O estudo e análise da emoção esteve fortemente associada ao campo da psicologia. No entanto, da filosofia à antropologia, da teoria retórica feminista às ciências sociais e humanidades, há esforços para compreender como nossas respostas emocionais moldam, confundem e transgridem nossas realidades, embora o cientista político Laswell[1] acreditasse há muito tempo que a política era uma expressão de sentimentos pessoais.
Além disso, na contemporaneidade, percebemos uma notável proeminência do estudo das emoções e dos afetos em diferentes campos do conhecimento, tornando-se um tema interdisciplinar, chegando inclusive à ciência política. Esse interesse parecer ocorrer por observar de perto aquilo que está fora dos limites do pensamento racional e à própria a razão, que por vezes foi tida como modelo ideal para a política e a cidadania.
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Neste sentido, a atenção que a ciência política tem dedicado às emoções tem se refletido em uma considerável diversidade de abordagens e aplicações teóricas, tanto na literatura nacional quanto internacional. Como era de se esperar, os distintos fundamentos epistemológicos e metodológicos da disciplina resultam em interpretações significativamente variadas sobre a relação entre política e emoções.
Entre essas interpretações, destacam-se estudos que analisam como as emoções influenciam a tomada de decisões políticas, afetando julgamentos e escolhas; investigações sobre a personalidade de líderes políticos e seus estilos decisórios; além de análises das práticas afetivo-discursivas presentes nos discursos de partidos e candidatos.
Por essa razão, pode-se afirmar que o papel da emoção na política abrange um amplo espectro, pois ela nos auxilia a interpretar experiências passadas, com base em suas avaliações anteriores, e a reagir de forma rápida e intuitiva às circunstâncias do presente.
De fato, há boas razões para pensar que a emoção voltou a ocupar um lugar central no debate político recente, especialmente diante do fato de que alguns dos mais renomados cientistas políticos internacionais têm discutido seu impacto no contexto da polarização política nas sociedades modernas, tanto em sistemas bipartidários, como o dos Estados Unidos, quanto em sistemas multipartidários, como o brasileiro.
Em uma definição mais acessível, polarização significa a divisão da sociedade em dois grupos opostos e fortemente contrastantes, marcados por posições divergentes e, muitas vezes, irreconciliáveis. No entanto, o termo tem um significado mais técnico na ciência política. Em sua forma mais rigorosa, o conceito de polarização é fundamentado com base em referenciais identitários, como partidos, ideologia simbólica ou lideranças.
Contudo, ao conceituarmos a polarização fundamentada em afeto, isso certamente contrasta com uma tradição na ciência política de estudar polarização como a diferença apenas entre as posições políticas de bolsonaristas e lulistas por exemplo. Assim, a tendência das pessoas em se identificarem com um partido e passarem a enxergar os membros do partido oposto de forma negativa, nutrindo desgosto e desconfiança, enquanto veem os integrantes do próprio partido de maneira positiva, é o que se denomina polarização afetiva[2].
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Essa polarização afetiva, embora originalmente investigada no contexto norte-americano, já foi observada no Brasil, conforme demonstram Fuks e Ribeiro em estudo divulgado pelo JOTA[3], no qual evidenciam altos níveis de rejeição e animosidade entre eleitores com orientações políticas distintas.
As consequências dessa polarização se manifestam em duas dimensões principais: a primeira diz respeito à disseminação da animosidade para além do âmbito político, afetando comportamentos e atitudes no cotidiano. A segunda envolve efeitos políticos e sociais mais amplos, como o aumento da intolerância, a transgressão às normas democráticas e a intensificação da hostilidade entre grupos políticos, com potencial de conduzir um retrocesso democrático, isto é, a erosão dos princípios e práticas essenciais que sustentam a governança democrática, independentemente do tipo de regime político.
Neste contexto desafiador, é importante explorar o papel do uso das mídias sociais na polarização afetiva. Aliás, a causa subjacente mais estudada da polarização afetiva seja o ambiente de mídia em constante mudança, onde algoritmos de personalização tornam os indivíduos mais propensos a encontrar mensagens consistentes com suas inclinações políticas.
Assim, grande parte dos estudos em comunicação política na última década tem se concentrado na hipótese da câmara de eco, segundo a qual os indivíduos tendem a consumir conteúdos alinhados às suas crenças prévias, reforçando visões já existentes e evitando o contato com perspectivas divergentes, o que intensifica o viés afetivo e aprofunda as divisões políticas.
À par disso, as mídias sociais podem disseminar informações incorretas e prejudiciais, reforçando sentimentos positivos dos indivíduos em relação ao seu próprio partido e agravando os sentimentos negativos em relação aos partidos da oposição, além de fomentar visões distorcidas sobre a realidade política, social, econômica e cultural, impulsionadores das percepções equivocadas sobre diferentes assuntos do cotidiano. Nesta era digital de interações, tweets, curtidas etc., é possível despolarizar ou mitigar a ascensão da polarização afetiva impulsionada pelas mídias sociais?
Um dos caminhos possíveis para enfrentar esse cenário é a regulação das plataformas de mídias sociais no Brasil. Nesse sentido, destaca-se o PL 2630/2020[4], conhecido como PL das Fake News, embora seu objeto seja mais amplo, ao tratar de temas como liberdade, responsabilidade e transparência na internet. Esse projeto, apesar de já ter sido aprovado no Senado, encontra-se em análise na Câmara dos Deputados e, desde o ano passado, está paralisado devido à falta de consenso sobre diversos pontos sensíveis.
Mais recentemente, foi apresentado o PL 4144/2024[5] que trata da prevenção e combate à desinformação e à informação enganosa nas plataformas digitais e redes sociais. O seu propósito é mais específico e prevê que o Executivo aprove códigos de conduta e normas regulatórias, sem depender de mecanismos de autorregulação por parte das plataformas.
Essas propostas demonstram o esforço do país em fiscalizar o funcionamento das mídias sociais e reforçar as obrigações das big techs quanto à moderação e à transparência de suas práticas e isso pode auxiliar na despolarização afetiva.
Atualmente, essas empresas estão sujeitas apenas ao Marco Civil da Internet[6] que estabelece que as redes sociais só podem ser responsabilizadas por conteúdos ofensivos ou danosos caso descumpram uma ordem judicial de remoção, com exceção de conteúdos sexuais não autorizados e infrações de direitos autorais.
Na prática, a moderação de conteúdo fica a cargo das próprias plataformas de mídias sociais que adotam políticas internas para decidir sobre a remoção de material violento ou falso. No entanto, essa autorregulação tem se mostrado insuficiente para enfrentar não apenas os desafios da desinformação, mas também a polarização afetiva que ela alimenta, evidenciando a necessidade de políticas públicas mais efetivas, capazes de promover maior responsabilização dessas plataformas, regulamentar o funcionamento de algoritmos e assegurar uma mediação de conteúdos mais transparente e eficaz.
[1] LASSWELL, Harold Dwight. Psychopathology and Politics. Chicago: University Chigado Press, 1930. Power and Personality. New York: Norton, 1948.
[2] IYENGAR, Shanto; LELKES, Yphtach; LEVENDUSKY, Matthew; MALHOTRA, Neil; WESTWOOD, Sean J. The origins and consequences of affective polarization in the United States. Annual Review of Political Science, v. 22, p. 129–146, 2019. Disponível em: <bit.ly/3r19Hon>. Acesso em: 3 jul. 2024.
[3] FUKS,Mario; RIBEIRO, Ednaldo. Comportamentos intolerantes disseminados comprometem liberdade democrática. JOTA, [S.l.], 19 set. 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/comportamentos-intolerantes-disseminados-comprometem-liberdade-democratica. Acesso em: 13 jun. 2025.
[4] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.630, de 2020. Estabelece a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1909983&filename=PL%202630/2020. Acesso em: 16 jun. 2025.
[5] BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4.144, de 2024. Dispõe sobre a prevenção e o combate à desinformação e à informação enganosa nas plataformas de comunicação digital e redes sociais. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2651704&filename=PL%204144/2024. Acesso em: 16 jun. 2025.
[6] BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 14 jun. 2025.