Eleição de Mamdani para prefeito de Nova York é resposta à crise do neoliberalismo

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“Venham, senadores, congressistas, por favor, atendam ao chamado
Não obstruam o vão da porta, não bloqueiem o corredor
Porque quem se machucará será aquele que estiver parado
A batalha que está acontecendo lá fora
Em breve sacudirá suas janelas e derrubará suas paredes
Porque os tempos, eles estão mudando.”

O trecho acima da música “The Times They Are A-Changin’”, de Bob Dylan, é um bom resumo do espírito dos tempos atuais em que o velho mundo está moribundo e o novo ainda está nascendo. O que a eleição de Zohran Mamdani em Nova York tem em comum com as revoltas que se espalham do Nepal ao Peru e as manifestações e ocupações de espaços públicos do início da década de 2010 no Brasil e no mundo?

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Todos estes eventos são consequências da crise do neoliberalismo iniciada em 2008 com a explosão da bolha imobiliária dos Estados Unidos impulsionada pela desregulamentação do mercado financeiro. Não à toa, poucos anos depois da eclosão da crise, o mundo viu dezenas de revoltas explodirem, como o Occupy Wall Street, cujo lema que ecoa até hoje era “Nós somos os 99%”, slogan este que se refere à crescente desigualdade de riqueza entre o 1% mais rico da população e os 99% restantes.

Desde os EUA, Espanha, Grécia e diversos países europeus, passando pelo Brasil em 2013 com as Jornadas de Junho até a Primavera Árabe, o que se viu foi um grito de esgotamento contra o neoliberalismo, o qual ainda mantém o status de principal sistema político econômico do planeta.

Foi nesse contexto de revolta com o sistema que surgiu a extrema direita e o fascismo como “respostas” a este período de crise. Essas correntes políticas, em vez de constituírem solução para o descontentamento e revolta contra o sistema, representam a face mais brutal e sem pudores do próprio capitalismo. Tanto a eleição e reeleição de Donald Trump como agora a conquista de Mamdani são um sinal que vem do seio do império de que o neoliberalismo fracassou.

Porém, diferentemente das “soluções” propostas pela extrema direita, que na sua essência representam apenas a manutenção do status quo travestida de mudança, a esquerda socialista representada por Mamdani aponta para outro mundo possível em direção ao futuro e não a um passado idealizado que nunca existiu, defendendo uma transformação social e econômica profunda no modelo de sociedade em que vivemos.

Em seu livro Os camisas negras e a esquerda radical: O fascismo racional e a derrubada do comunismo, o historiador e jornalista Michael Parenti desmonta as narrativas liberais sobre o fascismo e mostra como, em vez de alternativa antissistema, ele foi justamente utilizado como ferramenta para destruir a organização da classe trabalhadora e conter o avanço do socialismo no século 20 e, agora, no século 21.

Segundo o estudioso, é o grande capital que financia a ultradireita, a qual é mobilizada para servir aos seus interesses. Foi assim durante o surgimento do próprio fascismo no início do século passado, quando as formações paramilitares do Partido Fascista de Mussolini surgiram com dinheiro da Confederação Industrial Italiana, tendo orientação direta para usar suas armas para a dispersão de manifestações e greves, e com a Marcha sobre Roma de 1922, realizada com 20 milhões de liras doadas por empresários.

Ao longo de todo o século 20 esse padrão de apoio do grande capital a ditaduras continuou com diversas intervenções, principalmente americanas, apoiando regimes e grupos autoritários ao redor do mundo. Os exemplos incluem desde países como Irã, Indonésia, Filipinas, Vietnã, Congo, até diversos casos na América Latina (Chile, Uruguai, Bolívia, Paraguai, Argentina etc.), incluindo o golpe militar de 1964, que tirou do poder João Goulart após sua defesa das Reformas de Base.

A ideologia fascista, que pode parecer irracional em seus cultos à personalidade e nacionalismo extremo, tem uma finalidade “racional” e instrumental, segundo Parenti: servir aos desígnios do poder empresarial e reprimir a esquerda radical e o movimento operário. Ele é um “fusível” do capitalismo e uma de suas formas mais brutais e autoritárias, utilizada quando os métodos democráticos já não são suficientes para controlar as massas e proteger os interesses das classes dominantes.

Qual foi, portanto, o segredo de Mamdani, socialista assumido e imigrante africano que será o primeiro muçulmano prefeito de Nova York e o mais jovem em mais de um século, para ter alcançado uma vitória espetacular na pátria que há pouco tempo elegeu Trump?

Parafraseando o título do recém-lançado livro do filósofo Vladimir Safatle, ele é “a esquerda que não teme dizer o seu nome”. “Mamdani ganhou uma eleição nos EUA dizendo-se claramente socialista, pró-Palestina, prometendo congelar aluguéis, ônibus grátis e mobilizando luta de classes. A lição é: a esquerda não ganha do fascismo falando baixo e escondendo o que somos e queremos”, afirmou Safatle, em postagem nas redes sociais.

Mamdani ouviu a população e formulou suas propostas a partir das principais dores dos nova-iorquinos, que se relacionam principalmente com o aumento do custo de vida e da desigualdade, fatores estes que também são os principais motores das manifestações que têm se alastrado pelo mundo atualmente. Congelamento dos aluguéis, serviço de creche gratuito e universal, gratuidade nos ônibus do transporte público, construção de moradias economicamente acessíveis e criação de mercados municipais com produtos mais baratos foram suas principais propostas.

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Com elas, o seu carisma e realizando uma campanha excepcional nas redes sociais, o político conseguiu reunir 90 mil voluntários. Em seu discurso de vitória, Mamdani afirmou: “Nós podemos responder à oligarquia e ao autoritarianismo com a força que eles temem e não com o apaziguamento que eles anseiam”.

Foi com este mesmo espírito que o líder revolucionário brasileiro Carlos Marighella disse em seu poema “Rondó da Liberdade”: “É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer”. O triunfo de Mamdani está, portanto, em canalizar a insatisfação contra um sistema econômico e político que domina o tecido social mundial há décadas, tendo a coragem de apresentar propostas radicais que respondem diretamente aos reais problemas e anseios das sociedades nestes tempos em que o velho está morrendo, mas o novo ainda não terminou de nascer.