A continuidade do recebimento de verbas parlamentares por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mesmo após o fim de sua licença não remunerada por interesse particular, levanta sérios questionamentos éticos, jurídicos e financeiros.
Trata-se de uma situação que afronta os princípios constitucionais da moralidade administrativa e da representatividade popular, além de escancarar um modelo disfuncional de responsabilização institucional. Como justificar que um deputado federal permaneça ausente do país, sem comparecer às sessões da Câmara, e ainda assim siga usufruindo de recursos públicos?
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Sob o ponto de vista jurídico, a Constituição Federal de 1988 é clara: o artigo 55, inciso III, estabelece que perderá o mandato o parlamentar que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, a mais de um terço das sessões ordinárias, salvo em caso de licença ou missão autorizada.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), em seu artigo 240, repete esse comando com precisão. Trata-se de uma obrigação objetiva e vinculante: quem se ausenta reiteradamente, sem causa legítima, incorre em abandono de cargo.
Eduardo Bolsonaro usufruiu de uma licença de 120 dias para tratar de interesses particulares – o prazo máximo permitido pela Constituição e pelo Regimento – cujo término ocorreu em 20 de julho. Desde então, não reassumiu suas funções legislativas. A partir de agosto, cada sessão deliberativa em que ele não comparecer, sem justificativa aceita, será contabilizada como falta não justificada. Ao ultrapassar um terço das sessões anuais (cerca de 40 a 44 sessões), configura-se a causa constitucional de perda de mandato, cuja declaração é dever da Mesa Diretora da Câmara, independentemente de deliberação do plenário.
A situação se agrava quando se observa seu custo para o contribuinte. A ausência prolongada não impede o recebimento de salário – com apenas descontos proporcionais por falta –, tampouco suspende automaticamente o acesso a verbas como a cota parlamentar e a verba de gabinete. Na prática, um deputado ausente pode continuar acumulando despesas com estrutura de gabinete, salários de assessores, moradia funcional e outros benefícios, mesmo sem exercer qualquer atividade legislativa.
Casos recentes ilustram o problema. O deputado Chiquinho Brazão, por exemplo, custou mais de R$ 1 milhão aos cofres públicos durante o período em que permaneceu preso, mesmo sem pisar no Congresso. Recebeu salário parcial, manteve gabinete e benefícios, e só foi efetivamente afastado após pressão pública e decisão tardia da Mesa Diretora. No caso de Eduardo Bolsonaro, cálculos preliminares indicam que, mesmo com descontos por faltas, seu mandato pode custar aos cofres públicos mais de R$ 700 mil ao longo de 2025 – sem contrapartida de trabalho legislativo.
O princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo 37 da Constituição, repudia o enriquecimento sem causa e o desvio de finalidade na administração pública. É imoral que um representante eleito receba remuneração e mantenha estruturas públicas à sua disposição sem cumprir as obrigações básicas do cargo. A função de um deputado federal é comparecer, participar, legislar. Ausentar-se deliberadamente, ainda mais em momento de grave crise institucional, é uma afronta à confiança do eleitor e ao compromisso republicano.
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Não se trata apenas de uma questão moral, mas de integridade institucional. Manter parlamentares ausentes na folha de pagamento corrói a credibilidade do parlamento, naturaliza a impunidade e compromete o princípio republicano de accountability.
Se a Mesa Diretora da Câmara não agir com firmeza para aplicar o que determina a Constituição, abrirá um precedente perigoso: o de que deputados podem permanecer indefinidamente ausentes e ainda assim manter salário, prerrogativas e benefícios – um verdadeiro “mandato fantasma”.
O parlamento não pode se tornar abrigo de privilégios incondicionais. O mandato não é propriedade privada do eleito, mas instrumento público de representação. Ou Eduardo Bolsonaro retorna e exerce plenamente as funções para as quais foi eleito, ou a Câmara deve declarar, com o amparo da legalidade e da moralidade, a perda de seu mandato. Não há espaço para conivência silenciosa. O Brasil democrático exige coerência entre dever, presença e remuneração.