O relatório bimestral divulgado nesta quarta-feira (22) mostrou um cenário mais favorável do que se antecipava para este momento na trajetória fiscal deste ano. E ajuda a entender o porquê de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter sido tão enfático pela manhã em sua postura de questionar o que ele considerou “ruídos” sobre a gestão fiscal em particular, e a política econômica de forma geral.
O documento que contabilizou o desempenho das receitas e despesas de janeiro a abril, e fez projeções para o resto do ano, mostrou piora no resultado primário, que passou de R$ 9,3 bilhões para R$ 14,5 bilhões de déficit. Mas ainda o manteve dentro da banda de tolerância. Mesmo com R$ 13 bilhões de gastos para socorro ao Rio Grande do Sul, que não serão considerados para efeito de avaliação do resultado fiscal, o déficit aparece abaixo do limite de tolerância de saldo negativo de R$ 28,5 bilhões.
O relatório ainda tem alguns números difíceis de acreditar. Entre eles, a previsão de gasto previdenciário de R$ 917 bilhões (uma alta de apenas R$ 3 bilhões ante a previsão anterior, enquanto boa parte do mercado fala em números de R$ 925 bilhões a R$ 930 bilhões). Mesmo a arrecadação de concessões ainda não transmite muita segurança, entre outros elementos de incerteza, como as receitas que virão do Carf, estimadas em R$ 55 bilhões.
Porém, o que o documento indica é que a chance de alcance da meta, considerando a zona de tolerância e com um razoável volume de receitas extraordinárias, é uma possibilidade real.
Especialista em contas públicas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires avalia que os dados mostram que o cenário de riscos ainda muito grandes e que o descumprimento ou mudança da meta é um cenário possível. “Mas possivelmente, ignorando as questões do Rio Grande do Sul, você tem um caminho de resultado melhor do que o mercado espera”, diz Pires, que hoje estima um saldo negativo de 0,6% do PIB.
O economista destacou que até agora a arrecadação ficou em 29% da meta, o que aponta para 87% do projetado em termos anualizados, mas também mencionou que a despesa da previdência parece um pouco subestimada.
Cumprindo ou não a meta deste ano, após um déficit de mais de R$ 230 bilhões em 2023, a evolução em curso é evidente. Por isso, para a equipe econômica, seria incongruente o aumento dos ruídos em torno da política fiscal observados no mercado financeiro local. Há um certo inconformismo de Haddad e seu time com a piora da percepção que tem havido, expressa sobretudo nos porta-vozes do círculo financeiro.
Isso ficou patente na participação do ministro em audiência na Câmara dos Deputados, na qual ele disse que tem “fantasminhas fazendo a cabeça das pessoas” contra a administração petista. Também é o que se percebe nos bastidores da área econômica.
Haddad claramente iniciou uma ofensiva para tentar desfazer essa percepção. O movimento foi reforçado por seu principal auxiliar, Dario Durigan, ao fazer a abertura da entrevista em que foram apresentados os principais números do relatório bimestral.
Durigan destacou que os resultados das medidas aprovadas no Congresso em 2023 estão aparecendo e que o arcabouço fiscal está sendo cumprido conforme originalmente aprovado. Seu homólogo no Planejamento, o secretário Gustavo Guimarães, reforçou a mensagem, destacando que o governo segue com foco centrado em perseguir a meta zero, mesmo com a incorporação de R$ 15,8 bilhões no limite de despesas.
Haddad, na Câmara, não só enfatizou que “tudo que a Fazenda estava prevendo em termos de PIB, fiscal e inflação está acontecendo”, como salientou que o saldo negativo do ano passado basicamente foi herdado de Bolsonaro. Só faltou usar a expressão herança maldita, em uma estratégia de reforçar a polarização com a política econômica e o legado fiscal do governo Bolsonaro.
Ao enfatizar que o governo vai prosseguir na trajetória de melhora nas contas públicas, o ministro aproveitou para, em tom amigável, dar mais um recado ao Banco Central. Ele voltou a defender que “se a política monetária corresponder ao esforço da política fiscal, se elas forem mais saudáveis, é possível ter ciclo virtuoso [na economia brasileira]”. E salientou que o país ainda está em um campo muito restritivo de política monetária, com uma das taxas de inflação mais baixa de sua história recente.
A agonia de Haddad e sua equipe com o que seria uma falta de reconhecimento dos resultados que vêm sendo obtidos na economia também é vista no Palácio do Planalto. Há uma percepção de que existe uma barreira muito difícil de transpor que decorre da forte polarização dos últimos dez anos.
Nesse contexto, não resta muita saída se não insistir no discurso e tentar reforçar a comunicação com base dos dados. O que parece escapar ao ministro e ao governo, contudo, é que o “ruído”, mesmo que esteja sendo reforçado por movimentos políticos em “almoços e jantares” reservados, tem origem em parte no próprio governo.
As agitações envolvendo a Petrobras são um exemplo disso. Tanto barulho e uma demissão no caminho para no final o governo prever que a estatal vai pagar 100% dos dividendos extraordinários.
Na política fiscal, a mudança de metas para os próximos anos era pedra cantada. Mas a maneira como foi conduzida, com uma possibilidade concreta de piora no resultado primário de 2025 em relação a 2024 e a evidente indisposição de medidas também do lado da despesa, ajudou a piorar o clima e alimentou a incerteza. E na monetária, o ruído da divisão de votos muito ideologicamente identificada.
É claro que isso tudo é potencializado pelo principal evento econômico do ano: a percepção de que os juros continuarão altos nos Estados Unidos. A postura mais dura do Federal Reserve deixa todo mercado mal-humorado e mais avesso ao risco. Por isso, mesmo que haja “fantasminhas” se movimentando, como enxerga o ministro, o momento também demanda que o governo exorcize suas próprias assombrações e ajude a acalmar as coisas. É possível fazer isso sem abandonar o programa econômico apresentado nas urnas.