de terras e dos meios de subsistência, intrusão de água salgada em reservas de água doce, redução de segurança alimentar, migrações forçadas e maior exposição a outros eventos climáticos extremos. Neste contexto, a mitigação dos impactos da mudança do clima é também uma questão de sobrevivência. Não se trata apenas de um tema ambiental e não é possível falar em mudança do clima sem relacionar com direitos humanos.
O aumento do nível médio do mar é devido, principalmente, ao aumento das taxas de derretimento das camadas de gelo polares e à expansão térmica oceânica à medida que aquece, ambas relacionadas com o aquecimento global. O nível médio global do mar aumentou 8–9 polegadas (21–24 centímetros) desde 1880.
Impossível falar em aumento do nível do mar sem evidenciar Tuvalu, ilha paradisíaca localizada no oceano Pacífico, entre a Austrália e o Havaí, com uma população de cerca de 11 mil habitantes, e que, por estar poucos metros acima do mar (ponto mais alto a 4,5 metros), está especialmente vulnerável à crise climática, correndo o risco de desaparecer nas próximas décadas. Um dos ministros de Tuvalu fez um histórico discurso, em pé de dentro do mar, para ser exibido durante a Conferência das Partes pela Mudança do Clima – COP 26, chamando a atenção do mundo para aumento do nível dos oceanos e os impactos que já são suportados pelo país.
Durante a mesma COP, a qual foi realizada em Edimburgo no ano de 2021, foi estabelecida a Comissão dos Pequenos Estados Insulares sobre Mudança do Clima e Direito Internacional – COSIS, uma organização intergovernamental criada a partir da preocupação alarmante dos Estados insulares e, assim, terem mais força no cenário internacional. Esses Estados, embora emitam uma quantidade ínfima de gases de efeito estufa para a atmosfera, estão entre os países mais vulneráveis, que podem desaparecer dentro do mar.
Há muito tempo o mundo discute sobre a enfrentamento da emergência climática. Líderes mundiais firmaram a Convenção Quadro sobre a Mudança do Clima, primeiro compromisso internacional de redução de emissão de gases de efeito estufa, durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (ECO-92). Anos mais tarde, em 2015, 195 países do mundo adotaram o Acordo de Paris, visando fortalecer a resposta global eficaz e progressiva à ameaça urgente da mudança do clima, dentre outros compromissos internacionais correlatos. Nos próximos dias será realizada mais uma rodada de negociações globais durante a 28ª COP, em Dubai. Muito vem sendo discutido, mas até hoje existe o desafio da implementação de medidas climáticas concretas e efetivas.
É nesse contexto que países mais vulneráveis estão levando suas preocupações às mais altas cortes e tribunais internacionais do mundo. Esse movimento de invocar o direito internacional demonstra um alarmante esforço para garantir que os países desenvolvidos, que são os maiores emissores de gases de efeito estufa, levem a sério os compromissos internacionais em matéria de mudança do clima. No ano de 2022, a COSIS submeteu pedido de opinião consultiva ao Tribunal Internacional do Direito do Mar – ITLOS, buscando obter da corte um parecer acerca das obrigações juridicamente vinculativas e específicas dos Estados no enfrentamento da crise climática. A consulta ainda está em andamento e a comunidade internacional aguarda saber o que a constituição do direito do mar tem a dizer sobre a problemática. A Corte Internacional de Justiça e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, do mesmo modo, estão com pedidos de pedidos de opinião consultiva similares em andamento.
Nos últimos dias (novembro de 2023), Austrália e Tuvalu estabeleceram uma avançada, integrada e abrangente parceria para a salvaguarda do futuro de Tuvalu, chamada União Falepili. Falepili é em uma palavra tuvaluana que reflete o dever dos vizinhos de cuidar, compartilhar e proteger uns aos outros. Com base nesses valores, os dois Estados assinaram um tratado histórico, por meio do qual a Austrália se compromete a envidar esforços na recuperação de terras para que o povo de Tuvalu continue a viver e prosperar no seu território e mantenha as profundas e ancestrais ligações à terra e ao mar. Ao mesmo tempo, será permitida a mobilidade humana, com limitação anual, para os cidadãos de Tuvalu irem viver, estudar e trabalhar na Austrália, bem como ter acesso à educação, saúde e renda básica australiana e apoio familiar na chegada.
Esse tratado inédito reconhece que as alterações climáticas são a maior preocupação de segurança nacional de Tuvalu. Ademais, o governo australiano promete prestar assistência à Tuvalu na resposta a um grande desastre natural, uma emergência de saúde pública de importância internacional ou agressão militar. Todavia, o acordo não apresenta nenhum compromisso de redução de gases de efeito estufa por parte da Austrália.
O aumento do nível do mar, embora seja mais crítico, não é um problema que se restringe ao oceano Pacífico ou ao hemisfério norte. Cabe relembrar que o Brasil conta com mais de 7mil km de costa, onde alguns poucos estudos já evidenciam o aumento de inundações costeiras e a redução da linha de praia. Como disse o ministro da justiça de Tuvalu em 2021, “estamos afundando, mas o mesmo está acontecendo com todos”.