Entenda como a delação de Mauro Cid ajudou a fundamentar a denúncia contra Bolsonaro

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A delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tem função crucial na linha de raciocínio que conduz a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente. As informações trazidas pelo assessor próximo do ex-presidente somadas as provas coletadas pela Polícia Federal (PF) e outros depoimentos ajudam a incriminar Bolsonaro ao sustentar a acusação de que houve uma trama golpista para evitar que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o Palácio do Planalto em 2023, após vencer as eleições de 2022.

A partir dos depoimentos de Cid, PF e PGR conseguiram mapear a participação do ex-presidente do golpe. Como, por exemplo, a confecção da minuta golpista; o convite aos chefes das Forças Armadas para que aderissem ao golpe; o conhecimento do plano Punhal Verde e Amarelo que previa os assassinatos Lula, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Morae, e o uso da máquina pública para os atos preparatórios do golpe.

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Já com as investigações em curso pela PF sobre tentativa de golpe, Mauro Cid assinou, em setembro de 2023, o termo de colaboração premiada com a Polícia Federal. Na ocasião pediu: perdão judicial ou que a pena de prisão não excedesse a dois anos; restituição de bens e valores apreendidos pela PF; segurança dos familiares e extensão dos benefícios para pai, esposa e filha. Em troca, ofereceu esclarecer os crimes, falar a verdade, entregar documentos e comunicar à PF se fosse procurado por algum dos investigados. Essas informações estão nos documentos que compõem a delação que se tornou pública nesta quarta-feira (19) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Leia a íntegra dos quatro volumes da delação de Mauro Cid.

Cid prestou vários depoimentos à Polícia Federal. Em novembro de 2024, a Polícia Federal comunicou ao ministro Alexandre de Moraes que o assessor do ex-presidente não estava cooperando como o acordado e a colaboração correu o risco de ser desfeita. Contudo, Moraes interveio e chamou Cid para um novo depoimento no dia 21 de novembro. Logo no início da conversa, o ministro diz a Cid: “então nós vamos começar de forma bem direta, o que caracteriza o meu estilo”.

Após as declarações do militar, o ministro ficou satisfeito e manteve o acordo. Moraes conseguiu informações valiosas que ligavam o general Braga Netto, vice de Bolsonaro na chapa das eleições de 2022, com o financiamento do golpe. Ainda, soube que o general estava tentando obter informações do que Cid estaria dizendo à PF e ao STF. Em dezembro, Braga Netto foi preso.

A defesa de Bolsonaro sabe do peso da delação de Cid e uma das linhas da defesa é tentar enfraquecer a colaboração e questionar a sua veracidade. Em nota enviada à imprensa, os advogados do ex-presidente chamam a denúncia da PGR de inepta por ser baseada “numa única delação premiada, diversas vezes alterada, por um delator que questiona a sua própria voluntariedade”. E complementam: “Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa”.

O JOTA separou trechos da delação de Mauro Cid que ajudam a incriminar Bolsonaro, leia:

Cid confirma à PF que viu Bolsonaro editando a minuta golpista

Questionado sobre a elaboração da minuta golpista, Cid disse que não participou, mas viu o presidente fazendo alterações no texto, mexendo na determinação de prisão do ministro Alexandre de Moraes e na realização de novas eleições presidenciais.

“Não, assim que eu tô lembrando, assim que possa contribuir ou… ou mais alguma coisa de concreto não, porque eu não participei, eu não participei, eu falei da minuta, a minuta eu vi, eu vi a confecção, eu vi o presidente trocando, eu falei, mas o… de detalhe disso aí eu não sei, eu não sei se vocês querem saber quem, os mais nomes de mais gente, ou que eu abra mais, mais frente, eu não sei”.

Cid também afirma que na reunião do dia 7 de dezembro de 2022 Bolsonaro mostrou aos comandantes das Forças Armadas a denominada “minuta do golpe”, no entanto, não recebeu apoio do Exército e da Força Aérea, somente da Marinha, que aderiu à proposta. Essa informação foi recebida por Mauro Cid pelo General Freire Gomes, comandante do Exército, logo após a reunião.

Cid diz que Bolsonaro pediu para monitorar Moraes

Na delação, o ex-ajudante de ordens narra dois momentos em que recebeu pedidos para acompanhar as movimentações do ministro Alexandre de Moraes. A primeira foi em 16 de dezembro de 2022, a pedido dos coronéis Oliveira e Ferreira Lima. Depois, às vésperas do Natal, a solicitação teria partido do próprio Bolsonaro.

Assim está no documento: “INDAGADO quem solicitou ao colaborador que fizesse o acompanhamento do Ministro ALEXANDRE DE MORAES, respondeu QUE foi o próprio / Presidente da República JAIR BOLSONARO quem pediu para verificar a posição, a localização do ministro”.

Cid diz que Bolsonaro continuou inflando o golpe, mesmo após negativa do comandante do Exército

Em depoimento, Cid disse que não acreditava na possibilidade da concretização de um golpe, uma vez que o Exército já havia refutado tal hipótese. Porém, Bolsonaro continuava alimentando as esperanças de que iam convencer as Forças Armadas a concretizar a tomada de poder. Cid diz que esse foi um dos motivos pelos quais o então presidente Jair Bolsonaro não desmobilizou as pessoas que ficavam na frente dos quartéis.

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Cid cita também o encontro de Bolsonaro com o militar Aparecido Portela, suplente da senadora Tereza Cristina, que cobrou do ex-presidente “se o churrasco seria feito”. Portela estaria cobrando a efetivação do golpe, pois ao dizer “o pessoal que colaborou com a carne” estava se referindo a pessoas do agronegócio que contribuíram financeiramente para a mobilização e manutenção de inúmeras pessoas na frente dos quartéis

Cid diz que na trama golpista Bolsonaro ganhou Pix, que generais investigados estão na reserva e que ele perdeu tudo

Após a divulgação de áudios de Mauro Cid na Revista Veja, a PF convoca Cid para novo depoimento e o agente pergunta: “O senhor afirma que todos se deram bem, ficaram milionários. Quem são essas pessoas?”. Na sequência, Cid responde que estava falando do presidente Bolsonaro que ganhou Pix, dos generais que estão envolvidos na investigação e estão na reserva. E no caso próprio, que perdeu tudo. O militar disse que a carreira estava desabando, que amigos o tratavam como um leproso, com medo de se prejudicar. Disse também que não era político, não era militar e queria ter a vida de volta.

Cid traz informações sobre o financiamento do golpe

De acordo com Cid, o general Braga Netto pediu para que ele procurasse o Partido Liberal (PL) para obter o dinheiro necessário para a operação que visava monitorar e executar o ministro Alexandre de Moraes e assassinar Lula e Alckmin.

Cid tinha em mãos um papel impresso com os valores para o deslocamento aéreo, locomoção terrestre, alimentação e provavelmente, mas não se recordava com certeza, gastos com celulares. O dirigente do PL disse ao colaborador que não poderia utilizar dinheiro do partido para esse tipo de operação.

Alguns dias após, o general Braga Netto entregou o dinheiro que havia sido solicitado para a realização da operação. Segundo Cid, o dinheiro foi entregue numa sacola de vinho. Braga Netto afirmou à época que o dinheiro havia sido obtido junto ao pessoal do agronegócio.

Cid diz que falsificou cartão de vacina e vendeu joias a mando de Bolsonaro

Na delação, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro disse que recebeu ordem de Bolsonaro para falsificar os cartões de vacina dele e de sua filha, e que entregou o documento “em mãos” ao ex-presidente. Ainda confirmou que a origem do dinheiro vivo, oriundos de valores recebidos pela venda de joias e relógios pertencentes ao estado brasileiro nos Estados Unidos, que somam cerca de US$ 86 mil.