A Aliança Nacional LGBTI+ (Aliança), a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e a Associação Comunitária, Cultural e de Apoio Social – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans) protocolaram, nesta terça-feira (22/7), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), para declarar a inconstitucionalidade da Lei 12.479, de 17 de julho de 2025, do estado do Espírito Santo. A norma, publicada no Diário Oficial dos Poderes do Estado na segunda-feira (21/7), permite que pais ou responsáveis proíbam que seus filhos ou tutelados tenham acesso a aulas que versam sobre “identidade de gênero, à orientação sexual, à diversidade sexual, à igualdade de gênero e a outros assuntos similares”.
Para as entidades, a lei estadual afronta diversos princípios constitucionais, contrariando o princípio federativo sobre a competência exclusiva da União sobre diretrizes e bases da educação nacional. Além disso, dizem que a norma contraria a vedação constitucional a quaisquer formas de censura e afronta a liberdade de cátedra e concepções pedagógicas dos professores, “à luz do direito humano, de hierarquia constitucional relativo ao dever da educação promover a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos em geral, como o direito à não discriminação de pessoas não-binárias e que se identificam com a chamada linguagem neutra”.
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Na ação, as associações argumentam ainda que, nos últimos anos, diversas leis têm sido aprovadas pelo país no sentido de restringir ou impedir a discussão sobre gênero, orientação sexual e identidade de gênero, a exemplo das leis de “escola sem partido” e “leis contra linguagem neutra”, sendo que todas foram julgadas inconstitucionais por terem violado a competência exclusiva da União.
Sustentam que, se for permitido que pais ou responsáveis proíbam que seus filhos tenham acesso ao conteúdo obrigatório estipulado pelo Ministério da Educação (MEC), em breve haverá leis que permitem “verdadeiros cardápios que coadunam especificamente com a ideologia dos pais”, fazendo com que, mesmo dentro de uma escola, as crianças vivam em bolhas ideológicas e tenham aulas “à la carte”.
“Teremos leis que permitem que pais removam seus filhos de aulas de história sobre a Ditadura Militar, leis que permitem que pais terraplanistas removam seus filhos das aulas sobre o formato da Terra, leis que permitem que pais antivacina removam seus filhos de aulas sobre biologia, leis que permitem que pais removam seus filhos de aulas relacionadas à teoria da evolução”, destacam em um trecho da ação os advogados Amanda Souto Baliza e Paulo Roberto Iotti Vecchiatti.
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De acordo com as associações, a lei do Espírito Santo é uma tentativa de réplica do “Direito à educação moral de filhos e filhas pelos pais” garantido na Constituição dos Estados Unidos. Entretanto, defendem que ela “não deve prosperar”, visto que esse direito é aplicado no ambiente doméstico e familiar, não sendo capaz de estabelecer censura impedindo que seus filhos tenham acesso a matérias obrigatórias pelo MEC.
Além disso, também destacam que a norma estadual fere o direito de ensinar e ser ensinado da criança e do adolescente, ao proibir o acesso dos jovens à educação por preconceito de seus pais ou responsáveis. “O poder familiar é um poder dever que deve ser decidido pensando sempre no bem-estar da criança e não é do melhor interesse da criança crescer sem acesso a educação, afogada em dogmas baseados em preconceitos pessoais dos pais e responsáveis”, pontuam as associações.
Segundo as entidades, leis, como esta do Espírito Santo, “que são verdadeiros ataques aos direitos de pessoas LGBTI+, em especial os jovens”, são tratadas como normas que protegem direitos, subvertendo a ideia da legislação para que possam torná-la “palatável a uma sociedade amedrontada pelo pânico moral que eles mesmos instigam”.
“Além do mais, a permissão de que pais ou responsáveis proíbam que seus filhos frequentem determinadas aulas é uma presunção de prejuízo, o que não pode ser tolerado, ainda mais de forma absoluta e especialmente na lógica inepta do dano hipotético, ou seja, o dano imaginário, por despido de mínimos indícios de probabilidade de sua ocorrência, por decorrente de temores subjetivos despidos de embasamento empírico no mundo real que lhes justifique”, argumentam as três associações.
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Sustentam ainda que, além dos fundamentos de inconstitucionalidade formal, os diversos precedentes do Supremo atestaram a inconstitucionalidade material da proibição de debates de determinados temas em sala de aula. Assim, defendem que, “a cada instante que a lei permanece em vigor, a liberdade de expressão e de cátedra são violadas, as pessoas têm seus direitos violados a cada instante pelo Estado”.
A ADI 7847 foi distribuída à ministra Cármen Lúcia.