Eficiência judicial e progresso econômico

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A efetividade do cumprimento das decisões judiciais representa um dos pilares fundamentais para a segurança jurídica e o desenvolvimento econômico de determinado país. No contexto brasileiro, observa-se que o processo de enforcement – notadamente nas execuções[1] – enfrenta entraves estruturais que comprometem eficácia.

De acordo com Douglass North[2], as instituições são o principal fator responsável pelo desenvolvimento econômico de determinado Estado a longo prazo. São os arranjos institucionais que estimulam ou inibem atividades que levam ao progresso econômico.

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Nesse prisma, a efetivação daquilo que foi pactuado entre os agentes (enforcement) é fundamental para reduzir os custos de transação[3]. Nesse aspecto, o Estado se revela uma organização-chave, tanto para tornar coercitivos os contratos e fazer valer a ordem quanto para fornecer os incentivos ao crescimento econômico.

Não há qualquer dúvida de que o Judiciário brasileiro, enquanto instituição de enforcement, possui inúmeros problemas a serem enfrentados, sobretudo diante do seu alto custo (equivalente a 1,6% do PIB nacional[4]), além do congestionamento de processos.

Entretanto, focar-se-á nos procedimentos de execução, que configuram uma anomalia, na medida em que se espera da parte que restou vencida no processo de conhecimento, ou que assumiu um dever, o cumprimento voluntário e imediato da obrigação.

Pode-se inferir, sob uma análise pragmática e de behavioral economics[5], que o agente devedor não cumpre a obrigação por dois motivos: pela impossibilidade (insolvência ou impossibilidade real de cumprir determinada obrigação de fazer), ou por falta de incentivo para cooperação.

Apesar de o Código de Processo Civil estipular o ônus da sucumbência, como pagamento de 10% de honorários acrescido de 10% de multa para o inadimplemento da tutela jurisdicional[6] (art. 523, § 1º, do CPC), tais penalidades não têm se revelado eficazes como mecanismos de indução ao cumprimento voluntário das obrigações.

Ou seja, no Brasil, o enforcement não tem sido eficiente enquanto obrigação do poder/dever do Estado, principalmente diante do monopólio do uso da força e da jurisdição.[7]

A lentidão na tramitação das ações executivas pode favorecer condutas oportunistas, ao possibilitar o uso de estratégias protelatórias por parte dos devedores, mas também causa instabilidade econômica, desestimula o investimento, compromete a credibilidade institucional do Judiciário e reduz a confiança dos agentes econômicos na efetividade do sistema legal. As execuções em geral duram, no Brasil, 3 anos e 1 mês [8] e o índice de congestionamento é equivalente a 64,7%.

Por outro lado, nos países de alta renda associados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o processo de execução de contratos leva em média 18 meses. Em Singapura, leva-se, em média, apenas 5 meses para finalizar um processo de execução, porquanto na Nova Zelândia e na Noruega leva-se menos de 10 meses, em média, de acordo com dados do Banco Mundial[9].

Nos termos das informações do Banco Mundial[10], quanto maior o PIB per capita, menor o tempo médio do procedimento de execução.

Portanto, a duração dos processos de execução está relacionada ao nível de desenvolvimento econômico do país. Nações com PIB per capita elevado, bom ambiente institucional e sistemas jurídicos modernos tendem a: (i) ter menos congestionamento judicial; (ii) resolver conflitos com maior previsibilidade e celeridade; e (iii) ter maior taxa de cumprimento voluntário das decisões (menos necessidade de execução forçada) – demonstrando haver incentivo suficiente para cooperação.

Nesse aspecto, seguindo a ideia de Douglass North, há uma causalidade entre maior eficiência jurisdicional (enforcement) e desenvolvimento econômico, o que por óbvio não exclui outros inúmeros motivos.

Para o Brasil alcançar um maior desenvolvimento econômico, é imperioso que se aprimore a estrutura do Judiciário no tocante ao processamento de ações que, por sua natureza, demandam maior celeridade e eficiência, sobretudo na fase de execução, gerando maior incentivo para cooperação, reduzindo os custos de transação e, portanto, para o cumprimento voluntário das obrigações.

Outra comparação interessante entre nações é o custo com o Judiciário em relação ao PIB. Apesar de o Brasil ter uma Justiça ineficiente em relação ao enforcement, é o país que tem um dos maiores custos do mundo (dados do Banco Mundial[11]):

A gravidade do cenário se intensifica ao constatarmos que a Justiça brasileira gasta 84% do seu orçamento com pessoal, ativo e inativo; deixando de investir em recursos estruturantes e em tecnologia.

Considerando o panorama identificado de ineficiência estrutural e ausência de incentivos eficazes de cooperação, sugere-se como solução a criação de varas especializadas ou de estrutura interna específica no Judiciário dedicada ao processamento otimizado nas execuções.

A situação atual, em que essas ações são submetidas ao mesmo rito processual de demandas cíveis complexas – como ações de conhecimento que exigem ampla dilação probatória –, não se mostra adequada e eficiente, considerando a natureza intrínseca e as necessidades específicas dessas demandas.

Em alternativa à criação de vara especializada, recomenda-se a implementação de estrutura interna diferenciada dentro das varas cíveis existentes, que permita um trâmite processual mais célere e eficiente para as ações de execução. Essa estrutura diferenciada poderia incluir a designação de servidores especializados, a criação de fluxos de trabalho otimizados, e a utilização de ferramentas de gestão processual que permitam a identificação e a priorização dessas demandas.

A criação de um “núcleo de cumprimento de sentença e execução” dentro de cada vara cível, com servidores treinados para lidar com essas ações, poderia agilizar significativamente o seu processamento.

A utilização de sistemas informatizados e a aplicação de tecnologias de inteligência artificial podem aumentar significativamente a eficiência e a rapidez no processamento dessas demandas, reduzindo o tempo de tramitação e os custos operacionais.

Por fim, não se pode esquecer dos meios atípicos de execução, já previstos no art. 138, IV, do CPC, devendo o juiz buscar, preservando a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, a maior eficiência possível nas execuções, determinando, desde o início, medidas coercitivas e meios alternativos – como multa diária ou mesmo a suspensão de CNH e de cartão de crédito ao devedor solvente – que inibam a inadimplência deliberada, que ocorre por seu baixo custo.

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Diante do exposto, é imperioso reconhecer que a modernização do Judiciário (enquanto instituição), especialmente no que tange à efetividade do enforcement, constitui medida indispensável para a promoção do desenvolvimento econômico brasileiro. A morosidade e ineficiência das execuções impõem elevados custos de transação, que desestimulam a cooperação entre os agentes e comprometem a confiança no sistema legal.

Portanto, a adoção de medidas institucionais voltadas à celeridade, previsibilidade e racionalização do processo executivo – como a especialização de varas, a introdução de fluxos otimizados e o uso de tecnologias – é essencial para que o Brasil avance na criação de um ambiente jurídico mais eficiente, seguro e atrativo ao investimento, contribuindo assim para um ciclo sustentável de progresso econômico.


[1] Entendidas como cumprimento de sentença e execução de título executivo extrajudicial.

[2] Douglass North foi um economista norte-americano reconhecido por ser um dos fundadores da chamada “nova economia institucional”. Seus estudos são fundamentais para compreender a macroeconomia e o papel das instituições no funcionamento das economias. Em reconhecimento à sua contribuição intelectual, North foi agraciado em 1993 com o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel.

[3] Conforme Ronald Coase expôs em seu clássico artigo The Problem of Social Cost (1960), os custos de transação referem-se aos obstáculos econômicos envolvidos na realização de trocas no mercado, como os custos de negociação, elaboração e fiscalização de contratos, bem como a resolução de litígios. Em um cenário ideal, com custos de transação inexistentes, os agentes alcançariam, por meio da negociação, soluções eficientes independentemente de quem detivesse o direito originalmente — o que ficou conhecido como Teorema de Coase. Contudo, no mundo real, tais custos são significativos, razão pela qual a estrutura institucional e o arranjo jurídico assumem papel central para a alocação eficiente de recursos e, por consequência, para o desenvolvimento econômico.

[4] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/justica-do-brasil-gasta-16-do-pib-e-e-a-mais-cara-do-mundo/

[5] A economia comportamental combina elementos da economia e da psicologia para entender como e por que as pessoas se comportam de determinada maneira no mundo real. Ela difere da economia neoclássica, que pressupõe que a maioria das pessoas tem preferências bem definidas e toma decisões bem informadas e voltadas para o próprio interesse com base nessas preferências. (https://news-uchicago-edu.translate.goog/explainer/what-is-behavioral-economics?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=sge#:~:text=A%20economia%20comportamental%20combina%20elementos%20da%20economia,realmente%20fazem%20e%20as%20consequ%C3%AAncias%20dessas%20a%C3%A7%C3%B5es.)

[6] Art. 523, § 1º, do CPC

[7] De acordo com WOLKART (2018), de janeiro a novembro de 2017, o bloqueio on-line do valor integral cobrado ocorreu em apenas 5,22% dos casos em que determinada a constrição. Pior ainda, os casos sem qualquer bloqueio (47,16%), somados aos que bloquearam valores inferiores a R$ 100 (19,73%), aos que bloquearam valores compreendidos entre R$ 100,01 e R$ 1 mil (13,78%) e aos que bloquearam entre R$ 1.000,01 e R$ 10 mil, totalizaram 90,97% das ordens de bloqueio.

[8] https://www.migalhas.com.br/coluna/tendencias-do-processo-civil/409078/primeiras-impressoes-sobre-relatorio-justica-em-numeros-2024-do-cnj?

[9] https://archive.doingbusiness.org/content/dam/doingBusiness/media/Annual-Reports/English/DB14-Chapters/DB14-Enforcing-contracts.pdf?

[10] Idem.

[11] https://documents1.worldbank.org/curated/en/244521468230960192/pdf/637250WP0Impro00Box0361524B0PUBLIC0.pdf?

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